Dueto

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O sol teimava em não dormir e Herculano agitava-se a cada segundo de espera, iria confrontar a duquesa, mas também estava com saudade de olhar para ela, tocar sua pele e doido para sentir o gosto de amor que aqueles lábios carregavam. Sabia que teria que resistir aos apelos sedutores daquela diaba, o fascínio provocado por ela nos homens era uma de suas melhores armas e o cangaceiro sabia que ela utilizaria disso para enganá-lo, portanto, repetia para si o mantra de não se deixar levar pelo desejo e afeto que sentia pela mulher.

Ao escurecer, Herculano vestiu-se como os cabras almofadinhas que acompanhavam a duquesa, a memória d'ela dizendo que preferia sua versão original o fez sorrir, mas para conseguir se misturar e não chamar atenção quando chegasse na pensão, precisava usar aquele terno que o deixava desconjuntado. Observando da janela de casa, esperou até perceber o mínimo de movimento e saiu, já tinha o plano traçado: iria de cavalo pela estradinha da floresta e amarraria o bicho numa árvore, seguindo a pé até a pensão de Cordata. Tudo corria exatamente como o planejado e, ao avistar um grupo de criados que ainda carregavam bagagens e utensílios para dentro do edifício, embrenhou-se no meio deles:

― A signora Úrsula pediu para não ser perturbada. Você sabe como ela é exigente e odeia que não sigam as ordens dadas – ao ouvir o nome da duquesa, o capitão passou a seguir a dupla de criadas que carregavam uma delicada mala de mão preta e um conjunto de lençóis.

― Mas ela vai ficar ainda mais irritada se tiver que dormir sem sua roupa de cama habitual, a signora Úrsula insistiu em trazer fronhas e lençóis de sua própria casa, portanto, eu vou levá-los até ela junto com essa malinha – o rei do cangaço sorriu pensando que a duquesa deveria ser uma patroa endiabrada.

As duas moças finalmente pararam em uma porta e o cangaceiro esperou na quina do corredor, observando. Herculano colocou a mão no peito com medo do coração saltar para fora quando a observou aparecer no batente da porta e, pegando a mala, permitiu que as criadas entrassem. Em menos de cinco minutos, mas que pareceram ser a eternidade, elas saíram, o cangaceiro percebeu quando a duquesa franziu o cenho, olhando para os dois lados do corredor antes de fechar novamente a porta. A diaba tinha certeza de que ele viria.

Andando apressadamente, bateu na porta, o coração pulando como milho de pipoca.

Consta nos astros, nos signos, nos búzios

A maçaneta começara a virar e ele ouviu a voz com tom irritadiço:

― Mas o que vocês querem agora, por Deus... – e então, estupefação.

Eu li num anúncio, eu vi no espelho

― Boa noite, duquesa Úrsula.

Tá lá no evangelho, garantem os orixás

Herculano tremeu quando sentiu a mão dela se entrelaçar na sua, o puxando para dentro do quarto.

Serás o meu amor, serás a minha paz

Ela trancou a porta e caminhou até estar de frente para cangaceiro e os dois ficaram se olhando no intervalo de uma vida inteira.

Mas se a ciência provar o contrário

Num impulso que os dois tinham prometido controlar, as bocas se encontraram em amor absoluto.

E se o calendário nos contrariar

Herculano agarrou o rosto dela com as mãos, reivindicando a língua de Úrsula.

Mas se o destino insistir em nos separar

A duquesa agarrava a nuca do seu homem como um náufrago se apega à tabua do navio destroçado.

Danem-se os astros (os autos), os signos (os dogmas)

Saga: entre Florença e Brogodó Onde histórias criam vida. Descubra agora