Roger e Agnes vão dormir cedo. Percebo porque, ao olhar no relógio da minha cabeceira, mal passa das nove da noite quando escuto os últimos passos fora do quarto, as luzes do corredor serem apagadas e a porta do quarto deles ser fechada. Suspiro, aliviada, mas ainda não sigo com meu plano de fuga. Ainda é cedo; a chance de eu ser pega é maior.
Estou ansiosa demais para conseguir tirar um cochilo e esperar o tempo passar, então fico somente deitada na cama por um tempo, olhando para o teto e pensando nas minhas possibilidades. Já pensei em quase tudo: vou pular a janela do quarto de hóspedes, ou então sair pela janela dos fundos da cozinha, o que for mais fácil; tenho algum dinheiro em um bolso da minha mochila que havia sobrado do encontro com Keaton, então vou caminhar até um ponto de táxi que fica a uns minutos a pé daqui e pedir para ser levada até o galpão.
Parece um bom plano. É simples e rápido. Assim que eu sair de casa, em menos de uma hora vou chegar ao Midnight Tsirk e estarei livre.
Uma hora depois, resolvo checar se eles estão mesmo dormindo. Mantendo as luzes do quarto apagadas, saio da cama na ponta dos pés e encosto meu ouvido sobre a porta do meu quarto. Nenhum ruído vem de fora. Com cuidado, abro a porta sem fazer barulho e encaro o corredor escuro e vejo a porta do quarto de Roger e Agnes fechada.
É agora, penso.
Deixando a porta entreaberta, sigo até a cadeira da escrivaninha e pego um casaco que deixei lá. Visto ele devagar e evito fazer barulho demais com o zíper. Ao lado da cama me abaixo para pegar a mochila, mas quando levanto sou surpreendida pela luz do quarto sendo acesa.
A porta está escancarada, e ali está Agnes.
Meu corpo congela completamente e na minha cabeça vejo meu plano ruir. Imagino Agnes gritando e chamando Roger, me acusando de fugir, e fazendo de tudo para que eu siga o caminho que ela quer para mim: uma internação eterna em uma clínica psiquiátrica.
No primeiro momento, ela não diz nada. Em silêncio, ela entra no meu quarto e fecha a porta cuidadosamente atrás dela. Ela está usando seu roupão de dormir e pantufas. Fico me perguntando se ela estava esperando alguma atitude minha, se ficou atenta a qualquer movimento meu, assim como eu estava atenta também para poder fugir.
— Está de saída — ela diz. Seus olhos claros me analisam de cima a baixo. Sua voz soa indiferente, porém cuidadosa, parecendo querer manter a voz baixa para não chamar atenção. — Não me lembro de termos autorizado você sair esta noite.
Devagar, coloco minha mochila sobre a cama e respiro fundo.
— Eu estou indo embora. Para sempre — retruco tentando manter a voz controlada. A última coisa que quero é trazer Roger para esta conversa. Não quero que ele me veja fugindo. Vai ser menos doloroso do que simplesmente acordar na manhã seguinte e descobrir que eu não estou no meu quarto, nem em casa, nem em nenhum lugar.
— E para onde você pensa que vai? — Agnes questiona.
— Não importa. O que importa é que estou indo embora — respondo com rispidez. — Eu vou embora e nunca mais vou voltar. Não está bom pra você? Não é o que você quer, nunca mais ter essa aberração que eu sou na sua casa? Não precisar lidar mais comigo? Vamos acabar com isso de uma vez, Agnes. Eu quero ir embora e você não me quer por perto. Parece um ótimo negócio para nós duas.
Agnes dá alguns passos na minha direção, se aproximando do outro lado da cama. Seus braços estão cruzados e ela me encara com frieza.
— Você não vai voltar — ela diz em tom de ponderação, estreitando os olhos para mim.
Balanço a cabeça negativamente.
— Nunca mais — eu confirmo. — Vai ser como se eu tivesse morrido pra você.
Ela dá uma risada curta e sarcástica.
— Você já morreu pra mim, Olivia. O que eu quero é você longe da minha casa e da minha vista. Não quero mais ter que lidar com você nem fingir que tenho qualquer afeição por você. — Ela diz rispidamente.
— É justamente isso que você vai ter. Só precisa me deixar ir embora — respondo.
Ela assente devagar com a cabeça e, enquanto se afasta de mim, ela diz:
— Pois então vá embora para o mais longe possível, onde Roger jamais conseguirá te achar caso ele seja tolo demais para te procurar. Vá embora e nunca, nunca mais dê um sinal de vida. Porque eu juro por Deus, Olivia, que se você voltar para essa casa, você nunca mais vai ler a luz do dia. Eu vou te internar em um lugar muito pior que o Grace Elmers e o Roger não vai ter tanta compaixão por você.
Engulo em seco e assinto com a cabeça. Pego minha mochila, e coloco ela com cuidado nas costas, enquanto Agnes abre a porta devagar e vai para o corredor. Saio do meu quarto, fechando a porta atrás de mim sem fazer barulho, e sigo para o quarto de hóspedes, mas a mão dela me segura.
— Aonde você vai? — ela sussurra.
— Vou sair pela janela — retruco.
Ela balança a cabeça.
— Não — ela diz. —, eu faço questão que você saia pela porta da frente.
Ela me acompanha sorrateira até a porta de entrada de casa, e abre a porta com todo cuidado do mundo. Me parece que ela é mais experiente em sair escondida do que eu, porque acredito que eu jamais teria feito tão pouco barulho como ela fez nos últimos minutos.
Então, assim que vou para fora de casa e olho para trás, ela me sussurra:
— Não volte nunca mais, aberração.
E fecha a porta.
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A garota que não pode morrer - Série Midnight - Volume 1
FantasyLiv não pode morrer. Com uma regeneração fora do comum, todas as suas tentativas de suicídio foram falhas. Conformada de que teria de viver escondendo sua suposta aberração de todos, a última coisa que ela esperava era um convite para participar de...