Herculano sentia-se doente e isso se dava pela diaba que passara a atormentar seus sonhos, o último o deixou transtornado: a via beijando outro homem, mas não pode ver quem era, pensou – nas irracionalidades que apenas o ciúme pode gerar – no rei do estrangeiro. Sabia que ele havia sido o primeiro amor da duquesa e por causa da desfeita do compromisso, a vingança começou, o cangaceiro tinha consciência de que não devia, mas era incontrolável não se comparar, Augusto poderia ter dado a vida que ela tanto desejava, uma vida de rainha, a vida que ele não tinha condições de oferecer. Nunca seria suficiente para aquela mulher e suas vaidades. Subitamente, lembrou de quando sua mãe pediu para Miguézim conversar com ele algumas semanas após a morte da duquesa.
― Dona Cândida está preocupada com tu, nobre guerreiro. Disse que se recusa a deixar o local no qual a duquesa partiu desse mundo. Ficar não fará ela voltar – o beato estava sério.
― Eu não posso abandonar ela, profeta. Aqui é a última morada da duquesa e será também a minha – o luto de Herculano arrastava-se para um penhasco de autodestruição, estava revoltado e inconsolável.
― Eu lhe disse isso um dia e vou dizer novamente: uma parte da alma do guerreiro vai ficar para sempre aqui, onde jaz a alma da duquesa. Ela não era uma boa pessoa, tu sabia de todas as maldades, da ganância, do egoísmo e mesmo assim estava disposto a protege-la. Tu, guerreiro, pôde mostrar a beleza do amar e do cuidar, coisas nunca antes experimentadas por aquele espírito atormentado e por isso Úrsula lhe salvou, ela não saberia viver num mundo onde o teu amor não fosse possível, ao teu lado a felicidade encontrou um espaço pequeno para se amostrar dentro daquele peito.
― A duquesa sempre tentava escapulir, nunca foi suficiente ser apenas minha mulher.
― E todas as vezes nosso Senhor deu um jeito de unir vocês. Cada ida era mais e mais dolorosa para a bruxa que travava consigo mesma uma arenga já perdida, se partisse, a vida e a vontade, a trariam de volta pra tu, guerreiro. Não se aperreie, porque a duquesa não suportaria viver longe de tu...
― E eu não suporto viver sem ela, como que eu tiro essa dona do coração, profeta? – a dor do luto estampava a angústia no olhar vidrado do capitão.
― Tu não tira, leve ela contigo. A feiticeira lhe deu a chance de viver e pra isso pagou com a própria vida, então, vá viver, guerreiro, honre o sacrifício feito. Nenhuma distância pode fazer sumir um amor maior que a morte.
Doía pensar em como ele acreditara nessas palavras, o consolo dos dias difíceis em que a saudade batia bruta no peito era ter a certeza do amor da duquesa. Em sua mente, martelavam insistentemente as frases A duquesa não suportaria viver longe de tu e Nenhuma distância pode fazer sumir um amor maior que a morte.. Era verdade que a morte não diminui o sentimento entre os dois, pode ver no olhar da duquesa o mesmo brilho de antes, o beijo e a paz, a paz que ele sentia quando estava perto dela. Não, não era a presença de Úrsula que o atormentava e sim o medo de perde-la, cada dia que passava tendo-a como mulher, aumentava o desespero de se apartar dela. E então ela escolheu se apartar, a mulher por quem ele seria capaz de qualquer coisa, menos abandonar a vida no cangaço. Durante todos esses anos pensava que se tivesse escolhido fugir, ela estaria viva e com ele, culpava-se por ter negado à duquesa a tentativa de uma vida longe de tudo que conhecia. Sabia que a ganância era um dos principais motivos para o fim trágico, mas o remorso o acompanhava, assim como a saudade. Mas era tudo uma farsa! Ela estava viva durante todo esse tempo, toda a dor que sentira era resultado de mais uma mentira da duquesa. E enquanto era corroído pela dor da saudade, ela vivia no luxo e longe dele. Evitava pensar se era verdade Úrsula não ter se envolvido com nenhum outro cabra, porque o ódio que lhe tomava o coração quando pensava na sua mulher nos braços de outra pessoa o fazia entender as razões da duquesa para se vingar do Rei que a trocara.
Ela estava ainda mais bonita do que ele lembrava, o sorriso faceiro e danado, o olhar que guardava o amor...Sim, vira amor nos olhos dela, sentira amor nos lábios e ouvira amor nas palavras e gemidos. Mas Herculano era fera ferida, escapara com vida daquela relação, porém as cicatrizes ainda não sararam, na realidade, não sabia se algum dia elas parariam de sangrar. E agora ela voltara, fazendo-o morrer aos poucos por amor novamente, o sentimento que sentia por Úrsula era poderoso, mas não poderia sobreviver à vendavais constantes. Porém Miguézim acertou na conversa tida anos atrás: a vida trouxera a duquesa novamente para si, novamente estavam unidos...
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Úrsula não pregara o olho, passou noite adentro com o broche nas mãos, chorando, seu coração estava despedaçado e ela não possuía forças para reconstruí-lo. Por tanto tempo zombara dos apaixonados, daqueles que sangram por outrem e agora...era patético. E era tudo culpa sua, Herculano não poderia ter reação diferente, ela o traíra de forma vil, por ganância desenfreada e sabia que não merecia o perdão do cangaceiro, todavia restava esperança naquela alma que aprendera o que são as delícias do amor através da boca, dos toques viris e do olhar protetor daquele homem. Estava errada. Ele não iria aceita-la novamente na cama ou na vida, não suportava mais dissimular aquela dor inocultável, seu coração bradava que o brilho no olhar de Herculano o traiu e entregou o que ele tentava conter, aquilo que não quis desabafar. Pensou, tola que era quando o assunto era o capitão, que finalmente poderiam deixar de temer e sofrer, tentariam arranjar um jeito de ficarem um ao lado do outro.
Se não tivesse tentado fugir com o tesouro...se tivesse ficado ao lado do homem que amava...questionou durante todos os anos porque fora tão cega e arrogante? Acreditara que conseguiria esquecer aquele amor, seguir sem olhar para trás, porém não passara de idealização quimérica. Ao voltar, confiou muito na concepção do amor que tudo suporta, mas que tipo de amor ela poderia oferecer? Um amor que causa medo, angústia e desconfiança. Que tipo de amor é esse? O amor de Úrsula, como bem dissera Herculano, é uma praga e só pode terminar em tragédia.
Durante a juventude, pensara ter conhecido o amor, em Augusto encontrara o príncipe encantado e aquela deificação tornou a dor e humilhação muito mais poderosas, transformando-a completamente. Depois disso, pouco queria saber sobre o amor, lembrava-se apenas que o temia e, na mesma proporção, o procurava. E então ele apareceu. Pensou que não haveria perigo, afinal, qual a probabilidade de uma mulher como Úrsula se apaixonar por um bárbaro? Ele era tão diferente daquele príncipe que um dia a ferira. Não lembrava mais qual foi o começo daquilo, sabia que não haviam começado pelo começo, já era amor antes de ser. O amor que sentia por Herculano não possuía idealização, fora construído ao longo do tempo que puderam passar ao lado um do outro, se lhe perguntassem O que fez a paixão surgir? não saberia responder, mas se a questão fosse Por que o ama? poderia elencar as diversas razões que fizeram com que ela permitisse que aquele justiceiro construísse morada em seu coração. Confiava em Herculano, durante as muitas vezes em que correu o risco de ser presa e terminar numa masmorra em Seráfia, tinha a certeza de que seu amado iria salvá-la e, ao contrário do homem, nunca duvidou do sentimento, simplesmente sabia que era verdadeiro, desejava que ele também sentisse isso, que confiasse no amor dela que, mesmo descarrilhado, era sincero. Tudo isso era improvável agora, tanto quando Dona Cândida vir a gostar de Úrsula um dia, mas a duquesa prometeu para si mesma que aquele amor nunca se acabaria, nem as rusgas, nem a distância o destruirão e isso está provado, pensado e verificado. Solene, fez o juramento, aceitando o fado do amor que se julga perdido, mas insiste em pulsar: amo, firme, fiel e verdadeiramente. Piscou algumas vezes na tentativa de refrear o choro.
Toc, toc, toc. As batidas na porta assustaram-na, não estava à espera de ninguém, precisava se recompor depois da discussão e rompimento com Herculano. Olhando-se rapidamente no espelho, ajeitou alguns fios que escapavam do coque e caminho altiva até a porta, quando a abriu, foi arrebatada por uma emoção gigantesca:
― Mamãe... – Carlota, com umalinda menininha de cabelo enrolado da cor do de Úrsula nos braços, estavaparada na soleira da porta, o rosto tingido pelas lágrimas que escorriam numasaudade inenarrável.
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Saga: entre Florença e Brogodó
FanficÚrsula consegue fugir do Brasil e refaz sua vida em Florença, na Itália. Com a ajuda de sua grande amiga Celeste funda uma casa de moda para as grandes damas europeias, enriquecendo dessa forma. Herculano Araújo segue no cangaço, mas sempre faz uma...