I - Bem-vindo, garoto da cidade.

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"Nascera sem saber de nada, crescera achando que um dia saberia de tudo. Aqui estava e, onde encontraria o conhecimento que por tanto tempo ansiou? Nunca veio. Que pena! Apenas desejava sentir alguma coisa diferente do que sua vida já lhe permitia." 

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1921

O verde da vegetação corria rapidamente do lado de fora. Não era possível ver com clareza, apenas soube que estava no meio do nada. Ele nem se importava mais com o som alto do trem incomodando sua audição. Já não prestava atenção ao tilintar dos talheres do vagão vizinho, às pessoas que sentavam-se para tomar o chá da tarde mesmo em movimento. Jungkook estava absorto em pensamentos. Não sabia como ele deveria estar se sentindo, mas provavelmente deveria ser melhor que isso. Afinal de contas, ele conheceria o seu avô. Não era ótimo? A família é o bem mais precioso que temos. Ao menos, é o que dizem.

Sua mãe não se importou muito com a relutância do garoto, que preferia continuar na metrópole. Continuar em casa. A falta de vontade era tão grande, que achou que em algum momento ela cederia. Não, senhor. Ceder não era algo que Jeon Yeseo costumava fazer. Ela tentou consistentemente convencê-lo. Lhe disse que a casa era grande, confortável e silenciosa. Que lhe faria muito bem. Seria aquilo mesmo verdade? Se fosse, afinal, ela não teria partido para a cidade há tanto tempo – sem qualquer intenção de voltar. Se fosse mesmo tão agradável, Jungkook não estaria vendo seu avô pela primeira vez em toda a sua vida. 

Para resumir, sentia-se amedrontado. 

Viu o movimento anormal de pessoas e, finalmente, pareceu voltar a si. Levantou e puxou sua mala do compartimento acima dos assentos. Chegara, enfim, a hora. 

Acelerou o passo para fora do trem e cerrou os olhos antes de descer o degrau. O alvoroço da multidão era grande, e precisou tomar cuidado para não ser levado pela massa, desviando dos empurrões de pessoas vindos de todos os lados. Quando finalmente conseguiu se sentar em um dos bancos da estação, fechou os olhos e respirou fundo. Se pudesse se esforçar um pouco, poderia concentrar-se novamente em seus devaneios.

Poderia se imaginar em casa. Se possível, deitado. Sem fazer nada. A vida sob a responsabilidade das provas finais e da pressão que as expectativas da sua mãe implicavam era cansativa, então amava cada segundo em que passava deitado na sua confortável cama ou em frente aos seus cadernos, desenhando. Sabia que estava fora de questão, mas gostava de fantasiar que um dia estaria fazendo a faculdade dos seus sonhos. Qual seria a sensação de fazer o que gosta por toda a sua vida? 

Felizmente, algo impediu que esse pensamento seguisse adiante. Olhando para o chão, viu dois pares de sapatos surrados se aproximarem, virados para si. Ao subir o olhar, uma mulher de feição bondosa e cheia de presença o encarava.

— Você deve ser Jeon Jungkook, sim? 

— Sim, sou eu. 

— Meu nome é Park Sinae. — Sorriu com afeição e estendeu a mão para ele, que apertou sem se igualar no ânimo. — Trabalho há muitos anos com os seus avós. Venha, te levarei até Yangmagol. 

Mesmo taciturno, levantou-se com sua mala e caminhou ao lado da mulher. Ela não parecia ter mais de 40 anos. Seus cabelos vermelhos eram chamativos, mas ela os prendia em um rabo de cavalo discreto. Jungkook reparou na pinta que havia abaixo do olho dela e nas roupas simples que usava. Simples é palavra para Sinae.

Mais adiante, um cavalo os esperava. Pelo que parecia, já estava muito velho e cansado. Atrás de si, uma charrete espaçosa estava atrelada, construída com uma madeira de qualidade notável. Subiram então, sem mais delongas, e Sinae deu sinal para que o cavalo prosseguisse a viagem. Estava tudo quieto. Jungkook não sabia o que dizer, tampouco tinha certeza de que desejava trocar palavras com alguém. Vez ou outra, percebia que ela o olhava de soslaio. Quando isso aconteceu mais vezes do que pôde contar, ele revidou o olhar e a mulher riu para ele. 

O Dhole dos Campos [tk]Onde histórias criam vida. Descubra agora