De que romance antigo me roubaste?

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Não sabia quanto tempo ficara ali, pensando no que diria para sua duquesa quando pudessem estar juntos. Apesar de não ser do seu feitio, optara por pedir desculpas, sabia que algumas palavras haviam sido duras, no passado isso não o incomodara, muitas vezes foi grosseiro com Úrsula, mas agora as coisas eram diferentes, dentro de si sentia algo estranho, uma necessidade de se provar digno dela. Ela era uma assassina, cruel, vingativa, gananciosa, mas nada disso importava, precisavam do perdão para seguirem juntos e ele estava disposto a entender sua duquesa, não era cabra de prosa, gostava do agir, mas seria importante conversarem. Alguma coisa naquela dona estava diferente e era exatamente isso que amolecia o coração do guerreiro. A observou sair de outro quarto com uma dona formosa, de traços finos como os da duquesa, o cabelo curto e negro feito a crista do carcará, as roupas extravagantes que pareciam muito caras. Riam juntas ao entrarem no quarto. Matutou quem seria aquela pessoa, Úrsula parecia muito confortável perto dela, sentiu o coração apertar. Eles nunca teriam essa cumplicidade, o mundo da duquesa era grandioso demais para a simplicidade da existência do cangaceiro e a coroa dela não se acomodava bem dentro de uma tenda. Era melhor que essa fosse a despedida. Sim, seria um adeus, um adeus definitivo como a morte, pois depois iria reunir os cabras e sumir pelo sertão.

Esperou com a alma em pedaços, tentava achar argumentos que o fizessem permanecer, pensou no sorriso bonito de sua branca enquanto ela brincava com a menininha, no olhar que ela lhe dera quando encontrou o dele, no beijo que continha o veneno que ele desejava beber até a morte. Sabia que, no fundo, queria desesperadamente apenas estar ao lado dela, amá-la e viver como seu homem, os meses em que ela ficara consigo no acampamento foram os mais felizes de sua vida, sorriu com carinho quando lembrou das vezes em que fazia um assalto e ela o esperava, aflita, toda vez era isso, a danada transmitia o medo de perde-lo nos olhos. Sua mente foi novamente para a vida luxuosa da duquesa, em como ela parecia verdadeiramente uma rainha ao lado de Augusto, fora, inclusive, seu primeiro pensamento quando topou com a corte pela primeira vez. Apesar de Cristina ser muito formosa, Úrsula possuía altivez, emitia poder com a mera presença, presença que combinava muito bem com a do rei, ela teria sido uma rainha esplêndida e forte.

Confessava para si o ciúme desses cabras do mesmo lugar da duquesa, eles tinham a educação, as maneiras nobres, o dinheiro...tudo que ele não podia oferecer, todavia, a mulher nunca reclamara disso, muito pelo contrário, sempre mostrou-se disposta a leva-lo consigo nas suas andanças pelo mundo e dizia sempre adorar seu, como é que ela dizia mesmo...uma palavra estrangeira...um je ne sais quo, não sabia o que significava e a diaba também não explicou! Se pudesse fazer um pedido ao nosso Senhor, pediria que a duquesa entendesse que o caminho deles era junto um do outro, não apartado, porque longe somente era possível miséria e dor. Sim, era egoísta, pois do mesmo modo que Úrsula poderia viver no cangaço, ele poderia viver mais ela em outro canto do mundo, mas não estava disposto a ceder e largar a vida que sempre viveu e sabia que a duquesa também pensava o mesmo. Não havia como reconciliarem-se, seria melhor apenas partir, mas antes, precisava ter aquela dona para si uma última vez. Viu a filha da duquesa sair com a outra dona mais a mãe, a menininha parecia dormir nos braços de Úrsula. Tremeu quando ouviu a voz:

― Então, está combinado, eu e Celeste almoçaremos com vocês amanhã, minha querida – o beijo amoroso foi depositado na testa de Carlota.

Quando a moça passou pelo corredor, Herculano fingiu estar entrando em um dos quartos, com a mão na maçaneta esperou-a descer as escadas, ouviu uma voz diferente, melodiosa, mas com o mesmo traço arrogante da de Úrsula:

― E você decidiu o que fará sobre o bárbaro? Sabe que te apoiarei independe de qualquer coisa, mas minha opinião é que você deve procura-lo. Todos esses anos distantes e o amor continuou a pulsar dentro de você, cuore. Quem sabe resolvendo essas pendências, você possa finalmente dar uma chance a Ettore, ele chegará logo e vocês passarão muito tempo juntos por causa do filme, talvez...

Herculano sentiu a boca secar, então tinha um cabra, o ciúme o fizera ignorar completamente o fato de Úrsula não ter se relacionado com ele por conta do amor que sentia:

― Eu o vi com outra mulher, cielo. A sertaneja mãe do filho dele – a fala da duquesa sempre exalava rancor – Herculano veio até aqui ontem e antes não tivesse nunca me procurado. Achei que nada seria pior do que ser abandonada pelo noivo por causa de uma plebeia, mas o que senti ontem...a morte seria menos dolorosa do que ouvir que ele prefere seguir acreditando que estou morta.

Quando percebeu o silêncio, arriscou-se olhar novamente e a moça, que agora sabia chamar-se Celeste, abraçava a duquesa. Não poderia saber que suas palavras machucariam tanto Úrsula, ela sempre parecera tão incólume às falas alheias, mas ele, Herculano, havia conseguido adentrar as muralhas que cercavam o coração danificado e, ao invés de acolhê-lo, havia destruído o que restava daquelas ruínas. Doía abandonar um grande amor. Baixou o olhar, talvez, como a duquesa mesmo dissera, seria melhor nunca mais procura-la. Porém a vida, insistindo que aquelas duas criaturas seriam capazes de encontrar a felicidade apenas quando entrelaçadas, decidira pregar uma peça no cangaceiro:

― Capitão! Quanto tempo! – Penélope com uma linda barriga falou entusiasmada – Vem cá, me dê um abraço.

― Capitão? – ao ouvir a voz conhecida, Úrsula correu em sua direção, seguida por Celeste, e ficou estupefata quando viu Herculano parado no meio do corredor, inquisidora, cuspiu-lhe a pergunta – O que faz aqui?

A jornalista sabia que o capitão só poderia ter ido fazer uma coisa ali: estava atrás da duquesa. Percebendo que o grupo chamava muita atenção e alguns criados já se apinhavam na ponta do corredor, sugeriu, olhando para os lados:

― Que tal conversarmos em um lugar mais privado?

A duquesa rapidamente percorreu o olhar pelos outros três e caminhou duramente para a porta de seu quarto, ao abrir a porta, os encarou séria. Quando entraram, Celeste percebeu que Herculano esperou Úrsula sentar para decidir onde iria se acomodar e logo estavam os dois sentados na cama, enquanto Penélope se ajeitava numa poltrona, a italiana precisava pensar rapidamente em uma forma de deixar os dois sozinhos. Decidiu quebrar o silêncio que tomava o cômodo:

― Então, signora Alves, sei que eu e Úrsula combinamos uma entrevista consigo, mas – olhando para a amiga, piscou brincalhona quando a viu chacoalhar o ombro bruscamente pois Herculano tentara toca-la – ela não acordou disposta hoje e talvez seja melhor a signora acompanhar-me ao meu quarto e lá eu esclareço o que for possível e já deixamos marcado outro dia para você voltar e poder falar com ela, sim?

Apesar da educação, Penélope notara que Celeste tinha um ar de imponência muito parecido com o da duquesa e sabia que aquela sugestão não aceitaria um não como resposta, levantando-se, pegou nas mãos do cangaceiro, que permanecia estático:

― Bel vai adorar saber que o senhor está aqui, capitão! Precisamos marcar alguma coisa, ficaremos hospedados aqui, o quarto é o 5, quando puder será mais do que bem-vindo – sorriu para Úrsula, sabia que ter uma entrevista privativa com a mulher era muito difícil e qualquer jornalista mataria para ter essa chance, mas a duquesa ofereceu a exclusiva para ela de muito bom grado, em nome dos "velhos tempos" – até breve, Úrsula. Espero que possamos ter a nossa conversa o mais rápido possível, meus editores ficaram muito animados com o seu aceite, surgiu até uma chance de um cargo melhor para mim. E já agradeço à senhorita, por também ter aceitado me conceder a fala, o rosto mais belo da Itália ficará lindo estampando nossas capas.

Foi com um aceno positivo da ruiva que Penélope deixou o quarto, acompanhada por Celeste. Herculano rapidamente agarrou os braços de Úrsula, virando-a para si e, antes que a mulher pudesse reagir, alcançou-lhe a boca vorazmente. A duquesa permitiu ser deitada na cama, enquanto o cangaceiro ficava sobre seu corpo, o peito subia e descia rapidamente e o desejo começava a ficar latente. Sentiu os dedos de Herculano acariciando seus cabelos, a barba roçando seu pescoço enquanto ele a mordia, queria entregar-se, ser dele e dele apenas, mas não, não depois da última conversa. Aquele haveria de ser o basta e rolando para o outro lado da cama, sentou-se, virando para ele com os olhos marejados, começou:

― Por que desceste ao meu porão sombrio? Com que direito me ensinaste a vida quando eu estava bem, morta de frio? Agora cá estou, com um abismo dentro do peito, abismo que pode ser preenchido apenas com sua presença. Por que me incendiaste de desejo? Por que não me deixaste adormecida, por que me iluminar com a luz do seu amor? Antes tivestes deixado esse coração nas sombras com as quais ele se acostumara, porque, depois de conhecer as graças da paixão, ele abriu a ti todos os segredos e agora precisa recolher-se em desvario por um alguém que prefere acredita-lo morto. Não, capitão. Dessa vez, quem diz não é o meu coração. 

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