Parte I - Lídia e Freya:. 3

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Parte I - Lídia e Freya:. 3

O quarto, com espaço suficiente para caber um chalé inteiro com folga, estava decorado com dois baús (nos quais caberiam um corpo em cada), móveis entalhados com motivos florais, uma lareira e tapeçarias para reduzir a frieza das paredes de pedra, apesar do teto e piso de carvalho.

Por sobre toda essa opulência, no entanto, o tempo havia deixado suas pegadas com uma força que entregava a idade dos objetos. Dos cavalos que galopavam pelas pradarias de fios de algodão, só restara parte de suas patas e as cabeças de seus respectivos cavaleiros, tendo sido o restante desbotado pelos anos. E o espelho de vidro, quase dez vezes o valor de um de metal, havia sido reduzido a uma constelação de manchas oxidadas. Isso sem mencionar o estado do tecido e da madeira do dossel, amplamente saboreados por traças e cupins. Do todo, as únicas partes que permaneciam inalteradas, fazendo justiça à sua natureza, eram justamente as rochas que compunham as paredes, cuja cavalaria de tecido tentava esconder.

Curiosamente não havia uma única fonte de luz no quarto, o que não parecia incomodar ou sequer fazer falta a Freya.

Flutuando na água de sua banheira posta sobre um tapete e colada a uma janela, ela se deixou vagar pelo céu coalhado de estrelas, observando o sorriso branco da lua boiar no firmamento.

O corpo agia automaticamente, sua dona perdida em profunda meditação, a mente num único assunto, numa única pessoa. Freya revirava recordações e ideias em seu mundo enquanto as mãos terminavam o serviço, movendo-se sob o comando de um pensamento.

Passando as mãos pelos cabelos, jogou-os para trás e pressionou os fios dourados contra a cabeça, removendo assim o excesso de água. Mal chegando à base do pescoço, eles expiraram o pouco que retiveram, escorrendo o líquido pelas costas da vampira e de volta à banheira.

Finalmente deu o banho por finalizado e ergueu-se. E ao fazê-lo, foi como se não possuísse peso. Sem apoiar as mãos, sem esforço, sem nada, ela simplesmente ficou de pé.

A água escorreu por sua pele cor de osso, refletindo a luminosidade externa e dando-lhe a aparência de uma estátua de mármore. Uma estátua bem modelada, com uma silhueta alta e delgada, sem exageros, de linhas que guiavam o olho pelas suas formas.

Sem sair da banheira, voltando sua atenção ao redor, sua expressão compenetrada se transformou.

"Uai?" Pensou olhando em volta. "Cadê?"

Quando seus olhos encontraram o que procurava, seus lábios se comprimiram e seus ombros cederam.

– Porra...

A toalha a mirou preguiçosa, jogada sobre o colchão a uma distância muito maior do que seu braço.

Enquanto contemplava a banheira ilhada pela madeira do piso, e pensando em como atravessar o espaço sem criar um rastro de água, Freya ouviu a porta se abrir.

– Lídia! – exclamou feliz. – Me alcança a toalha, por favor? Esqueci em cima da cama.

– De novo? – espantou-se a vampira branca fechando a porta atrás de si e preenchendo o quarto com passos metálicos amadeirados. A cada movimento, a armadura se adaptava. Suas partes se dividiam, se fundiam e deslizavam peça sobre peça a fim de manter o máximo possível de pele protegida. – Aqui – disse entregando a toalha a Freya.

– Obrigada – e começou a enxugar o rosto. – E aí? Como foi seu treino? – Sua voz saiu abafada por trás do tecido.

– Legal...

– Alguma novidade? – perguntou a loira, removendo as gotas dos seios.

– Apanhei...

– Isso num é novidade – os olhos de Freya contraíram-se em sapequice.

Anjos e Vampiros - A Filha da VampiraOnde histórias criam vida. Descubra agora