Quando acordei, imaginei estar no poço mais fundo e existente. A dor me consumia, dos meus olhos brotavam lágrimas involuntárias, eu havia perdido tudo: a vida, meu barco, meus companheiros, meu resto de dignidade e a pouca fé que acreditava ter.
Não haveria de existir Deus naquela escuridão, nem em lugar algum. Coisa da mente de quem precisa de uma muleta para viver, ou alguém para pedir quando não tiver capacidade de realizar algo... algumas vezes também para descontar sua raiva e jogar a culpa de seus erros. "Deus não quis assim".
Eu estava só, não havia nem sequer em quem descontar o meu ódio, não havia voz para gritar, não havia luz para enxergar. Estava destinado a apodrecer naquele chão úmido, fétido e cheio de nada além do meu peso morto, a carne cheia de feridas e os meus lábios inchados, como se abelhas me picassem a cada segundo.
Tentei dormir, tentei gritar, tentei pensar... nada consegui, se não, apenas chorar.
Quantas vezes pensamos em suicídio durante a vida? Que bobagem.
Se soubessem que a morte nada mais é do que o início do início eterno do sofrimento, não pensariam tamanha besteira. Era melhor viver na dor carnal, na dor do coração, do que viver naquela desgraça de nada. Eu estava inundado de sentimentos negativos, nada poderia me salvar.
Em determinado momento lembrei-me da beladona que tive em meus braços. Não sei como pude recordar o perfume doce dos seus cabelos, que invadiam minhas narinas através da brisa do mar. Seu nome era Ana, como ela era linda, talvez a única mulher pela qual tenha tido algum sentimento verdadeiro. Não, não era justo pensar nela nesse momento, eu havia deixado Ana sozinha, grávida, sem sequer um pouso tranquilo. Se ela soubesse que lhe deixei por vaidade, pela ganância de conquistar mais poder, dinheiro e fama. Ela não merecia que eu pensasse nela nesse momento.
Sem conseguir deixar que minha mente vagasse para outros pensamentos, resolvi pedir perdão a ela. Eu chorei ainda mais, nos meus lábios o gosto imaginário de sangue, não seria possível ter sangue no lado espiritual.
--Emanuel, eu te perdoo. - ela aproximou-se de mim, sua mão tocou meus olhos, enxugando-os. O seu perfume invadiu minhas narinas, agora mais real do que antes em meu pensamento. Eu consegui fitar seu rosto alvo, sua bela face, seus olhos de uma cor azul intensa. Eles brilhavam e ela sorria, mas era estranho alguém sorrir naquele inferno escuro.
Ana levou os lábios a minha testa e a beijou. Senti incontrolavelmente um sono acolhedor. Adormeci.
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Exu Maré - O Guardião dos Mares
SpiritualA evolução espiritual de um guardião assombrado pelo seu passado e em constante desenvolvimento, na busca pela redenção através da caridade, dos seus resgates cármicos e o auxilio dos mestres da espiritualidade e dos Orixás. Este livro conta a histó...