Capítulo 4

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Após a última aula, me surpreendo em ver que minha mãe já está me esperando na saída da escola, pontual. Entro no carro em silêncio, e em silêncio vamos para casa. Ela não parece irritada, para minha surpresa, mas também não parece aberta para qualquer conversa. Ela não me pergunta como foi o dia, como estou, o que perguntaram, o que eu respondi. Absolutamente nada.

Acho que preciso me acostumar com a ideia de que, talvez, nunca mais tenhamos uma relação de mãe e filha. Não que algum dia realmente tivemos; ela sempre foi mais apegada a Heather, logicamente, e nunca fazendo exatamente muita questão de mim. E depois que Heather morreu, ela se tornou indiferente a minha presença. Como se eu fosse um acessório que ela cansou de usar, mas que não pode jogar fora. E depois que ela descobriu meu segredo, as coisas só desandaram.

Ela não chega a me destratar, a me falar coisas horríveis ou me agredir. Ela somente me ignora, e mostra irritação quando a lembro que existo. Enquanto estive internada no Grace Elmers, ela sequer me visitou ou mandou lembranças, e percebi que papai mal se lembrava de mencioná-la nas visitas; cheguei a pensar que tinham se separado, e fiquei até um tanto desapontada em descobrir que não. Sei que no fundo, por ela, eu não estaria mais na família. Se ela pudesse, me devolveria para o sistema ou me mandaria para a rua, depois de tudo o que aconteceu. Ela ter perdido Heather e ter que me engolir por tabela era aparentemente suportável, mas eu me mostrar algo completamente diferente do que ela esperava, já era demais.

Quando enfim chegamos em casa, ela estaciona o carro na garagem, mas mantém as portas trancadas. Ela me encara, seus olhos azuis frios como gelo, e enfim diz:

— Faça sua tarefa, estude, jante, tome seus remédios e vá dormir. Nada além disso. Entendeu?

Assinto com a cabeça, em silêncio.

— Espero que sim — ela continua, firme. — Tenho um compromisso agora. Se eu souber que você saiu de casa ou que fez alguma besteira... — ela diz, agora irritada, deixando a ameaça pairando no ar. Novamente, assinto com a cabeça, e ela enfim destranca as portas do carro e me deixa sair. Ela liga o carro novamente, mas não sai da garagem até que eu entre em casa e feche a porta.

Pelo vidro ao lado da porta, vejo ela dando a ré, saindo da garagem e seguindo seu caminho para o centro. Bufo, ajeitando a mochila nas costas, e sigo para o meu quarto, no segundo andar da casa. Largo a mochila no chão e me jogo de costas na cama, entediada.

Eu não tenho nenhuma tarefa para fazer; ainda são quatro da tarde, o que significa que papai deve chegar em duas horas ou um pouco mais. Percebo, então, que mamãe não disse quanto tempo ela iria demorar no centro, o que não é normal; ela sempre avisa quanto tempo ela vai levar.

Sento-me na poltrona ao lado da minha janela, apoio meus braços sobre o encosto, e pouso meu queixo sobre eles. Fico observando o movimento através das grades brancas, como um gato que observa passarinhos que quer caçar. Moro em um bairro de classe alta, com muitas casas grandes e bonitas. Vejo poucos carros passando em frente a minha casa, provavelmente adolescentes voltando da escola ou donas de casa voltando do seu passeio. Vejo uma mulher passeando de roupa de corrida com um yorkshire na coleira. Outra mulher, passando no sentido contrário, com um carrinho de bebê.

Espreguiço-me, e estico as pernas em seguida. Mais do que nunca, sinto vontade de fazer algum exercício. Eu sempre gostei de correr e fazer trilhas, mas desde que fui internada, não pude me exercitar muito. Vendo o movimento fora da casa deixa meus pés coçando por alguma atividade. Olho para a sapateira no canto do meu quarto e vejo meus tênis de corrida, bem cuidados mas ao mesmo tempo desgastados com o uso, parecendo esperarem por mim.

Mas não posso. Mamãe pode voltar a qualquer momento. E se eu for pega contrariando ela, não quero nem imaginar o show que vai ser.

Bufo, irritada. Sai do Grace Elmers para ficar presa em casa, penso. Até mesmo tinha grades nas janelas do meu quarto. Não fosse pelo fato de eu poder ficar sozinha, parecia que tinham trazido o Grace Elmers para casa. Porque até mesmo as medicações preciso continuar a tomar, toda noite, antes de dormir. Só não tenho uma enfermeira me trazendo eles e se certificando de que os engoli.

A garota que não pode morrer - Série Midnight - Volume 1Onde histórias criam vida. Descubra agora