CARMEN
Outono.
A estação, sempre decorada por folhagens alaranjadas se dispersam com a brisa fria, nos fazendo recorrer aos agasalhos quentes, antes do inverno rigoroso atingir Nova York.
Chequei novamente o relógio na parede.
Faltavam exatos vinte minutos para terminar meu turno.
Sofridos vinte minutos.
Fazer faculdade já é exaustivo, agora com esse emprego de meio período na cafeteria, torna os deslocamentos mais árduos, pegar metrôs e ônibus para seguir do meu minúsculo apartamento até a faculdade e depois chegar aqui. Fico contando cada minuto, ansiando que o tempo seja generoso e passe rápido para finalmente retornar ao meu lar.
— Para de encarar o relógio, caramelo. — Recebo um peteleco na testa, consequentemente, pouso minha mão no local. — Acho que ele não vai aparecer hoje. — Audrey declara, convicta. As palavras parecem surtir efeito, sinto meus ombros ficando menos tensos.
— Do que as peruas estão falando? — Jenny adora encontrar brechas para escapar das obrigações e poder conversar sobre quaisquer banalidades, não a culpo até porque sou igual.
— Sobre o namorado da Jane, a nossa caramelo colocou na cabeça dela que ele a odeia. — Diz. — Como você disse mesmo? "Talvez seja o cara mais arrogante e antipático que vou conhecer em vida." — Bufei com a imitação ruim da minha voz, contudo escuto a risada da outra ouvinte ressoar.
— Pera, você está se referindo ao Jeff? — Jenny parece incrédula e eu não me surpreendo com isso. — Ele é super simpático e sempre deixa boas gorjetas, tem certeza que isso não é só mais uma viagem da sua cabeça?
— Ele é um puta de um grosseiro, o fato dele tratar vocês bem, só mostra que esse cara tem algum problema comigo.
Não sei como, mas a lábia de Jeff deve ser muito boa, pois ninguém nunca o criticou nesta cidade gigantesca e por qual razão o desafeto recaiu logo sobre mim? Eu não o conheço, sou apenas colega da sua namorada - cursamos jornalismo juntas. Nossa única interação, infelizmente, é a presença frequente dele na cafeteria, comparecendo no estabelecimento quatro vezes por semana.
Nunca olhou nos meus, enquanto fazia o pedido, como se eu fosse indigna da sua atenção.
Nunca agradeceu.
Nunca escutei ele dirigir a palavra sem carregar a sua clássica indiferença.
Se a minha presença o incomoda tanto, então por que esse maldito senta justamente na mesa que eu sou obrigada a atender?
— Bem, acho que não é o seu dia de sorte. — Fecho os olhos por um momento, querendo fingir que não sabia o fim que a frase teria. — Seu amado cliente chegou e seu turno ainda não acabou.
Uma pontada de alívio me atinge, no momento que tenho minha atenção focada em Jane sentando na cadeira de frente para Jeff. Talvez hoje, ele não seja um cretino diante da namorada, pelo menos eu não iria querer namorar alguém que trata com desdém o atendente.
— Eles combinam tanto. — Audrey diz distante apoiando o rosto nas mãos com um sorriso caloroso. — Se eles casarem no futuro, os convites vão ficar muito chiques já que tem iniciais iguais.
— O que vocês acham de Jenny e Jane? — A ruiva pressionou o polegar contra os lábios, enquanto fita a dona dos cabelos escuros no outro lado da cafeteria pegando o cardápio.
— Eu apoio. — Declaro, saindo de trás da bancada pronta para a pior parte do meu dia. — Qualquer um é melhor que ele.
Cappuccino e salada de frutas vermelhas.
O pedido nunca mudava, logo, era irritante ficar parada aguardando-o vagar pelo cardápio por longos minutos. Lembro perfeitamente de certa vez ter suspirado, demonstrando o meu descontentamento quando aquele sorrisinho petulante surgiu no canto de sua boca. Como esquecer o sorriso que tornou o cinismo palpável?
Reparei também nas cicatrizes no canto dos lábios, cortes que, até onde eu sei, o próprio pai havia feito nele quando jovem. Não prestei atenção na história quando me contaram, não sou hipócrita de dizer que me senti mal quando soube disso, pois Jeff é um constante filho da puta comigo. Deveria ter empatia com quem me destrata? Quero mais é que se foda.
— Gostariam de mais alguma coisa? — Sorri escondendo a insatisfação clara de estar ali.
— Se quiséssemos, teríamos falado, então: não. — Revirei os olhos prestes a pegar o cardápio, pronta para dar meia volta e aproveitar os segundos longe desse demônio de jaqueta preta, porém, tive o meu pulso segurado com força.
Reprimi o susto que percorreu meu corpo, ficando trêmula de imediato, a mão tão gelada, como ser atingida de maneira brusca pela água fria tornando aquele breve contato angustiante.
Posso ver medo na vastidão daquele olhar, somente agora pude reparar na postura tensa, acompanhada da boca que abre e fecha algumas vezes, procurando palavras para dizer a razão de sua aflição me deixando inquieta.
— Pode ir, Carmen. — A voz dele ressoa puxando-a de volta, por consequência, meu pulso foi solto. — Acho que Jane desistiu de pedir, certo?
— Sim, desculpe por isso. — As palavras saem baixas, sinto uma estranha vontade de confortá-la. Ela parece frágil agora, como um filhotinho encolhido receoso de exercer o mínimo movimento.
Deveria ter ficado, poderia afastá-la para escutar o que tanto ansiava por dizer. Mas, eu apenas acenei e deixei Jane para trás, sendo soterrada com as palavras que nunca seriam ditas.
Eu não estava pronta, aquele medo intenso refletido nas orbes escuras me deixaram assustada pra caralho.
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Stalker
Fanfiction"Meu corpo fica estático, incapaz de exercer qualquer movimento que pudesse afastá-lo. Posso ver um sorriso largo surgir na feição dele, enquanto pressiona o dedo indicador, com sangue ainda fresco, contra os meus lábios simbolizando que não existe...