ISSO AQUI DEIXOU DE SER UM SIMPLES TRABALHO...

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00:00 do dia 20/03/1995... Ou dia 21/03/1995.

Cheguei ao meu limite... Arrombei as portas daquele inferno enquanto os demônios dormiam e os loucos não gritavam. Usei os últimos recursos que me sobraram para tal ação, principalmente o fato de, naquele tempo, eu ainda não ter sido demitido. Caminhei entre as salas de experimentação, pelos laboratórios, pelos corredores e vi as coisas como elas são verdadeiramente feitas. Não sei dizer ao certo se eram meus olhos, mas tudo no asilo tinha um aspecto de sangue seco em todos os cantos, e uma sensação de fábrica abandonada em sua arquitetura. Visões? Não sei dizer ao certo. Duvidar das capacidades dos envolvidos na construção daquele lugar seria tolice.

Tentei falar com o senhor Lucius e com o Dr. Strauss, mas meus esforços foram em vão. Por isso que escrevo esse caso pessoal em formato de relatório. Espero que todos entendam o meu ponto... Fujam o mais rápido possível dessas instalações. Pode parecer loucura, porém é a mais pura realidade. As ameaças do chefe Lucius são fichinha perto das atrocidades vistas por mim e por outros camaradas, o Dr. Edward Uther especificamente, enquanto procurávamos as respostas necessárias, Edward sempre foi um pobre coitado... Acusado de um crime irreal e esquisito demais para ser verdade. Porcos sujos e repugnantes, todos eles! Se escondem através de risos tortos e máscaras de pano! Vivem dizendo o que devemos fazer e ameaçam destruir os nossos amores e conquistas! Pouco importa, já perdi tudo de mais valioso para mim mesmo! A ordem dos fatores não altera o resultado! Blasfêmia?! Blasfêmia é o ato indigesto destes "senhores" perante as almas inocentes daqueles andam pelos corredores do asilo!... Levaram minha família embora... A prosperidade eterna ou o subjugado fogo de Satanás? Uma metáfora em forma de pergunta. Eles não gostam de nenhuma das duas. Eu estava lá. Eu vi tudo! Tudo, tudo... Tudo... Queria não ter visto.

Meu filho e esposa deitados sobre o sofá, envoltos por tiras e fivelas, amarrados por fortes cordas e prensados contra a carne de seus corpos magrelos, apertados e espremido até ficarem devidamente roxos e sem vida. Ambos foram asfixiados pelos próprios vômitos, e um produto químico, malcheiroso e corrosivo, ficou impregnado pela casa... O engraçado dessa situação, se é que existe algo engraçado nisso, é que eu não esbocei reações específicas para tal situação. Fiquei apático e somente caminhei até uma carta jogada aos pés dos cadáveres podres da minha própria família. Ao invés de contar, prefiro escrevê-la. Lembro-me de todas as palavras usadas nela e até da forma que foi escrita. Li aquele papel amarelado por diversos dias. Tinha outra coisa para fazer depois do que descrevi? Acredito que não. Nada realmente me incomodava naquele ambiente... Na carta lia-se:

"Caro Dr. Vincent,

Vejo que o senhor está muito bem onde trabalha atualmente, não é verdade? Ganha um salário interessante, o senhor Lucius te considera um funcionário importante, você é respeitado pelos outros profissionais e vive do bom e do melhor. Sabe, eu odeio esse tipo de gente. Eles não têm do que reclamar, mas vivem balbuciando palavras pelos cotovelos. Odeio segredos e mistérios também. Me entristece perceber tamanha falta de empatia pelo próximo em pessoas deste tipo.... Deixe-me ver... Lembra do nome de Paul Garfield? Não? Imaginei. Digamos que ele foi um cara qualquer, trabalhador e pai de dois filhos. Uma vida feliz, típica dos padrões estabelecido pela sociedade. Uma pena os sonhos do senhor Paul terem acabado bem quando ele deu de cara com os faróis do seu carro conversível, Dr. Vincent. A ambulância veio naquele dia? Pelo que me lembre, nem um sinal das sirenes. Perdoe a minha memória fraca. Pensamentos demais atormentam minha cabeça desde que me entendo por gente.

E Dora Parker? Também não?... Como pode esquecer a própria mãe, senhor Vincent? A distância entre vocês gerou esse impasse? A pobre coitada ficou Internada em um hospital o dia inteiro, mas não recebeu uma visita do filhinho ocupado... HAAHAHAHHAHAHA! Chega a ser cômico, se não fosse tão trágico, colega. A melhor parte de presenciar tamanha experiência, foi ter retribuído os "favores" dessas almas penosas, cujos espíritos buscavam vingança contra o senhor... Ao menos foi o que me disseram. Sou um homem da lei, doutor. Articulo cada movimento, cada próximo passo, já pensando em como aplicar a justiça em pessoas de caráter duvidoso. Bom, aqui está a visão da obra de um verdadeiro artista santificado. Dádivas dadas pela minha sagrada MÃE. Uma relação que jamais será sentida por você. O vômito foi ideia de outra pessoa, mas creio que já saiba disso. HAHAHAHAHAHA! FASCINANTE! OS GRITOS, A DOR, OS PEDIDOS DE PIEDADE! ESSE É O BANHO QUE MINHA PELE E FERIDAS TANTO SONHARAM EM RECEBER!... O foco foi distorcido... Peço perdão por isso. Meus últimos dizeres para ti? Saiba que os próximos sofrerão as mesmas consequências.

Com afeto dentro do coração

Sorria, você foi escolhido pela MÃE!"

E fim de carta... Dias e dias lendo as mesmas palavras. Parecia que o tempo tinha congelado para mim, tanto que nem percebi direito o estado dos corpos do meu lado naquele sofá todo manchado e sujo dos mais variados excrementos.

Recobrei meus sentidos por puro reflexo, vomitando o que meu corpo havia tentado digerir e sofrendo as consequências de ficar sentado entre as almofadas daquele estofado fétido. Tudo tremia, minhas mãos, minhas pernas, me sentia fraco... A fraqueza, a dor... Era isso o que ele queria causar em mim.

Eu me arrastava por meio das forças de unhas contra as tábuas do piso de minha casa, raspando-as por todo o chão, rasgando o que sobrou da minha carne já magra... Sangue, suor, lágrimas derramadas de um ser seco. Existe paradoxo entre esses dizeres? As minhas recordações foram dominadas por uma extrema mancha negra, da qual acobertou grande parte dos acontecimentos... Perdi tudo. Me desculpem, eu não estou plenamente consciente. Que essa "carta aberta" seja um alerta para os demais. Os tiros foram dados por mim, não por um assaltante. Um louco, talvez... "Fim do relatório". Era assim que costumávamos terminar os documentos.

"Atenciosamente"

Dr.............................................................................................................O rosto do meu filho todo roxo e completamente marcado pelas amarras, sem falar dos esgormitos largados sobre seu corpo, passou de repente em minha cabeça. Cabeça, crânio... Morte rápida.

Asilo Rotten RavenOnde histórias criam vida. Descubra agora