Deus

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Acordei zonzo, meio enjoado e sem saber porquê ou onde me encontrava. A minha cabeça lantejava de dor e o meu corpo estava dolorido como se tivesse caído de uma altura mortal.

Levantei-me do chão gélido com o auxílio das mãos, limpei a poeira das calças e olhei em redor, não encontrando nada mais senão o vazio imenso e escuridão profunda como se um vasto mar houvesse me engolido num movimento feroz e sólido sem tempo de pestanejar.

O silêncio ensurdecedor macabro martelava o fundo do meu crânio à medida em que as lembranças dos acontecimentos anteriores me atingiam como bombas radioactivas.

Eu havia de facto caído de uma altura mortal, logo, eu estava morto e ainda assim consciente. Aquilo era o céu? Aquilo era o inferno? Aquilo era a solidão que passaria a fazer parte dos meus dias, a todo o instante pós morte?

As imagens dos últimos momentos da minha vida passavam à frente dos meus olhos em câmara lenta como um castigo brutal pela imprudência absurda nos meus atos estúpidos e mal pensados.

Recordo-me de ver o sol brilhante do meio dia. Estava em um grupo grande de amigos na piscina próxima à faculdade onde um dia cursei jornalismo com toda a minha paixão pela profissão e pelo querer saber mais sobre tudo, uma curiosidade nata que sempre fez parte de mim.

Bebemos demais, entusiasmámo-nos e achámos uma boa ideia saltar das pranchas e fazer mortais para a água azul coberta de cloro. O cheiro da substância era forte mas isso não nos impedia de curtir uma vez que, dentro do nosso mundinho, nada além do álcool e as meninas de biquíni importava.

Tudo estaria bem se o vento não permanecesse forte e eu não quisesse impressionar toda a gente ao saltar da prancha mais alta da piscina descoberta onde a água era a mais gelada possível.

O salva vidas avisou, no seu jeito de idoso mal humorado e sem paciência, que era perigoso e fomos proibidos de saltar sem a sua devida supervisão. Tudo estaria bem se ele não tivesse se ausentado para ajudar uma menininha que caiu esfolando os joelhos, deixando quase vinte jovens idiotas, bêbados e sozinhos, rindo em mil gargalhadas da queda de uma idosa depois de escorregar no chão molhado.

Não que a culpa fosse dele, longe disso! Mas uma agravante foi certamente a falta de alguém sóbrio entre nós.

Assim que vi o homem longe, chamei o pessoal para fazermos uma competição de saltos e é claro que não podia perder a oportunidade de me exibir em frente a todos. Afinal, tinha de provar que era o melhor em tudo como sempre. O orgulho sendo a única coisa que me motivava no momento.

Acontece que o vento me empurrou com uma força absurda, talvez pela altura, para mais longe do que o previsto e eu acabei por cair de cabeça na borda de pedra que delimita o espaço de dentro e de fora, de uma altura de 15 metros morrendo instantaneamente sem dor, sem sofrimento.

Não tive tempo de ver a reação das pessoas mas calculo que a imagem de alguém com a cabeça estourada e um amontoado de massa cinza se espalhando pela água não tenha sido muito agradável.

Um enorme portão de ferro dourado de onde um grande feixe de luz branca surgiu, abrindo-se na minha frente em um rugido ensurdecedor. Tapei os olhos com o braço pelo incómodo e ardência causada, tentando me proteger inutilmente.

De lá saiu uma mulher alta e curvilínea de pele escura e cabelos cacheados flamejantes num tom avermelhado vivo. Os lábios bem delineados e as unhas postiças realçavam a sua beleza natural já esplêndida. A sua pele parecia brilhar sob a claridade e os seus olhos eram intensos, negros e profundos como abismos inalcançáveis.

—Bem vindo!- ela falou simples num tom de voz calmo fazendo sinal para que a seguisse e assim o fiz confuso, curioso e fascinado ao mesmo tempo.

Ela caminhava vagarosamente em linha reta com os braços atrás das costas e a postura erecta. Tudo nela exalava superioridade e virtude.

Conforme caminhava-mos pela estrada longa de terra batida, o canto dos pássaros vinha até nós mais alto e mais harmonioso, se possível. As árvores de fruto começaram a aparecer carregadas de alimentos suculentos e de aspeto quase falso de tão perfeito, uma imensidão de verde cobria o chão e pequenos animalzinhos vagavam por ali.

O calor dos raios solares aquecia o meu corpo livre totalmente das dores assim que pisei no chão puro posterior ao portão. Não havia mais dor, não havia mais recordações de tristeza, não havia nada mais que consolo e bem estar como o colo suave de uma mãe.

—É o paraíso?- questionei fascinado. Os olhos arregalados e o sorriso largo demonstrando todo o meu agrado e surpresa.

—Paraíso? Não...- riu negando como se eu houvesse dito uma autêntica blasfémia. —Nem o paraíso nem o inferno existem. Estamos na terra do pecado!- explicou flexionando os joelhos e sentando-se para acariciar os pelos sedosos do animal carente por atenção.

Aquela informação fez a minha cabeça girar. —Mas... Não é justo que tanto os pecadores quando as pessoas de fé venham para o mesmo lugar, certo?- questionei mais uma vez ansiando por uma resposta, visto que tudo aquilo que acreditei em vida se mostrou mentira.

—Não existe castigo para o pecado.- disse simplesmente erguendo o corpo e voltando a caminhar pacificamente na maior calmaria, como se o tempo gasto com uma simples caminhada anão fizesse diferença. E de facto não fazia...

—Onde estamos?

—Na terra do pecado!- repetiu paciente. O sorriso singelo nunca deixando o rosto de feições bonitas quase angelicais. —É para aqui que as pessoas vão depois que morrem, Jungkook!

Engoli em seco concordando com a cabeça assimilando tudo o que foi falado a mim. À medida em que andávamos pelo caminho de terra, um chafariz enorme de onde um jato de chocolate saía apareceu no meu campo de visão.

—Quem é você?- questionei aquilo que queria saber desde que havia pousado os olhos na mulher em minha frente.

Ela parou de caminhar e virou-se ficando de frente para mim. Os lábios rasgados em um sorriso grande e as bochechas coradas de alguma forma. A mulher olhou-me por um tempo analisando-me e respondeu de mansinho: —Eu sou Deus!

A Terra Do PecadoOnde histórias criam vida. Descubra agora