Silêncio

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Aquele poderia ter sido o dia em que a minha vida mudou radicalmente, mas mais uma vez eu escolhi o caminho previsível

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Aquele poderia ter sido o dia em que a minha vida mudou radicalmente, mas mais uma vez eu escolhi o caminho previsível. Talvez por estar distraída demais com as variáveis incômodas que, para ser sincera, eram quase constantes ultimamente; não tive a chance de optar por ir sair de casa a pé pois ainda nevava mesmo que estivesse fora de época. Mal abri a boca durante aquele dia inteiro na escola a não ser para responder presente quando algum professor chamou o meu nome, já que nenhuma outra pessoa me procurou para qualquer outro motivo. Por outro lado, me senti observada. Eles ainda estavam por perto, e numa cidade tão pequena quanto aquela era improvável que mantivéssemos a distância independente do atrito que estivesse acontecendo, mas eu me esforcei para não retribuir. Eu não fora a responsável pelo fim daquela amizade - até agora não sabia o que estava acontecendo, então também correria atrás de ninguém.

Talvez fosse uma oportunidade para que eu me dedicasse mais aos estudos. Sem a distração deles eu poderia finalmente focar nas aulas de Inglês; eu sabia muito bem que as minhas redações estavam seriamente prejudicadas pela minha incompetência ao lidar com vírgulas. Eu jamais entenderia isso, quer dizer, eu sempre tinha um livro nas mãos e, por favor, o meu emprego era literalmente em uma biblioteca. Me sentia como uma versão ambulante do ditado "santo de casa não faz milagre."

Eu tentava me convencer do quão normal aquele processo era. Amizades passam por esse tipo de fase de estranhamento, quando ambas as partes perdem aquele fator em comum que as aproximava tanto e que fazia tudo ter sentido, e por isso se afastam. Essa era a hipótese da minha mãe que justificava a minha ansiedade como "desnecessária", já que não era ela que havia perdido todo o suporte afetivo num intervalo de tempo tão curto. A minha teoria era mais fantasiosa, porém não tão descartável: um vírus havia tomado conta da cabeça de todos eles. Apenas isso explicaria aquela mudança tão drástica e palpável. De repente era como se eles fizessem parte do Lado Obscuro da Força e eu fosse um Jedi - mas imagino que isso seja questão de perspectiva. Eles com certeza se imaginavam os mocinhos da história, enquanto eu era o Darth Vader.

Aquilo não era um drama bobo e eu estava cansada de torcer para que nossos olhares se cruzassem por acaso e algum deles resolvesse falar comigo. Não estávamos mais nas mesmas aulas, então era quase como se a minha existência tivesse sido apagada da face do planeta. Eles estavam muito enganados se pensavam que eu havia desistido de acompanhá-los de longe; sabia que estavam indo mal em Química e Biologia porque eu não estava lá para ajudá-los com os relatórios e listas de exercícios, e eles continuavam a faltar às vezes por dias seguidos sem a menor explicação. Não era normal e eu duvidava muito que a escola, por mais relapsa que fosse, os deixaria passar de ano ilesos.

Ir ao trabalho foi um alívio, mas só naquele dia. Pelo menos na biblioteca de Forks o silêncio era algo imperativo, e não consequência da minha falta repentina de traquejo social. Era a minha oportunidade de colocar o cérebro para descansar ao fazer tantas tarefas automáticas: checar os atrasos, enviar e-mails de aviso, creditar as multas, agrupar os livros em ordem alfabética e colocá-los de volta em cada seção. Naquele espaço tudo era perfeito demais até eu contemplar um enorme volume de Crime e Castigo e considerá-lo a leitura ideal, já que eu não tinha distração alguma. Pensar que eu poderia lê-lo na escola, nos intervalos e em casa sem a interrupção dos meus ex-amigos trouxe de volta toda aquela sensação de abandono.

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