Eram seis e dezesseis da manhã quando recebi uma ligação de Will.
Estranhei, ainda analisando as opções da cafeteria ao atender.
— Alô?
[— Nico, você ainda 'tá na cafeteria?! — sua voz era rouca e grogue.]
Ouvi barulho de chaves e papéis caindo ao fundo da ligação. Respirei antes de responder, ignorando a sensação estranha que sua voz me deu.
— Sim, eu 'to. Por quê?
[— Por favor, compra um café e uma Coca p'ra mim. Eu te pago depois- merda! — mais barulho de coisas caindo.]
— Will, o que aconteceu?
[— Eu- eu estudei a matéria errada e virei a noite decorando o básico da matéria certa. Se eu não tomar nada energético, eu vou dormir fazendo a prova!]
— Você odeia café.
[— Mas café e Coca são a mistura mais energética que eu conheço. Eu- PORRA! — som de alguém batendo contra a parede — Eu te vejo na estação. Obrigado e tchau!]
Encarei a tela do celular durante dois segundos antes de bufar e fazer o meu pedido.
...
A tarefa de equilibrar a minha bolsa, dois copos térmicos, uma lata de Coca Cola e um pacotinho de plástico até a estação de trem provou-se ser para os fortes.
Avistei Solace esperando pelo trem com um fichário inteiro aberto em mãos. Quando cheguei perto o suficiente, vi as olheiras mais profundas do que nunca, a pele pálida e os olhos vermelhos.
Doeu vê-lo assim.
— Nem fudendo que você só vai tomar isso e fazer a prova. — sentenciei, assustando-o — 'Cê vai cochilar no trem.
— Eu preciso estudar-
— Meia hora de estudo não vai fazer diferença, mas meia hora de descanso vai. — meu olhar era de quem não estava aberto para discussões.
— Eu não vou acordar se eu cochilar.
— Nada que um murro na cara bem dado não resolva. — vi o trem chegar e as portas abrirem.
— Mas-
— Ordens médicas, Senhor Irritante. — entrei no trem, dando a questão por encerrada.
— Eu que sou o estudante de medicina aqui! — reclamou, fechando o fichário com tudo ao entrar no trem.
— Foda-se, Solace. — sentei num banco mais afastado e dei batidinhas no assento ao meu lado — Vem logo e cochila. A sua cara 'tá igual a de um fumante em abstinência.
Suspirou pesarosamente, cedendo.
Sentou-se ao meu lado, colocando o fichário de volta na mochila. Tombou o corpo até sua cabeça estar apoiada no meu ombro.
— Me acorda quando chegarmos lá, pelo amor de Deus. — murmurou, a exaustão tomando conta de si.
— ... Pode deixar, Will. — levei minha mão livre até sua cabeça para o movimento do trem não atrapalhar seu descanso — Dorme.
A viagem foi silenciosa. Estando acostumado a ser forçado a conversar com o loiro, o silêncio foi estranho e até deprimente. Tentei repassar a matéria mentalmente enquanto bebia o meu cappuccino.
Vez ou outra, espiava Will dormindo.
Ele quase babava em meu ombro. Seus ombros subiam e desciam junto com sua respiração. Sereno e fofo assim, nem parecia o cara de língua afiada que me enchia o saco todos os dias.
Quando o trem chegou em nosso ponto, meu braço estava dormente. Mexi-o de leve com a outra mão, a voz tão suave que quase não me reconheci:
— Will, a gente chegou.
— Mass xinco minutinhosss ... — balbuciou, bêbado de sono.
— Daí a gente perde a parada. — mexi-o mais — Vamos. Eu trouxe o que você pediu.
Ele praticamente se arrastou para fora do vagão, e segurei-o pela gola bem a tempo de evitar que desse de cara com um poste de suporte.
— Você não sabe a vontade que eu 'to de te filmar, Solace ... — guiei-o para fora do trem em segurança — Aqui. Bebe e come.
Will só notou o pacotinho quando literalmente acabara de abri-lo. Encarou o conteúdo, e pude ver as engrenagens em seu cérebro tentando funcionar apesar do sono.
— Eu não pedi p'ra você comprar um bolinho de chocolate. — falou mais para si mesmo do que para mim.
— Café e Coca puros não iam te fazer bem, e eu duvido muito que 'cê tenha comido antes de sair de casa. — dei de ombros, tomando um longo gole do meu cappuccino — E bolinhos de chocolate são os seus favoritos, não são?
Ele continuou encarando o doce, e notei as lágrimas inundarem seu par de céus azuis. Sorriu meio bobo ao dizer:
— Cara ... fazia tempo que alguém lembrava de mim assim!
Eu prefiro pensar que a sensação estranha no estômago que senti naquele momento foi o medo de esquecer a matéria de filosofia da prova que faria no dia.
Tomei um longo gole de cappuccino para que ele não visse o sorriso que não consegui segurar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Primeira escolha [Solangelo]
FanfictionOnde di Angelo encontra alguém que escolheria-o como primeira opção e amaria seus olhos cor-de-terra. [Soulmate AU]