II

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  O enterro foi no dia seguinte, eu coloquei um vestido preto pouco acima do joelho e uma sapatilha preta. 
  Subi ao altar em que estava o caixão dela e recitei meu elogio:
  - Sinceramente, não acredito em um tal paraíso, mas sei que ela foi a algum lugar para não mais voltar, não sou boa com palavras, tenho que reconhecer, mas eu devo isso a ela, eu a conhecia tão bem, e agora vou contar-lhes um texto que ela uma vez me disse que era para lê-lo no enterro dela se ela morresse antes de mim – limpei a garganta e comecei a ler - " Ela tem 12 anos e quer se matar... Não a julguem, ela só quer ir pra outro lugar... Não quer viver nesse mundo de mentira e maldade... Quer ir pra um lugar onde tenha felicidade... Ela é um anjo, não pertence a esse mundo... Ela só quer voltar pra casa... E ser feliz de verdade... Não agrada essa merda de sociedade... Só porque não tem corpo perfeito... Não significa que não tenha um coração... Entendam, vocês fizeram ela ficar triste... Entendam, ela viveu tentando agradar vocês... Já era tão natural vomitar após cada refeição... Que nem precisava mais enfiar o dedo na garganta... E ela já nem se espanta quando sangra... Ela só quer ser feliz em outro lugar... Onde ela não precise se cortar para se acalmar... Mas ela só sofre... Chorar, vomitar e se cortar.... Ela precisa de ajuda pois críticas ela já tem... Ela só quer fugir... Já estando morta por dentro... Do que adianta estar de pé? Entendam, vocês fizeram ela assim... Entendam, vocês precisam mudar..." – quando terminei de ler comecei a chorar muito, mas entre as lagrimas consegui dizer – eu a amava, e o amor nunca deve acabar.
  Não aguentei ir ao enterro em si, voltei para casa, subi para meu quarto e peguei meu livro, comecei a lê-lo novamente, demorou para o sono chegar, mas por fim, consegui dormir e tive uma noite sem sonhos.
  Acordei com a Thayna no pé da minha cama, ela estava lendo meu livro como costumava fazer quando nós conhecemos, ela me viu acordar e disse: 
  - Sei que a melhor coisa a se dizer não é o que vou falar agora - ela sorriu - mas eu sinto muito, eu não me dava bem com a Júlia, mas sei que você a amava.
  - Vindo da sua boca qualquer coisa é certa a se falar - eu dei um sorriso torto - vou escovar os dentes, espera ai.
  Levantei-me e fui ao banheiro, escovei os dentes, e quando terminei eu perguntei:
  - Vamos à sorveteria?
  - Claro, mas você não vai com esse vestido de enterro, ne? - ela sorriu.
  - Óbvio que não, vou trocar de roupa. 
  Ela saiu do quarto, eu vesti uma regata preta e um short jeans, fiz uma trança de lado no cabelo e peguei o dinheiro, fui até a sala, abracei minha mãe e disse a ela que iria à sorveteria com a Thayna, e saímos de casa. 
  Chegamos a sorveteria eu pedi um Milk shake de chocolate, e ela uma banana Split.
  - E então, como vão as coisas com o Caleb? - ela perguntou em um tom divertido.
  - Ele nem fala comigo, mas nem ligo, tem um menino super-gato na minha aula de espanhol.
  - Boa sorte! 
  Pagamos e fomos para uma pracinha, quando eu avisto o Marcus com seu melhor amigo André.
  - Oi - grito e vou correndo abraçar o Marcus.
  - Oi - ele disse ofegante.
  Viro-me para o André que não sei o porquê não gosta de mim.
  - Oi André - me viro para o Marcus - o que vocês estão fazendo aqui?
  - Estávamos indo pra minha para minha casa jogar vídeo game - ele vê a Thayna e a cumprimenta - oi, vocês querem ir? 
  - Pode ser. – respondemos juntas.
  Vamos andando até a casa do Marcus e começamos a jogar um jogo de luta, que eu sempre ganhava o pai do Marcus não estava em casa. Era a hora do André e da Thayna, eu e o Marcus fomos pegar algo pra comer e começamos a conversar.
  - Ta bem? - ele perguntou pegando uma garrafa de refrigerante.
  - É, mais ou menos, tem tanta coisa acontecendo.
  Ele pôs a garrafa encima da mesa e me abraçou.
  - Obrigada por existir. - o encarei e depois aconteceu algo totalmente irrelevante, nós nos beijamos. Quando paramos de nos beijar eu estava chorando - ninguém pode saber disso, o.k.? 
  - O.K.
  Limpei meu rosto e então fomos pra sala com a garrafa e os copos, e quando chegamos nós deparamos com algo totalmente estranho, a Thayna estava beijando o André.
  - Ei, pode parar a agarração? - falei em um tom irônico. 
  Thayna me olhou com a cara desnorteada, e o André começou a rir envergonhado.

  Passaram quatro dias desde o incidente com o Marcus, sinceramente, quando me lembro do beijo fico totalmente confusa. 
  Eu estava indo para a aula e passei na casa do Marcus e fomos juntos para a aula, ninguém disse nada durante o caminho e quando chegamos à escola avistei um menino muito gato, me despedi do Marcus, fui andando até a Helena que estava na porta da primeira sala e perguntei quem ele era, e ela respondeu que era um novato que estaria na minha aula de inglês, como somos meninas educadas, fomos dar as boas vindas para ele e perguntamos o nome dele, o nome dele era Guilherme e ele estava usando uma calça jeans folgada e um casaco preto. 
  - Tem que aula agora? - perguntei.
  - Tenho educação física, eu acho. 
  - Helena leve ele para a sala. - virei para o Guilherme - você se importa? 
  - Nem um pouco! 
  - Então tchau, vou falar com a Thayna. - sai em direção a Thayna e a abracei - Viu aquele menino lindo? 
  - Óbvio que vi, mas eu to em relacionamento agora - ela riu - o André me pediu em namoro. 
  - Só eu que não dou sorte no amor. 
  "Sou uma figurante, como posso ter me iludido?" Essa pergunta estava tomando conta de mim, fui para a aula de português e desmaiei. Quando acordei eu estava no hospital, tinha uns tubos nos meus pulsos e alguma coisa no meu nariz, estava totalmente difícil respirar. Até que uma enfermeira entrou no meu quarto para conferir o que acho que deveria ser soro e eu perguntei a ela:
  - O que estou fazendo aqui? 
  - Você acabou de fazer alguns exames, vou deixar que seus pais expliquem direito para você. 
  Ela saiu da sala e depois de alguns minutos voltou com meus pais, eles estavam de mãos dadas, fazia um tempo que não os via juntos. 
  - Você está bem? - minha mãe perguntou com lágrimas nos olhos. 
  - Estou, mas é difícil respirar. O que está acontecendo? 
  - Meu anjo, você está com câncer pulmonar. - meu pai respondeu, pois minha mãe estava chorando muito. Eu comecei a chorar, até que ouvi alguém me chamando. 
“Effy, Effy, Effy.''
  Eu estava dormindo na aula e tudo não passava de um pesadelo. Estava totalmente desnorteada pensando no fato de eu estar com câncer pulmonar no pesadelo. 
  A professora começou a explicar algo sobre o verbo, mas eu estava muito ocupada desenhando. Tocou o sinal e eu fui para a sala de inglês, o Guilherme estava sentado no lugar da Samantha, isso quer dizer a minha frente, passamos a aula toda conversando, ele puxou uma manga do casaco e eu vi marcas em seu pulso e perguntei o que era aquilo mesmo sabendo a resposta. 
  - Eu também já fiz misérias em meu corpo, mas consegui parar, e você, como parou? 
  - Minha irmã se suicidou quando descobriu o que eu fazia, então eu devia parar por ela. 
  - Meus pêsames. 
  - Mas mudando de assunto, não tem aquela sua amiga Helena? Então, ela parece ser legal... 
  - Quer ficar com ela, hein? - dei um sorriso. 
  - Quem sabe? - o sinal tocou - conversa com ela por mim? 
  - Mas é claro que sim, tem que aula agora? 
  - Ciências, e você? 
  - Ciências também, quer ser minha dupla? 
  - Pode ser. 
  Fizemos um gráfico sobre as organelas e fomos para o intervalo, o Guilherme foi conversar com alguns amigos dele e eu fui conversar com a Helena. 
  - O Guilherme falou de você. 
  - Sério? - ela estava ficando vermelha. 
  - Acho que ele gostou de você! 
  - Oh meu Deus. Olha quem ta ali! 
  Olhei para onde ela estava apontando. E ele estava lá, logo ele que não aparecia desde que a gente ficou, estava tão lindo, com aquela blusa verde que eu adoro, ele veio andando em minha direção. 
  - Oi Effy - ele disse meu nome com aquele sorriso bobo nos lábios. 
  - Oi Caleb.
  - Ta bem? 
  - Sim eu... 
  Ele me beijou do nada, sem aviso algum, apenas me beijou, e foi totalmente perfeito, nada mais existia no mundo. 
  - Ei - afastei-o ofegante. 
  - Quer namorar comigo Effy Motgomery? 
  - Oh meus deuses, é óbvio que sim. 
  Ele me abraçou e me deu outro beijo, não tão bom como o anterior, e ai eu me lembrei da Helena e quando me virei ela estava beijando o Guilherme.
  - A gente combinou de eu te pedir em namoro e ele beijar ela. 
  - Seu grande idiota - empurrei-o de leve - vamos sair, não tenho mais aula. 
  - Quer ir à sorveteria? 
  - Pode ser, tchau Helena - sorri e abracei minha melhor amiga e lhe sussurrei - boa sorte! 
  - Obrigada - segredou em meu ouvido. 
  - E tchau Guilherme.
  - Ah, tchau Elizabeth.

  Eu e o Caled saímos de mãos dadas e fomos à sorveteria, e como sempre eu pedi um Milk shake de chocolate, ele pediu o mesmo, pagamos e fomos tomando o Milk shake até minha casa, ele me deu um beijo de despedida. 

  - Até amanhã. 
  - Até - eu lhe abracei e entrei em casa. 
  No sofá da sala estava sentada uma pessoa destinada a ser minha melhor amiga, ou minha pior inimiga...

Uma Figurante QualquerOnde histórias criam vida. Descubra agora