Capítulo 5

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Já faz três dias que encontrei Eliria Vadas, e há três dias que não durmo direito, tomada pela ansiedade. Não consigo descansar minha mente; fico pensando no Midnight Tsirk, em como farei para ir até lá, como deve ser. E a mais importante: se existem pessoas como eu lá dentro.

Fico esperançosa com a possibilidade de ter pessoas como eu no Midnight Tsirk, mas parte de mim pensa que é muito improvável. Desde que descobri meu segredo, passei muito tempo pesquisando e investigando se podem existir pessoas como eu pelo mundo, mas tudo o que encontrei foram sites duvidosos de creepypastas alegando a existência de reptilianos vivendo entre nós.

Não preciso nem dizer que fechei a página sem antes mesmo terminar de ler.

No dia anterior, movida pela curiosidade, durante o almoço entrei na biblioteca e procurei na internet por circo bizarro. A pesquisa me levou a várias páginas e vídeos sobre os famosos circo de horrores, famosos no século passado e até mesmo antes disso, por apresentar, no lugar de animais e outros espetáculos, pessoas com deformidades ou condições humanas diferentes do normal. Entretanto, nada disso me surpreendeu: em sua maioria, o elenco do circo era composto por anões, albinos, homens com pêlos demais, mulheres barbadas, crianças com membros em formações anormais, pessoas com doenças degenerativas que causam deformidades.

Ou seja: eram apenas pessoas. Pessoas com condições físicas julgadas anormais para os padrões, mas ainda assim, pessoas. Pessoas com anomalias.

E eu não acreditava que era como elas. O que eu tinha não era normal para qualquer padrão até mesmo fora do normal. Era algo inexplicável e, aparentemente, nunca visto ou documentado antes fora de filmes ou quadrinhos de histórias fictícias.

Hoje, no meu quarto, me pego encarando os tickets novamente. Os detalhes em dourado brilham, refletindo na luz do quarto. O primeiro circo bizarro do mundo, está escrito nele, mas balanço a cabeça negativamente. Mentira, lógico, não deve ser o primeiro. Mas será que é? E se o circo tiver pessoas como eu? E se tiver só pessoas como nos circos de horrores de antigamente? E se não for nada do que estou pensando? Eliria disse que nenhum outro circo tinha apresentações tão impressionantes. O que posso esperar com isso?

Guardo os tickets no fundo da minha gaveta da escrivaninha, embaixo de outros papéis e cadernetas, e suspiro pesadamente. Algo me diz que devo ir até lá, e eu quero ir. E, no fundo, espero que Eliria não seja uma charlatã me convidando para ver elefantes fazendo gracinhas e anões dançando. Ou muito menos que esteja se aproveitando da vulnerabilidade do seu elenco para tirar risadas e dinheiro de clientes.

Desço até a cozinha, onde mamãe já está preparando o jantar e, em silêncio, começo a ajudá-la. Ela não fala nada e não faz a mínima menção de puxar uma conversa; somente me repreende quando começo a cortar uma cebola, e só me manda cuidar da pia, onde ela vai deixando a louça que sujou enquanto cozinha.

Enquanto lavo a louça, penso em como farei para ir ao Midnight Tsirk. O espetáculo ser no sábado em si só já me complica; desde que voltei do Grace Elmers, meus pais não têm saído à noite, e até onde sei, nenhum dos dois planejou nada para sábado a noite, o que significa que vão ficar em casa, possivelmente me monitorando. E eles dormem tarde — sábado é o dia em que passam os filmes que papai gosta ou quer assistir no canal fechado que ele assina, e eles sempre começam às dez da noite. Vai ser muito, muito difícil eu sair sem dar bandeira...

Lembro, repentinamente, do convite de Keaton. Pense com carinho, enquanto isso já vou escolhendo o filme no cineminha, ele havia dito. Cinema com Keaton, no sábado à noite. Um encontro. É a desculpa quase perfeita — só preciso fazer funcionar.

A garota que não pode morrer - Série Midnight - Volume 1Onde histórias criam vida. Descubra agora