IV - O que os olhos indesvendáveis querem?

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"— Pode me ensinar, caro pássaro? A voar. Sou a única que não pode.

— A única? — indagou o pequeno ser. — Certamente que não é!

— Falo de liberdade. — Inocente, fechou os olhos infantis. — São todos esses pensamentos, essas ideias. Eles me impedem de ver as coisas como elas são. Me impedem de voar como você."

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Tossiu. Achou que fosse muito pouco, então tossiu outra vez.

— Pode entrar... o garoto disse com a voz arrastada. Outra tosse.

Sinae empurrou a porta com cuidado e adentrou o quarto. Ela já estava começando a ficar aflita. Há cinco dias Jungkook não saía daquele quarto. As plantas que decoravam a parede pareciam não receber um pingo d'água há séculos, entristecendo-se juntamente ao menino. Ele estava doente, ao que tudo indicava. Tossia muito e já não sentia ânimo para se levantar. 

Ela tentou tranquilizá-lo nas oportunidades em que esteve com ele – e não foram tantas. Ela dizia que logo aquilo passaria, que talvez fosse uma gripe. Mas ela própria já não aguentava ver a visita naquela cama, desperdiçando todos os dias restantes que ele tinha ali até que voltasse à cidade. Esse era o motivo para ela estar segurando aquela bandeja cheia de coisas gostosas para ele, juntamente a um chá de abacaxi e mel muito cheiroso para ajudar na garganta. 

— Sinae! — disse surpreso. — Não precisava. Não mesmo! 

— Claro que precisava, Jungkook. Estou preocupada. Você já nem abre essa janela, não toma um sol, não sai vagando por aí com aquele livro.  

— Estou bem, estou bem. Apenas preciso de um tempo. 

— Você diz isso todas as vezes que venho ver como você está! — Ela esticou a mão e empurrou os fios negros do rapaz para trás. Cuidava dele com tanto apreço que ele próprio não podia evitar de sentir-se muito amado. — Diga a verdade, garoto. Está assim por causa do seu avô? É isso, não é? Você ficou deprimido porque ele gritou com você. 

— É, foi isso. 

— Jungkook... por que entrou lá? Eu te disse mais de uma vez para não fazer isso.

— Sinae, que há demais? — Levou um morango à boca e sorriu para disfarçar a pontada de indignação em sua voz. — É apenas uma biblioteca. Muito incrível, por sinal. Manter aquilo em segredo não faz sentido nenhum. Repito: nenhum. 

Sinae apertou os lábios e olhou para os próprios pés. Ela estava sem jeito, como todas as vezes que o assunto vinha à tona.

— Faz sentido, Jungkook. Muitas coisas aconteceram nos últimos anos e tem sido difícil para todos. 

— Mas isso justifica toda essa cortina de mistérios?

— Você já se perguntou o que aconteceu com sua avó? — Sinae perguntou num fio de voz.

— Já, mas ninguém me diz nada.

— Não falamos mais disso. Eu nem mesmo deveria estar tocando no assunto. — Ela olhou para a porta e depois para o rapaz novamente. — O que você já sabia antes de vir para Yangmagol? 

O Dhole dos Campos [tk]Onde histórias criam vida. Descubra agora