Quando fui demitido, tive uma sensação de liberdade muito grande. Era como se um piano tivesse sido removido das minhas costas.
Eu poderia recomeçar. Poderia buscar um emprego novo.
Poderia me mudar para a Holanda, algo que eu planejara fazer dois anos antes, quando tinha pedido demissão da EY.
Eu confesso que estava mal acostumado.
Nunca havia passado por grandes dificuldades na vida profissional.
Comecei a fazer dinheiro desde muito cedo.
Não precisava ter um emprego que pagasse um salário mínimo, pois aos 20 anos eu já conseguia ganhar muito bem prestando serviços de TI a pequenas empresas e vendendo computadores.
Tinha um contrato excelente com um escritório de advocacia com filiais no Rio e em Cabo Frio, que garantia uma renda fixa mensal em troca dos meus serviços de consultoria.
Nesse período, participei de um programa da Microsoft chamado Microsoft Student Partner, em que eu atuava como uma espécie de embaixador da empresa no meio acadêmico.
Ajudei a Microsoft em iniciativas como a competição Imagine Cup, participei da fase de testes do Windows Longhorn (Vista) e do lançamento do Windows 7 em São Paulo. Fui palestrante em eventos oficiais, falando de tecnologias como Active Directory no Windows Server 2003.
Eu tinha acesso a cópias originais de todos os softwares da empresa, ganhava treinamentos, livros etc.
Minha primeira viagem de avião e estadia em hotel de muitas estrelas foi bancada por eles. Ainda lembro da palhaçada que fizemos de pedir para trocar nossos travesseiros comuns por travesseiros com plumas de ganso.
A Microsoft pagava tudo para aquela turma de estudantes chamados MSP's. Não recebíamos salário, trabalhávamos voluntariamente, mas podíamos consumir o que quiséssemos durante as estadias naqueles hotéis luxuosos.
Como já disse, fui mal acostumado desde cedo, o que me fez achar tudo muito normal quando comecei a viajar pela EY e pela Michelin.
Obviamente, as viagens eram a trabalho, mas eu tentava aproveitá-las ao máximo.
Em uma delas, fui para o Mato Grosso do Sul, trabalhando para a Monsanto em um projeto de auditoria de produção de soja. Era um daqueles projetos que poucos queriam encarar, mas eu havia deixado claro para meus superiores que, se precisassem, poderiam contar comigo. Acabei conhecendo a pessoa que viria a se tornar a minha esposa e mãe dos meus filhos enquanto descansava em Bonito.
Ninguém pode dizer que eu não soube aproveitar meu tempo nessas empresas.
Muito menos que não fui agradecido. Eu era mal acostumado, mas nunca fui mal agradecido. Ao menos não intencionalmente. Sou extremamente grato por tudo o que investiram em mim.
Bom, estou contando essas histórias desconexas para tentar explicar que, por várias vezes, escolhi abandonar minha zona de conforto.
Em diversos estágios da vida, tive algo que julgava ser importante nas mãos e que achava que eu não podia perder.
Mas a vida sempre exigiu que eu fizesse escolhas. E toda escolha exige um sacrifício.
Ou vai, ou racha.
Parece que mandar tudo para a puta que pariu é um ato de loucura. Mas não é, é uma exigência da vida.
É o ato de sacrificar aquilo que se ama para ter a chance de experimentar um amor muito mais intenso, manifestado de outra forma.
Talvez, "apa puta que pariu" seja um requisito para se alcançar a felicidade.
Quando fui aprovado no processo seletivo extremamente concorrido da EY, aceitei uma proposta para ganhar três vezes menos do que eu conseguia ganhar trabalhando por conta própria.
Tive que mandar minha zona de conforto para a puta que pariu. Dei dois passos para trás buscando pegar impulso para dar muitos passos à frente nos anos seguintes.
E foi exatamente o que aconteceu. Eu nunca havia tido uma experiência de desafios e aprendizado tão intensa como naquela empresa.
Mas também era arriscado. E se eu não conseguisse dar conta das novas atribuições? E se eu não fosse bom o suficiente? Eu também tinha medo.
Eu não odiava a minha vida como empregado.
Não odiava o fato de trabalhar como CLT.
Como eu já disse, ser CLT era muito, muito, muito confortável.
Eu amava crescer na minha profissão. O status das minhas posições de trabalho naquelas organizações matriciais mantinha minha autoestima lá em cima.
Talvez por isso, anos mais tarde, quando comecei a me sentir infeliz no que aparentemente era o meu emprego dos sonhos, eu não conseguisse dar o passo adiante e pedir demissão.
Se fizesse isso, eu não estaria sendo resiliente o bastante. E permanecer onde eu estava era muito confortável financeiramente.
Veja bem, eu não demonstrava infelicidade no dia a dia na empresa.
Eu me preocupava muito em fazer um trabalho excepcional, apesar de nem sempre conseguir realmente. Mas o apreço pela qualidade que eu havia aprendido na EY não me permitia entregar um trabalho meia-boca, e isso se refletia nos meus projetos.
Eu me dedicava a resolver os problemas, focava em soluções e me relacionava muito bem com as pessoas em todos os departamentos, em qualquer escala da hierarquia.
No longo prazo, eu sabia que iria me desenvolver cada vez mais e achava que a felicidade viria com o tempo.
Mas a felicidade jamais vem com o tempo.
A felicidade vem com nosso esforço, é reflexo de nossas atitudes.
Eu havia esquecido, ou não tinha percebido ainda, que todos os ápices de felicidade que eu vivera até aquele momento eram consequências das vezes que escolhi sair da zona de conforto ou, simplesmente, mandar algo para a puta que pariu.
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APA Puta Que Pariu, Como Troquei a Carreira Corporativa pela Cerveja
Não Ficção"O Christian aborda muitos dos desafios enfrentados por um pequeno empreendedor em um país gigantesco e cheio de dificuldades como o Brasil. E temas que vão desde a escolha do nome para um negócio, criação de uma marca, protótipos, sociedade com ami...