Sobre café, cappuccino e "batosidades"

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— Aqui. — falou, pondo um prato de arroz, feijão, um ovo e salada de alface com tomate — Quero ver comer tudo. Ordens médicas.

— Sim, Senhor Irritante. — resmunguei.

     Literalmente forçava a comida garganta abaixo, bocado por bocado.

Solace não caiu de para-quedas em minha vida: ele arrombou a merda da porta e tacou uma granada dentro dela com a trilha sonora de "Star Wars" de fundo.

     Desde que nos encontramos naquele maldito ônibus, ele fez questão de checar meu estado diariamente e fazer com que eu coma pelo menos o almoço e a janta.

     Eu tinha vinte anos. Não precisava de uma babá.

     Não precisava da pena de ninguém. Não precisava do cuidado de ninguém.

     Não precisava de alma gêmea enxerida nenhuma.

— Ok, Lorde das Trevas. Põe p'ra fora. — falou a razão de minha dor de cabeça do último mês, arrancando-me de meus pensamentos.

Oi?

— ' ' um emburrado diferente, hoje. Fala o que aconteceu.

     Bufei. Brinquei com a comida ao cortar:

Não te interessa.

— Sou seu médico e alma gêmea. Se te faz mal, me interessa sim.

— A gente se conhece faz só um mês, e ' nem ia saber da minha existência se não fosse essa merda de laço que algum verdadeiro filho da puta que trabalha pro universo decidiu dar p'ra gente. — constatei, ácido — Então não, não te interessa não.

Diferente de você, Lorde das Trevas, eu acredito que as coisas têm um motivo. — rebateu, uma nota de impaciência na voz — Então tem um motivo p'ra sermos almas gêmeas. Portanto, eu tenho motivos perfeitamente válidos p'ra me interessar pelos seus problemas.

— As coisas não tem um motivo predeterminado, então você só ' perguntando porquê é um enxerido de merda que ' entediado com a faculdade de medicina e que quer ter um motivo minimamente plausível para atormentar alguém, que no caso sou eu. — cuspi as palavras feito veneno.

     As coisas aconteceram tão rápido que mal assimilei tudo.

Solace, que se sentou bem de frente para mim na estreita mesa do refeitório faz nem cinco minutos, pulou da cadeira e puxou a gola do meu moletom até que eu pudesse sentir sua respiração quente direto no rosto..

Não, caros leitores. Ele não estava bravo.

Will estava furioso.

Escuta aqui, Nico di Angelo. — vociferou a ordem, a voz soando baixinha — A gente pode até ter se conhecido por sermos almas gêmeas, e não vou ser um hipócrita de merda e dizer que eu teria reparado em você se não fosse por esses olhos cor de terra ridiculamente lindos ...

"Pelo menos ele é consciente", pensei. "... Calma aí. Ele chamou os meus olhos de 'ridiculamente lindos'!? Os meus olhos cor de terra!?"

— ... Mas eu te vi. E eu não admito que você não cuide de si mesmo enquanto eu puder pegar no seu pé p'ra se cuidar! — sentenciou, e eu não pude evitar a hipnose que o céu habitante de seus olhos causava — Agora deixa de cú doce e desembucha o que ' te incomodando. Ouviu bem ou eu vou ter que passar cotonete nessa sua orelha cheia de piercing!?

     É normal gostar do frio na barriga que senti depois do Senhor Irritante falar assim comigo? Espero que sim.

     O loiro soltou meu moletom e tornou a sentar, cruzando os braços e batendo os crocs laranja horrorosos que calçava no chão como se fosse a minha mãe.

     Respirando fundo para sair do choque, também sentei. Olhei para meu prato remexido, reunindo energia para responder a pergunta.

— Não tinha creme na cafeteria, hoje. Só canela. E eu gosto com os dois.

Solace encarou-me fixamente por tempo o suficiente para me fazer querer pular para dentro de um buraco e sumir.

— Você toma o seu café com canela e creme? — "perguntou" com toda a seriedade do mundo.

— Não. Não gosto de café. Muito amargo. Eu peço cappuccino todos os dias.

Nunca revelei isso para ninguém além de meus dois amigos melhores amigos, Annabeth, Percy e minha família.

Não é que eu tivesse vergonha disso. É só que ninguém perguntou e todas as pessoas da minha idade parecem ser viciadas em cafeína. Gosto de evitar falas como "é impossível não gostar de café, seu alien". Simples assim.

Fora que eu achava, de certa forma, legal ter "meus segredos".

Uau. Não esperava isso de você.

— É. É o que a Reyna e o Jason vivem falando. — desdenhei

— Eu também não gosto de café. — revelou com um sorrisinho cúmplice — E eu também gosto de cappuccino com canela e creme.

Ok. Era a minha vez de olhar fixamente para alguém do outro lado da mesa.

— Se for uma brincadeira, eu juro que-

— Não é zoeira. Eu realmente não gosto de café e tomo cappuccino com canela e creme, principalmente se for com um bolinho de chocolate. — apoiou a cabeça numa mão, sorrindo maroto — E você, Lorde das Trevas?

— Agora vai me interrogar?

— Não sei se ficou claro o suficiente, mas eu não vou sair da tua cola. Melhor eu saber do que ' gosta p'ra quando eu eventualmente passar na cafeteria e lembrar de você.

"Você não tem porquê lembrar de mim. Eu nem valho a pena."

— Caramelo. Daqueles em cubinhos e que misturam com chocolate.

— Inusual, mas combina contigo.

Discutimos sobre nossas (como diria Bianca) "batosidades" prediletas enquanto eu tentava terminar o prato já frio que Solace fez para mim.

Quando dei por mim, eu comi tudo. Não demonstrei, mas isso era uma vitória.

Primeira escolha [Solangelo]Onde histórias criam vida. Descubra agora