A Terra Do Pecado

Orgulho

O caminho foi silencioso. Parecia que naquela zona a população animal era o triplo. Leões, gansos e lebres brincavam em harmonia nos lindos jardins de explosões de flores. Nunca na vida havia visto algo igual. Cada uma mais linda que outra. A beleza natural das coisas não pode ser descrita, senão sentida.

Deus não parecia relativamente chateada, apenas intrigada d um pouco aborrecida. Talvez não gostasse daquele lado da terra do pecado ou simplesmente ache tedioso explicar tudo a cada novo visitante.

A mulher de pele negra e cabelos cacheados tinha borboletas rodopiando em sua volta. A água dos rios refletia a sua imagem como uma enorme bola de luz branca. —A eternidade não é eterna.- disse puxando assunto assim que os flamingos levantaram voo. —Tudo existe em equilíbrio. Isso significa que o infinito e a nulidade são apenas parametros para pedir algo que na verdade não existe.- argumentou brincando com os caracóis carmesim enrolando-os nos dedos largos e ossudos.

—O que quer dizer?

—Não existe o bem absoluto tal como não existe o derradeiro mal. Eu sou Deus e Deus é perfeito. O facto é que a perfeição não existe, então eu não sou Deus?

Juro que a minha cabeça deu um nó. O meu cérebro bugou de uma maneira tão fodida que tive de parar de andar para bater as mais nas bochechas afim de despertar do paradoxo mental em que entrei.

—Mas... você é Deus! Foi você que criou tudo. Certo?- ela torceu os lábios mirando dois borregos dormindo abraçados.

—Eu não criei tudo.- disse por fim. —Eu disse que construí a terra porque sentia-me sozinha. Como poderia sentir solidão sem antes experimentar companhia?- riu amarga molhando os pés no líquido translúcido recebendo beijos das carpas laranja.

—Oh...

—Nada aparece do vazio. Não existe vazio absoluto. Logo não pode existir um criador primário. Mas isso não faz sentido, uma vez que esse criador primário teria de ser construído por algo que por sua vez foi constituído por outro. Agora começava a entender o seu ponto de vista. —Eu gosto de pensar que sou a única. O poder supremo, criadora de todas as coisas. Mas isso não é verdade, pois alguém foi responsável por criar-me primeiramente!

—Existem mais Deuses?

—Quem sabe? Eu penso que a realidade é um grande paradoxo. Talvez nada disto seja real, Jungkook! Talvez o seu cérebro tenha projetado a terra do pecado enquanto morre lentamente, devorado por larvas e esquecido pelo tempo, sete palmos abaixo do chão.

Engoli em seco começando a ver ao longe o que parecia ser uma grande empresa. As janelas eram de vídeo negro impossibilitando a vista para dentro. —Eu acredito que haja uma razão para tudo isto. Tal como a razão da nossa existência foi acabar com a sua solidão. Talvez a razão da sua existência seja acabar com a solidão de outro alguém e assim sucessivamente. No final, a última pessoa está destinada a acabar com o vazio absoluto e o vazio absoluto impede que exista o tudo infinito.

Ela sorriu largo, acariciou o meu rosto e os olhos novamente brilharam em minha direção. —Eu criei a coisa mais linda do infinito. A minha criação...- o amor transbordava por cada poro do seu corpo. A quentura da sua pele transferia as emoções para o meu peito queimando em afeto. —Estamos quase chegando.- avisou rodando o vestido florido sob o corpo esbelto. A gargalhada alegre era linda, uma trilha sonora incansável e magnífica.

A mulher tirou uma chave dourada do bolso e abriu a porta dando-me passagem e assim fiz. O lugar era só...normal. Nada de espectacular ou diferente.
Uma fila de mesas e cadeiras, cadernos, lápis e folhas soltas. Quadros e plantas de projetos pendurados. Parecia quase como um escritório empresarial. —Não entendi!- gesticulei apontando para tudo e para nós dois.

—Ninguém entende!- suspirou sentando-se em uma delas encarando o espaço em volta. —É por isso que ninguém escolhe o orgulho. Uma vida de luxos na ganância ou comodismo eterno na preguiça não soa muito melhor que ficar aqui trancafiado construindo e desfazendo pequenas ferramentas insignificantes?

Em partes tinha de concordar com ela. Deus suspirou brincando com a cadeira giratória. O tédio instalava-se rapidamente dentro daquelas quatro paredes enormes de cor branca. —Talvez a minha companhia se tenha cansado e esteja vivendo em alguma outra casa do pecado ou simplesmente tenha desaparecido.

—Como assim, desaparecido? Para onde?

—Eu posso construir e destruir o universo com um estalar de dedos. Também posso auto-destruir-me. Tenho o poder para todas as coisas. Ele não era diferente, senão mais forte, mais divino e mais solitário...

—Eu escolho o orgulho!- disse decidido gostando do que via. As memórias do meu tempo de faculdade vinham em minha mente e eu quis repetir tudo para sempre, outra e outra vez. Precisava saber mais, conhecer, aprender, descobrir, fazer, criar, construir...

—Oi??- tossiu estupefacta. —Porque quereria viver aqui sozinho para sempre? O que demais esta casa terá para te oferecer que as outras não terão?

—Simples. Porque você não quer que eu escolha o orgulho!- completei sentindo algo borbulhar dentro de mim. —Eu vou ser o primeiro. Vou construir a melhor máquina, o projeto número um. Vou ser insuperável naquilo que apenas eu serei capaz de fazer!- Deus arregalou os olhos e abriu um sorriso gentil, maior que qualquer outro. —Você esconde algo, mas eu sou teimoso, brioso e pretensioso para deixar-me ser enganado por quem quer que seja!

A satisfação e orgulho estampados em sua face bonita. Ela chamou-me para perto com um movimento do dedo indicador e apontou para uma das cadeiras ao seu lado. —Tudo bem!- sentei-me e olhei em frente. Sob a mesa repousava uma espécie de bola negra, um vazio infinito e ao lado massa de modelar, canetas e alguns utensílios como réguas e esquadros. —Este é o seu mundo!- apontou para a massa negra que constantemente vibrava e se contorcia sob a mesa. —Acho que vai ser bom ter uma companhia pela primeira vez...