Capítulo 7

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Passo o final de semana inteiro pensando nas minhas escolhas, e toda vez que penso que cheguei a uma conclusão, mais dúvidas aparecem. Sinto que a Olivia atual está em constante confronto com a Olivia do passado — a Olivia que quer morrer todos os dias e a Olivia que, agora, não quer morrer.

Esperar esfriar a cabeça foi a melhor coisa que fiz antes de tomar a decisão, pois assim consigo analisar tudo o que tenho nas mãos com calma e mais racional. Lógico, eu estou deslumbrada com o Midnight Tsirk e se dependesse da minha resposta de sexta à noite, eu com certeza já estaria lá com apenas a minha roupa do corpo, sem pensar duas vezes.

Mas não posso ignorar o fato de que ir para o Midnight Tsirk é abrir mão de muitas outras coisas. Como, por exemplo, minha família.

É estúpido — eu sei e sinto isso. Agnes não me considera mais sua filha e Roger não sabe se a escuta, se me acolhe ou se nos ignora para deixarmos brigar o quanto quisermos, ao melhor estilo "vocês que se entendam". Não me sinto mais em minha própria casa, confortável; me sinto em uma prisão. Ainda mais com a constante nuvem de ameaça de ser enviada ao Grace Elmers a qualquer momento por Agnes, pairando sobre mim todos os dias.

Entretanto, ao mesmo tempo é doloroso saber que preciso abrir mão das pessoas que me criaram para que eu consiga ser verdadeiramente livre e feliz. São mais de dez anos sendo deixados para trás. Deixar Agnes e Roger para trás também significa deixar Heather para trás. Mesmo que Heather não esteja mais viva, essa casa, essa família, é a prova de que ela existiu, a prova do quanto eu a adorava e do quanto ela significava para mim. É lógico que eu posso ir para o Midnight Tsirk sem abandonar todas as memórias boas para trás, sem precisar fingir que nada de bom nessa casa existiu, sem apagar meu passado para viver no presente. Mas, ainda assim, é complicado.

É preciso estar definitivamente no fundo do poço para entender que as únicas pessoas nas quais eu fui ensinada a confiar e acreditar que estariam comigo pelo resto da minha vida, são as únicas que eu sei que não posso confiar; para reconhecer a solidão mais dolorosa da vida. E eu acho que estou no fundo do poço há mais tempo do que consigo imaginar.

Pensar em deixar a minha casa é também pensar em deixar a escola, meus poucos amigos, e um futuro de uma normalidade que por muito tempo busquei antes de descobrir minha anomalia. Eu sempre sonhei em ser Rainha do Baile. Em ter noites de pijama com minha melhor amiga e beber vinho escondido dos pais dela. Em ter meu primeiro carro, e sair para passear com minha meia dúzia de amigos para ir à praia, tomar um milkshake, ou ir ao cinema. Sempre sonhei em ir para uma universidade da Ivy League, em fazer parte de uma fraternidade, me formar com honras no que quer que eu estivesse cursando.

Eu sei que são vivências que vou perder completamente a chance de ter se eu for para o Midnight. Porque o Midnight não vai parar por mim. O circo não vai me esperar para que eu possa terminar o ensino médio, me acompanhar para bailes ou pagar minha faculdade. Se eu for para o Midnight, vou precisar abrir mão de tudo isso.

Por um lado, sei que abri mão de todos esses sonhos a partir do momento que desejei morrer, mas no fundo ainda são pequenas coisas que eu poderia viver em algum momento. Se existir no futuro uma Olivia que desista de querer morrer, eu tenho certeza que ela seguiria esse caminho. Ela daria a si mesma uma chance à normalidade. Eu sei que eu daria. Mesmo enquanto sinto prazer em minhas tentativas de suicídio, ainda, às vezes, me pego me perguntando como seria minha vida sem nada disso. Como seria minha vida se eu fosse normal, e não uma aberração ambulante.

Porém, também sei que minha vida vai melhorar consideravelmente a partir do momento em que eu for para o Midnight. No Midnight, posso ser quem sou, sem me esconder, sem mentir. Vou ser respeitada por ser quem sou, aplaudida e elogiada pelo meu dom. Vou ter uma casa repleta de pessoas que realmente me aceitam e que vão me acolher como uma irmã, uma filha. Uma família. Uma família de verdade. Que não vai querer me internar por ser quem sou, não vai me achar defeituosa.

A garota que não pode morrer - Série Midnight - Volume 1Onde histórias criam vida. Descubra agora