A casa da ira poderia facilmente ser comparada ao inferno senão pior. Fogo, chicotes, gritos de dor, tortura, enxofre. O cheiro a carne decomposta e podridão ultrapassava qualquer limite.
A única diferença é que não somos nós os torturados mas os torturadores. Não sei se deveria ficar alegre com isso ou extremamente enojado.—Aqui é a casa da ira!- Deus apontou para a frente onde um rio de lava descia lentamente em nossa direção engolindo tudo por onde passava borbulhante. —Quer vingar-se de alguém que roubou a sua promoção no trabalho? Talvez alguma mentira ou traição. Neste lugar você pode punir quem lhe causou mal. Pagar fogo com incêndio.
Corpos esqueléticos amarrados pelos pulsos ao teto. Lava ardente envolvendo os corpos que nunca virariam pó já que não existe outro lugar para ir depois da terra do pecado. Jamais morrerão, sofrerão para sempre nas mãos dos pecadores.
—Muitas pessoas escolhem os pais por ressentimentos passados. -explicou mostrando-me um par de idosos amarrados a um pilar, forçados a engolir insetos vivos que rasgavam os seus abdomens, escorregando dos buracos nojentos para o chão novamente.
—Parece absurdamente dolorido.- comentei engolindo a bílis que queria a toda a força escorregar por minha garganta até o lado de fora.
—É o objetivo!- piscou voltando a caminhar até entrar cada vez mais no núcleo da casa.
Corpos cansados e mal tratados ardiam eternamente no centro de uma enorme fogueira rodeada de espectadores satisfeitos com a dor alheia. O sentimento de realização brutal pelos feitos que cometiam.
Outros tinham pedaços de carne arrancados, os músculos triturados por animais ferozes. Crianças perfuravam os olhos dos parentes contrastando com a inocência que deveriam ter e que não mais se verifica.
Os chicotes assentes em uma mesa chamaram a minha atenção. Não eram bonitos nem fofos como na casa da luxúria. Aqueles apenas tinham dor a oferecer, sofrimento e lamentação de quem foi condenado a uma eternidade de mágoas. Ao seu lado haviam instrumentos de tortura e alguns utensílios para estimular a criatividade dos loucos mais insanos.
—Não lamente por quem não pode ser perdoado.
Uma velhinha berrava enquanto tinha os cabelos arrancados pelas mãos de um jovem. Estes que voltavam a nascer, não importando quantas vezes voltassem a ser grosseiramente puxados para fora do couro cabeludo em sangue.
Não fazia diferença o número de vezes que pedisse perdão. A dor causada por si ao outro excederia a dor sofrida pela velha. —Eu acho que já basta!- falei aproximando-me e ajudando a idosa a colocar-se de pé. Ela chorou agarrada a mim como um cachorro abandonado, o nariz sangrando e cortes profundos na pele que se regeneravam apenas para que voltassem a rasgar nas mãos do homem.
Ele fuzilou-me com o olhar medonhamente raivoso. —Perdoar é uma virtude.—Eu já perdoei!- falou como se óbvio e um nó se fez no meu cérebro confuso com aquilo. —É ela quem não se perdoa!- apontou para a idosa ajoelhada aos seus pés, pedindo, implorando por mais. Os olhos cobertos de lágrimas salgadas e a alma despedaçada de quem não consegue deixar o passado para trás. —Ela não quer perdão. Quer sofrer para sempre e alimentar a minha ira como eu alimentei as suas vontades e tomei as suas sofrencias em vida.
—Mas não foi você que escolheu atormentar esta senhora?
—Eu escolhi vingar-me da minha progenitora por todo o mal que me causou. Ela estaria livre agora se não sentisse peso algum na consciência.
Agora a casa da ira tomava um novo sentido para mim. Era uma forma de se libertar e de libertar os outros do que os prende pela razão para que possam avançar e descansar em suas devidas casas.
—Vamos Seokjin!- a velha gritava impaciente remexendo-se no chão como uma lagarta agonizando. —Ainda não acabámos. É só isso que tem para mostrar? Quero que me destrua!
Arregalei os olhos com a coragem da mulher e Deus sorriu convencida. —Eu falei que a mulher é a minha obra prima! Repare só nessa coragem e determinação!- os olhinhos brilhavam enquanto observava a criação dar tudo de si no campo de batalha, travando a derradeira guerra com a própria consciência. —Aqui fazem-se os acertos de contas, Jungkook!- segredou dando alguns pulinhos no lugar.
O calor infernal era incómodo e o cheiro horrível, completamente repugnante. Naquela altura já não sabia se o caminho de líquido vermelho que passava perto do centro era lava ou sangue.
—Não tenho nada a fazer aqui!- garanti recusando-me a viver por toda a eternidade naquele campo de guerra. —Não guardo rancor.
Deus desviou a atenção do homem mutilado por um martelo e negou aborrecida. —Que menino difícil de agradar!- brincou lambendo uma gota de suor que escorreu das minhas têmporas devido às temperatura incomparavelmente quente. —Veremos a próxima casa então.
Disse iniciando o trajeto mais uma vez. Conforme fomos afastando-nos da casa da ira, mais flores e animais silvestres encontrávamos correndo por ali. O ambiente parecia pacífico, os animais não se atacavam e as cores das plantas transformavam os campos cobertos em um grande manto colorido, uma obra de arte.
—Você criou os dinossauros ou a coisa toda dos fósseis é uma prova de fé?- questionei lembrando-me da teoria evolucionista e das brigas que assisti sobre religião na faculdade.
—Eu criei a genética, esqueceu? A natureza veio primeiro que o Homem. Preste um pouco de atenção!- ralhou retocando o batom vermelho que com o tempo havia desaparecido dos lábios bem delineados.
—Primeiro veio o ovo ou a galinha?- a cacheada estreitou os olhos na minha direção como numa ameaça para calar-me. —Só estou curioso!- dei de ombros vendo a sua figura se aproximar de mim e segredar a resposta no meu ouvido em um sussurro baixo para mais ninguém ouvir.
Conforme nos aproximávamos da casa seguinte um cheiro mais do que familiar teimava em vir até mim como num chamado mudo para que o seguisse. Era a minha comida favorita: strogonoff.
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A Terra Do Pecado
FanfictionApós morrer de forma trágica, Jungkook tem um encontro com Deus e descobre que nada do que havia ouvido coincidia com a realidade. Agora deve conhecer todas as sete casas do pecado e escolher somente uma para viver durante toda a eternidade. ⚠️+18⚠️...