Capítulo 6

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— Você tem certeza?

É a décima vez que Keaton me pergunta.

Sim, eu estou contando.

— Sim — respondo, firmemente.

Ele dá um suspiro resignado e eu, por dentro, dou uma gargalhada. Quem viu Keaton todo pomposo e orgulhoso porque eu, enfim, me rendi às suas graças e aceitei sair com ele hoje — embora com minhas próprias segundas intenções —, nem imagina que ele está se cagando de medo de decepcionar meu pai. Logo que Keaton chegou para me buscar, papai disse para ele que eu não deveria chegar tarde e Keaton o encarou nos olhos e jurou me trazer o mais cedo possível. Mas, é claro, eu estou dificultando tudo. E agora ele está dividido entre me agradar e agradar meu pai.

Se eu estou com pena dele? Nenhuma. Ele não queria sair comigo, não me pediu para pensar com carinho? Pois que agora aguente. E eu sinceramente estou me divertindo muito em vê-lo desse jeito, todo receoso, querendo cumprir a única regra imposta que meu pai colocou nesse encontro, e ao mesmo tempo querendo me agradar e ir ao Midnight Tsirk comigo.

— É que seu pai disse que era para você estar em casa cedo, antes da meia-noite — ele repete o argumento, hesitante, com as mãos firmes no volante do carro. —, e o circo começa à meia-noite. Ele vai ficar bravo, não vai?

— Qualquer coisa eu digo que tivemos que pegar a última sessão do cinema. Fim. Está mais tranquilo agora? — Questiono, tentando mascarar o sarcasmo.

Keaton apenas respira fundo e permanece em silêncio.

Permanecemos em silêncio enquanto ele dirige até o galpão onde a apresentação vai acontecer. Ele estaciona a poucos metros da entrada e andamos até lá. Posso sentir meu corpo inteiro tremendo de ansiedade e me surpreendo em perceber que estou muito nervosa. Faz muito tempo desde a última vez que senti algo tão intenso e tão real, uma excitação, uma animação. E eu não estou acostumada. Me parece um sentimento completamente novo.

Próximos da porta, pego minha carteira do bolso e retiro os tickets roxos. Penso comigo mesma que Eliria realmente acertou em me dar dois tickets, porque eu dificilmente conseguiria vir sozinha tão facilmente como está sendo com Keaton; é engraçado pensar que ela parecia saber disso.

Na entrada, somos recepcionados por uma mulher na altura de seus quarenta anos, de uma pele branca quase translúcida, contrastando com o vestido muito escuro e de cabelo ruivo escuro e intenso. Ela nos dá boa noite e eu entrego nossos tickets para ela. Ela confere e então sorri para nós.

— Tenham um ótimo espetáculo — ela diz gentilmente e olha para mim. Seus olhos, de um tom azul marinho, se demoram em mim por alguns instantes. Sinto uma sensação estranha enquanto olho para ela, como um déja vù. Então ela pisca e fala com o casal atrás de nós.

Em silêncio, Keaton e eu seguimos por um corredor com tecidos vermelho-escuros, claramente improvisado, e atingimos ao fim uma cortina da mesma cor, entreaberta. Empurramos a cortina para o lado e nos deparamos com uma pequena arquibancada em volta de um palco redondo de madeira em tons claros. O palco está liso, sem decoração alguma, e a iluminação está em meia-luz. Atrás do palco redondo, tem uma parede de cortina preta que cobre o restante do galpão que não podemos ver.

Pegamos um lugar na segunda fileira, onde me sento na ponta e Keaton ao meu lado. Olho ao redor. O galpão não é grande, o que me confirma que a apresentação é realmente intimista, para um público seleto. Mais pessoas vão chegando e vou prestando atenção. Todos são mais velhos do que Keaton e eu, aparentando ter de quarenta anos para cima. Por um instante, me pergunto se é um espetáculo para maiores de idade, mas então me lembro que a mulher da entrada não pediu nossa identidade.

A garota que não pode morrer - Série Midnight - Volume 1Onde histórias criam vida. Descubra agora