Amores & Enterros

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Domingo/Segunda-feira, 24 de março, 9:30 a.m.

Nota,

Corro até lá e o abraço; aquele tipo de abraço que nenhuma força do mundo é capaz de quebrar.


Conhecemo-nos no enterro de Eugênio, 11 de novembro de 1976. O defunto estava em seu devido túmulo e o padre fazia as preces. Levantei meus olhos negros e encontrei os olhos âmbar de um jovem alguns anos mais velho ou mais novo do outro lado da sepultura. Alto, pele escura e cabelos cacheados como um anjo da guarda.


– Tudo está confuso – sussurro.


"Já notou que tem mais pessoas no velório de alguém do que em suas conquistas? ", disse a ele, quando todos tinham ido embora.

"Acho que é porque as pessoas nunca mais o verão e percebem quantas brigas bobas tiveram. "


– Que tal você tomar um copo de água com açúcar?


Andamos nas sombras das Mirtáceas. Contei que era enfermeira de Eugênio e ele me contou que era o advogado. "Os filhos mais velhos querem a chácara, você vai ter muito trabalho pela frente", avisei. Ele falou que daria um jeito.


Sem eu responder, ele me leva até a cozinha. Minha sogra trocou os azulejos amarelos neons por azuis apagados. Debruço-me sobre a pia perto da janela que dava para o churrasco. Ele enche um copo com água e açúcar e me dá. Vê algo ou alguém atrás das cortinas de chiffon e sai.


Ao chegarmos ao portão, nos despedimos:

"Eliza Teixeira. "

"O quê??? "

"Meu nome!?" Balancei a cabeça. "Não podemos nos encontrar uma próxima vez sem você saber meu nome! "

"E sem você saber meu nome também! " Estendeu a mão. "Miguel Môrres. "

Ele observou o anel prata com um pingo de diamante na minha mão direita.


Bebendo a água aos golinhos, me viro e vejo enquadrado na janela meu amôrre correr aos braços de outra. Beijam-se. Todos veem, ninguém fala.


"O anel não serviu", contei. Ele soltou a minha mão ex-prometida a outro.

"O que aconteceu? "

"Eu não esqueci. Esse é o problema: eu lembro de tudo, até das memórias que deveria esquecer. "

"Acho que têm coisas que não conseguimos esquecer e tudo bem. O mais importante é não deixar nos afetar negativamente. Já que, por bem ou por mal, elas fazem parte de nós. "


Corro até o quintal. Todos riem e comem. Miguel me aconselhou a pensar em outras coisas, coisas fúteis, bobas e engraçadas para afastar pensamentos ruins. Desde então, tenho você, minhas Notas mentais. Porém, eu não sou otária para ficar assistindo ele me trair. E pensar que já tínhamos até escolhido os nomes para o bebê: Carlos para menino e Vanessa para menina.

– O QUE DEU EM VOCÊS?! – berro tão alto que minha cabeça se joga no ar. As pessoas me olham e voltam ao prato e às garfadas. – Ele está me traindo na minha frente!!! – Apontei para os dois. – E vocês continuam comendo e rindo!!! E ainda por cima, estou grávida deste cafajeste!!!

– Ela está grávida? – a outra pergunta.

– Está – Miguel responde.

Ela não sabe sobre mim? Resolvo ir para dentro da casa e pegar uma foto de nós para mostrar a ela. Terceira gaveta embaixo da TV, é ali que minha sogra guarda os álbuns de família. Lá, não encontro nenhum álbum. Em compensação, acho várias lembrancinhas de velórios. Em uma delas está escrito:

Em memória de João Azevedo, meu amado Tio Jô.

As Peculiares Notas Invisíveis de ElizaOnde histórias criam vida. Descubra agora