Capítulo 6 - Posso?

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Seher estava novamente afogando-se em si mesma. Queria ter colocado os pensamentos em ordem junto com a sua família, sentindo o cheiro do mar, e não de uma forma tão exigente e dolorosa quanto tinha acabado de ser.

Porém, aquela pergunta estava a atormentando, a quem ela pertencia?

Ela inspirou profundamente, segurou a respiração, e soltou o ar. Tinha tomado à decisão de sair daquele escritório inteira e tranquila, então precisava ordenar o que faltava: ela mesma! Estando mais centrada, foi conversando consigo mesma:

"A quem, eu Seher, pertenço? Primeiramente a Allah, mas também pertenço a esta terra, pertenço às estrelas deste céu e aos meus entes queridos. A minha Mamãe que deu a vida por mim, a meu Baba que se desgastou para me amar, e a minha irmã que tanto se esforçou para estar ao meu lado. Pertenço a todos que me dirigiram um ato de bondade, um olhar atento, e todos que precisam de um ato de serviço e um sorriso. Pertenço também à mamãe Nadire aos meus irmãos Firat e Zyah, a minha família, ao meu cordeirinho e ao meu marido."

"Mesmo que ele não me ame..."

A dor foi a tomando aos poucos o espaço da sua angústia de sentir-se sozinha. A constatação que seu marido não a amava e de ter deixado um amigo partir, porque ele a abandonou primeiro, e ela teria que sempre o deixar livre e não o moldar a vontade dela, ardeu-a por dentro.

Ali ela viu que a ferida da traição tanto de um amigo e quanto de um grande amor estavam tão profundas em seu ser que resolveu não adentrar aquele ponto, pois, precisava esquecer sua dor para administrar a doença de Yussuf, o medo de Yaman Kirimli e o seu. Se há alguns meses, alguém lhe dissesse que Yaman era capaz de sentir medo ela duvidaria, mas após vê-lo tão devastado, se comprometeu a nunca mais vê-lo naquela situação, e se assim ela o encontrasse, não temeria de mais uma vez estender-lhe a mão.

Como se o mundo pesasse em seus ombros, ela saiu do seu apoio na secretária, caminhou vagarosamente e sentou-se no pequeno sofá que ficava escondido a direita da porta do escritório, para esperar que o silêncio anestesiasse as suas constatações e dores, porque sabia que não as curaria tão cedo, então precisava se fazer forte para se tornar forte.

E ainda naquele dia precisava conversar com seu esposo, e para isso precisava de coragem, pois não sabia como ele reagiria.

*

Yaman estava esperando a oportunidade de sair do quarto. 

Escutou a porta bater com a saída de Selim, viu sua esposa manter-se paralisada e por várias vezes contar a respiração. Ele não conseguia imaginar como ela estava e na posição que ela estava ele não conseguia ver seu rosto para lê-la. Contudo, ele sabia que precisava olhar nos olhos dela. E mesmo que tivesse fugido tanto pela manhã, agora seu único consolo era olhar para ela.

Ele a ouviu se arrastar em direção a porta, e não tinha a menor dúvida que ela não estava nada bem, e abriu devagarzinho à porta do quarto, a mesma não fez barulho porque já estava entreaberta, quando Seher se sentou ele foi caminhando em direção a ela e parou ao lado do sofá. Ela estava com os olhos fechados e o semblante marcado pela dor, sem o menor traço de alegria ou raiva. Era a pura dor que ele via da mulher que ele amava, sendo ele um dos maiores causadores daquela dor.

Alguns segundos depois ela ainda de olhos fechados empinou o nariz e cheirou o ar, hábito que ela tinha de maneira instintiva quando um cheiro lhe agradava, não para se acalmar, mas com um toque de tranquilidade. Ele percebeu que ela sentiu a presença dele pelo cheiro, abrindo assim aquelas lindas esmeraldas o encarou.

Ele se sentiu extremamente envergonhado de estar na presença dela, porém não havia outro lugar que queria estar. Parecia muito longe da sua compreensão, como ele a tinha a machucado tanto e ela ainda o reconhecia pelo cheiro, enquanto ele a todo momento a teve diante dos seus olhos preferiu se esconder na raiva.

Ela o encarou, e esperou que ele dissesse algo.

*

Seher não tinha escutado a entrada de Yaman no escritório, e nem esperava vê-lo naquele instante, percebeu que o cheiro dele anestesiou toda a dor que sentia, especialmente porque quando ela abriu os olhos ele não estava com cara de bravo, pelo contrário a olhava desarmado e talvez estivesse errada, mas o olhar dele parecia transbordar ternura.

Ele olhou em direção ao sofá, e perguntou para ela como um sussurro: "Posso?".

Ela achou engraçado, que mesmo ele estando na casa dele, no escritório dele, e olhando para o sofá que era dele, pediu permissão para sentar-se ao seu lado. Balançou a cabeça levemente, e deixou um espaço para que ele sentasse.

O sofá sendo pequeno não permitia que ficassem longe um do outro, somente com os braços encostados. Ele deu um suspiro aliviado, quando ela o permitiu ficar ali, e mesmo no silêncio, ambos olhando para frente, se sentiam estranhamente confortáveis mesmo com os corações miseravelmente falhando.

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