O Dhole dos Campos [tk]

VI - A Noite Azul

"No final do dia, a união fez bem aos dois. Um mundo de diferenças e novidades se abriram para ambos. A menina, extasiada, quase esqueceu-se do seu desejo de voar. Talvez aquilo bastasse. Talvez a companhia dele fosse suficiente."

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Em frente a um penhasco gigantesco, pensou em deixar seu corpo pender para frente. Não podia ver onde daria, mas quis descobrir. Estaria se fazendo um favor. Sua existência era um emaranhado de incertezas e boa parte dos seus pensamentos bons eram apenas fingimento. Sua dor nunca deixara de ser reprimida, e, para ser sincero, viver sem prazer não é realmente viver. O horizonte azul, contudo, era muito bonito de se ver. Ele era real, etéreo, livre. Talvez se desse mais um passo, passaria a fazer parte daquela imensidão. Esticou os seus braços em frente ao corpo e imaginou como seria ser um pedaço do céu, mesmo que por segundos.

Um familiar som de assobio ressoou atrás de si, mas ele não olhou. Não precisava olhar para saber que ele estava ali. O dhole, é claro. Ele era seu amigo agora, e por isso conseguia entender o que ele tentava dizer para si. Entretanto, Jungkook não queria obedecer. Não queria se afastar da beira do penhasco, queria seguir adiante. O animal insistiu, finalmente atraindo os olhos tristes do rapaz.

Aproximou-se de onde o garoto estava e inclinou a cabeça, esfregando-a levemente em sua perna. Estava preocupado. Jungkook sorriu e abaixou-se ao lado da criatura, deslizando lentamente sua mão por seu pelo. Quando o dhole olhou em seus olhos, as batidas de seu coração pararam por alguns segundos. Ele sabia o que estava prestes a acontecer, e nada que fizesse poderia mudar isso.

A criatura contemplou a imensidão adiante e foi embora. Pulou do penhasco.

Sacrificou-se por Jungkook, que agora gritava em desespero com a cena que acabara de acontecer. Ali, bem diante dos seus olhos. De um salto e com o peito acelerado, levantou-se da cama como quem se afasta de uma poça de lava. O suor descia pela sua têmpora e o rapaz respirava ofegante e assustado.

Foi um sonho!

Confuso como nunca esteve antes, olhou em volta e tentou se lembrar do que havia acontecido. Como chegara ali? Sua cabeça doía como se tivesse levado uma pancada.

— Como... — sentiu sua garganta seca. Ainda estava com as roupas do dia anterior. — O que aconteceu?

Ouviu o som de pequenas pedras sendo lançadas à sua janela e demorou um pouco para assimilar a informação. Quando a abriu e viu a cara cínica de Kim Taehyung olhando para si, começou a se lembrar do pouco que lhe era possível. Com a cara fechada e bochechas quentes, afastou-se e olhou para os cantos do quarto, procurando qualquer objeto que já não lhe fosse muito útil. Não havia quase nada ali, então apenas contentou-se com os seus próprios sapatos. Pegou-os e voltou à janela, lançando um deles na direção de Taehyung.

— Ei! — o outro gritou indignado.

— Você é mau caráter! — Jungkook disse irritado. — O que foi aquilo, heim? O que você fez?

— Eu? O que está pensando?

Jogou o outro sapato, atingindo de forma certeira a cabeça do garoto.

— Não se faça de desentendido, Taehyung.

— Você. É. Completamente. Maluco. — falou pausadamente enquanto massageava a região da cabeça que havia sido atacada. — Eu te ajudo e recebo um sapato fedido na cabeça como agradecimento?

— Fedido é você, camponês. E ajudar em quê? Apenas me deixou sozinho lá, sob influência de não-sei-o-quê. — Cuspia as palavras sem nem mesmo uma pausa para respirar.