RELATÓRIO DO PACIENTE #065 (Nome desconhecido/ Sobrenome Boggard)

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Dia 08/03/1995

Sim, sabemos o sobrenome dele, mas o primeiro não. Isso se deu por causa do próprio paciente, que se recusou, a todo momento, falar abertamente sobre o seu nome. Tentamos por ele no setor de "nome e sobrenome" desconhecidos. Entretanto, o lunático implorou pra que sua identificação fosse mantida. Daí, cedemos e deixamos o nome desse jeito. Era a única forma de silenciar o senhor Boggard. O da vez é o Dr. Hunter, o novato tão comentado entre os corredores e salas do Asilo. Pobre alma. Tanto lugar para se trabalhar, veio justo para cá?

Ao chegar no recinto, o doutor logo preparou a injeção de mutagênico (a partir da nova regra imposta, é obrigado a dose de mutagênico ser aplicada antes dos exames), e a aplicou dentro da pele que ainda restava do paciente (Boggard encontrava-se nu). Seu corpo tratava-se do mais avançado em relação aos outros dosados. Os braços foram cobertos por bolhas repletas de pus amarelado (semelhante a vômito de bebê) e a pele tomada por uma crosta acinzentada e gordurosa, cheia de buracos de carne pendurados pelos tendões sobreviventes. No rosto, mais buracos e bolhas. Bolhas estas que pareciam permanecerem presas as orelhas, olhos e boca. Sua massa muscular aumentou drasticamente após as dosagens. Um senhor magrelo, quase raquítico, havia se transformado num tormento oleoso e viscoso. Boggard ainda respirava, isso graças a um tubo de oxigênio ligado direto nos pulmões, ou o que restou deles, dentro da aberração.... Um monstro gordo e leproso.... Meu Deus....

Questões eram impossíveis de serem respondidas. Os dedos gordurosos faziam o lápis escorregar toda hora, o que virou a sua brincadeira predileta durante os tratamentos. Palavras saírem da boca dele ou ele falar com a gente era sinônimo de demora. A cada palavra/letra lançadas ao ar pelas cordas homem, soavam mais como grunhidos de um javali, do que como gritos de pessoas realistas. O apelido dele entre os doutores era "Gritador" ... Os presos reclamavam que Boggard sempre fazia barulhos altos demais. Porém, mesmo com as reclamações, a perda de sono dos demais prisioneiros não foi motivo suficiente para fazê-lo cessar seus gritos de "existe alguma ameaça próxima". Havia dias que púnhamos uma focinheira sobre a boca do "gritador", a fim de impedi-lo de morder os demais trabalhadores e presos.

Questões, livros e objetos que precisavam de usar o cérebro para darem certo, foram postos em cima da mesa de interrogatório... Ignorados com sucesso pelo paciente, que nem se deu ao luxo de sentar. Chegou ao ponto de comer as páginas e folhas jogadas pela cela. Hunter permaneceu apático, sabendo que essa ação do paciente aconteceria de um jeito ou outro. O doutor pensou em largar mão daquele acéfalo, mas precisava concluir o tratamento se quisesse receber no final do mês.

Proporções corretas não foram colhidas, mas as reações do corpo do paciente eram incríveis. A analise celular do indivíduo, mostrou fortes mortes celulares e pouca duplicação de células humanas. Todas mortas pela ação das partículas de doenças transmitidas por chimpanzés contidas nos frascos das injeções. O interessante disso tudo, pelo menos para mim, é que novas células iam sendo criadas a partir das células-tronco adultas da medula óssea. Como o mutagênico age dentro do corpo inteiro, seguindo os vasos sanguíneos da pessoa, as moléculas contidas nele se aproveitara, disso para instalarem suas próprias "fazendas" de operários. 

Essas células evoluem, se transformam e trocam as antigas por células animais, o que acaba gerando, em outros pacientes, patas de aranhas e pinças de caranguejos. Mas... como avançou a esse nível sem se transformar em um animal? Deve ser a maneira como o mutagênico se espalha. Talvez isso possa afetar diretamente o DNA do indivíduo, o que provavelmente ocorreu com Boggard... Precisamos pesquisar melhor essas alterações. Ainda tenho dúvidas se foi um verdadeiro "sucesso" essa descoberta. Não se pode confiar muito em cálculos e dados nessas horas. Vamos jogar à moda antiga esse jogo.

Depois de meia hora, o Dr. Hunter decidiu desistir, por falta de colaboração da cobaia, e se retirou da cela. Os grunhidos do monstro aumentaram. Batidas de cabeça contra as paredes de azulejos do quartinho surgiram. O sangue e pus misturaram-se num líquido laranja que escorria pela parede, impregnando o espaço com um cheiro de enxofre e queimado insuportável... Chamamos os bombeiros... Um mini incêndio começou a se espalhar, devido ao pus quente junto do oxigênio que Boggard inspirava. Fora isso, ninguém ficou ferido e o oxigênio não explodiu. Só pudemos observar o Asilo queimar, nada muito grave, mas queimar. Fim do relatório.

Atenciosamente

Dr. Strauss

Asilo Rotten RavenOnde histórias criam vida. Descubra agora