Já fazia algum tempo que trabalhava naquela casa de fé. Na semana passada havíamos feito a guarda da casa para que os pais velhos pudessem realizar os trabalhos tranquilamente. Nossa missão consistia em rondar o local e não deixar que magos negros e espíritos de má fé se aproximassem ou intervissem. Toda semana um grupo diferente atuava dando consultas aos necessitados, fazendo a desobsessão de irmãos e cortando a atuação de magias negras.
Hoje era um dia em que nós, guardiões e guardiãs, ficávamos responsáveis pela condução do trabalho, mas, além disso, era um dia especial, pois, era o dia em que novos médiuns se apresentavam ao caboclo chefe. Não haviam muitas pessoas novas no centro, dois jovens e uma senhora vestiam suas faixas coloridas determinadas anteriormente pelo sacerdote dirigente. A menina vestia uma faixa laranja que a caracterizava como filha de Iansã, a senhora vestia uma faixa vermelha que a caracterizava como filha de Ogum e o rapaz vestia uma faixa azul que o caracterizava como filho de Iemanjá.
--Parece que hoje teremos muito trabalho, Sete Saias. - falou a Guardiã Maria Molambo, com uma expressão animada.
--Eu espero que sim, afinal, estamos aqui para isso. Você reparou nos novos médiuns da casa? Sempre acontece da mesma forma, eles entram de forma tímida, sem conhecer nada desta fé e depois tornam-se grandes trabalhadores da seara espiritual. É gratificante observar este desenvolvimento, não é? Quantos médiuns já passaram por esta casa e hoje mantém suas casas de fé? E quantos, também, permanecem firmes nesta casa, trabalhando incansavelmente? - eu disse a guardiã Maria Molambo, cruzando os braços.
--Cada um se desenvolve da forma como nosso Pai determinou. E todos eles contribuem para disseminar o amor, a fé e a caridade. Nós também nos beneficiamos desta vontade de ferro deles, pois, assim podemos evoluir um pouquinho mais e aprender com cada trabalho que nos é incumbido espiritualmente. - respondeu a guardiã ao meu lado.
--Olhe para aquele rapaz, ele não sabe por onde começar. - descruzei os braços e olhei para a Guardiã Maria Molambo. Eu devia ajuda-lo de alguma forma. O trabalho ainda não havia começado, por isso, resolvi intui-lo a fazer algo que sempre seria útil para ajudar na gira, caminhei até ele e coloquei a mão sobre seu ombro, ele começou a caminhar até a frente do congá, eu o acompanhei, ele olhou para a imagem de Jesus Cristo que estava posta no local mais alto do altar e fechou os olhos, cruzou as mãos abaixo do queixo e iniciou uma oração silenciosa, carinhosa e cheia de poder. Voltei para o lado da Guardiã Maria Molambo e sorri.
--Ele será um bom filho desta casa. - eu disse mais para mim mesma do que para a Guardiã.
O sacerdote fez a defumação na corrente, na assistência e na casa. Os médiuns foram entrando aos poucos no terreiro e logo formavam um semi círculo. Os adejás tocaram e todos começaram a cantar, iniciando os trabalhos daquela noite. "Refletiu a luz divina, com todo seu esplendor. Vem do reino de Oxalá, onde há paz e amor. Luz que refletiu na terra, luz que refletiu no mar, luz que veio de Aruanda para tudo iluminar..."
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--Eu não sei por onde começar, Senhor Guardião Veludo. - eu abaixei a cabeça e coloquei as mãos sobre os joelhos, não queria que ele percebesse meu nervosismo.
--Pode começar se referindo a mim como irmão, Guardião Sete Ondas, pois, é o que somos. - o Guardião Veludo retirou sua cartola e pousou-a sobre a pequena mesa no centro, entre mim e ele.
--Perdoe-me, ainda não estou acostumado com esta forma de tratamento do mundo astral.
--Não há o que perdoar. Para você, há algum problema em se referir a mim como irmão? - Veludo curvou a cabeça, como se tentasse ler meus pensamentos, e parecia estar conseguindo.
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Exu Maré - O Guardião dos Mares
SpiritualA evolução espiritual de um guardião assombrado pelo seu passado e em constante desenvolvimento, na busca pela redenção através da caridade, dos seus resgates cármicos e o auxilio dos mestres da espiritualidade e dos Orixás. Este livro conta a histó...