Dossiê

Capítulo 9 - Como fazer?

Foram longos dias desde a conversa com Selim até o dia de hoje. Ainda doía pensar na traição do meu amigo, mas eu me conformei porque cada um se torna responsável por suas escolhas, e eu me tornei responsável pela minha quando decidi cortar o elo.

Porém, aqui diante do jardim me ponho a pensar na traição do meu esposo. Um homem bruto, que mesmo com a má fama se colocou tão honrado em tantas situações, e o mesmo se colocou a jogar comigo. Isso é incoerente para mim. Talvez eu acreditasse demais na bondade das pessoas, e me iludi com a dele, ou pouco acreditei ao ponto de deixar de esperar coisas ruins de Yaman Kirimli, e me surpreendi diante das ações dele.

Durante este tempo de doença do nosso legado eu pude provar da presença de um homem que eu não esperava. Um homem mais dolorido do que os reflexos que eu via quando olhava nos olhos dele, e ao mesmo tempo mais afável do que eu jamais imaginara. Um gigante cuidadoso. E agora estou aqui, sem sono, sem anseios, sem saber qual direção seguir.

Fugir com Yussuf não me parece mais correto, já que seu tio não se mostra tão agressivo, e meu pequeno estava cada vez mais apegado a ele, ao seu Baba do coração. Mas, e eu? Eu preciso encontrar um ponto de equilíbrio para aguentar firme para que meu bebê possa ser feliz.

Preciso deixar de amar esse homem, que eu esperei que saísse da escuridão, com toda urgência; e deixar de acreditar que eu possa ser feliz ao lado dele. Afinal, não tenho o que reclamar, depositei toda minha alegria na felicidade de Yussuf.

Ainda é como se no meu coração existisse uma terra, nunca tocada, a vida inteira eu a escondi, e quando escolhi meu esposo este espaço se abriu a ele. Um jardim secreto que eu cultivei dentro de mim, a meu marido entreguei o lugar e as chaves, e, para a minha total infelicidade, já não mais conseguia arranca-lo de lá. Esperava que ele estivesse sempre bravo e irresoluto, mas encontrar um apoio nele, e o apoia-lo durante a doença de Yussuf, reavivou em mim a esperança que poderíamos mais uma vez andar de mãos dadas e isso me faz guardar cada detalhe dele.

Desde o dia que conversamos sentados no sofá e ele não desviou o olhar, como muitas vezes fez enquanto brigávamos, minha vida se tornou incerta. Porque a única certeza que eu tenho é que eu o amo mesmo não decidindo mais ama-lo. Acho que por isso o abracei, e quis compartilhar a alegria com ele da cura do nosso menino, pois não era só uma partilha, mas um conforto. Lutamos juntos para sermos fortes no pior, mas eu não tinha garantia nenhuma que um dia poderíamos ser fortes juntos no nosso melhor.

*

Eu a observava o tempo todo: sua delicadeza e seu amor com Yussuf, o tempo que destinava ao Ziah no jardim, as conversas com Adalet e Cengar ou ainda suas risadas leves com a tagarelice de Neslihan.

Sempre a admirava de longe e nunca a tinha direcionada para mim. Como isso me corroía! Ela está impassível. Não importa o quanto eu tente agrada-la com presentes, me antecipando as suas necessidades ou tentando conversar. Somente conversamos sobre Yussuf, se ele precisar de algo.

Eu achei que seria diferente após o abraço apertado que ela me deu no hospital. Se dependesse de mim nunca a teria soltado! Pela primeira vez nos abraçamos não só por eminência da morte ou alívio. Mas a genuína alegria que o nosso legado ficaria bem! Não nos quebramos em pedaços, juntamos o que estava espalhado.

Eu esperava uma aproximação gradual por parte dela, como ela sempre fazia quando eu extrapolava. Porém, dia após dia eu a perdia mais um pouco, não para Selim como antes eu imaginava, mas para as lágrimas silenciosas que ela derramava todas as noites quando acha que eu já tinha dormido.

Eu precisava descobrir uma forma de reatarmos; encontrar uma maneira diferente dela entender que eu vou dar meu melhor por ela, por nós. 

Se por um momento eu calo meus sentidos e a ouço com meu coração, eu sinto que ela está me deixando aos poucos, chegando ao seu limite, logo, eu não tenho mais tanto tempo assim.