Inveja

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O meu estômago roncou e quase me arrependi de não ter escolhido a gula naquele momento para poder usufruir de todos os pratos maravilhosos daquele lugar. O cheiro de comida caseira ficava cada vez mais forte conforme íamos aproximando-nos do local.

Um arrepio subiu pela minha espinha quando comecei a ver o portão tão familiar para mim. As grades eram verdes de metal ferrugento. As paredes da casa tinham um tom cinza encardido onde antes havia branco puro depois de tanto tempo sem limpar por preguiça. As janelas mostravam-se amplas e grandes, toda a cidade podia ser vista dali. A bicicleta continuava estacionada perto dos caixotes do lixo, o volante torto e o acento rasgado pelos dentes de Tony. O carro sem o pneu de trás permanecia dentro da garagem aberta onde um monte de tralha era guardada.

O meu cão brincava no jardim com uma bola de tênis, rebolava na grama como um porco na lama, totalmente contente no seu próprio mundinho. Aproximei-me para o acariciar e recebi um monte de lambidinhas nas mãos. A roupa ainda estava estendida da mesma forma nas cordas de secar comi havia deixado na manhã daquele trágico dia. A piscina continuava suja do mesmo jeito e os meus calções permaneciam esquecidos sobre os arbustos mal cuidados, repletos de folhas secas.

—Mas que porra...

Deus abriu a porta girando a maçaneta e nós entrámos sem fazer barulho. Subimos as escadas até o andar de cima e andámos até a cozinha onde dois pratos de strogonoff estavam servidos na mesa grande, acompanhados de suco de limão e torta. —Bem vindo de volta, amor!- a voz suou mansa e calma chamando-me para sentar ao seu lado.

Arregalei os olhos chocado com a imagem do homem à minha frente. —Esta é a casa da inveja, Jungkook!- explicou a mulher apoiando-se na mesa num movimento subtil e delicado. O loiro em minha frente parecia não ser capaz de vê-la ou ouvi-la.

—C-como?

—Esqueceu-se que eu sou Deus? Não pode esconder nada de mim!- dei de ombros depois de rolar os olhos entediada. —Ambos sabemos que você sempre desejou o namorado mais velho e maduro do seu irmão. Aqui poderá viver uma vida feliz com o amor da sua vida.

O corpo esguio de Namjoon abraçou o meu com cuidado num aperto aconchegante. Um beijo foi plantado na minha testa e a cadeira puxada para mim, o cheiro do seu perfume de menta subiu pelas minhas narinas deixando-me zonzo de desejo. —Sente-se. Vamos comer!- concordei em choque e iniciei uma refeição silênciosa por medo de fazer alguma besteira. Nada além dos talheres batendo no prato era ouvido naquele lugar tão familiar e repleto de memórias.

Estava uma delícia. Namjoon sorria o tempo inteiro e fazia carinho nas minhas mãos. Tudo o que eu sempre quis.

Deus comeu metade da torta sem nem se importar. Parecia empenhada em fazer-me ficar na casa da inveja e de facto, parecia a melhor de todas elas.

—Eu fiz isto especialmente para ambos.- disse batendo palmas ao que duas criancinhas saíram correndo do andar de baixo e saltaram para o colo do Kim animadas.

—Papai, papai!- gargalhavam recebendo cócegas nas barriguinhas gordinhas. Um menino e uma menina gêmeos, deviam ter em torno de cinco anos. Os olhos puxados, os dentes tortos e os cabelos pretos despojados.

A mulher cacheada sorriu vitoriosa. Levou as mãos ao alto e falou: —O maior amor de todos é o pela criação. Estas duas almas não saíram do seu ventre, mas o coração e a alma serão lhe entregues como se você fosse o Deus deles. Porque o verdadeiro construtor é o que planeja, constrói e estima. Eles serão seus filhos como eu sou sua mãe, de coração!

Os meus olhos marejaram quando a princesinha veio até mim com uma margarida em mãos, a pousando no meu bolso como um presente valioso. —O papai vai cuidar, né? Como cuida de mim!- concordei sentindo o peito quentinho, o sorriso queria rasgar o meu rosto por inteiro, uma felicidade que não poderia ser explicada com nenhuma palavra pré existente.

—Tão lindo, amor!- Namjoon sussurrou abraçando as minhas costas colando o corpo forte ao meu. Tão gostoso. Os lábios grossos passeando pelo meu pescoço, chupando, mordendo.

—Kim Namjoon será seu!- Deus reforçou bebendo do suco enquanto penteava o cabelo vibrante com os dedos. —Pense nisso!

Eu queria aceitar, gritar que sim com todas as forças mas algo dentro de mim teimava em negar e dizer que não era aquilo, que não era real, que não era suficiente.
Parecia tão errado, tão falso, tão chato...
Onde estava a empolgação? A aventura? O motivo para exaltar a minha escolha, a história para contar, uma razão pela qual não arrepender-me mais tarde.

—E-eu não... Não quero isso.

—Você tem de decidir, Jeon!- reclamou a mulher visivelmente irritada, mesmo que as feições mal tenham tido diferença, nunca deixando a pose e a cabeça erguida. —Quem desperdiçaria a chance de passar a eternidade com a pessoa que deseja desde a adolescência? Como pode negar uma eternidade de prazer explosivo na casa da luxúria? O que mais pode querer senão uma infinidade ilimitada de todos os bens materiais que quiser, quantos quiser e quando lhe der na telha? Tome uma decisão!

—M-mas.... Ainda falta uma casa. A casa do orgulho!?

Ela riu negando suavemente com a cabeça. Os olhos cerrados em deboche. —Nunca ninguém escolhe o orgulho, Jungkook.

—Eu quero vê-la!- decidi afastando os gémeos pendurados no meu pescoço e desvencilhando-me do aperto do Kim.

A mulher estalou a língua no céu da boca e desceu as escadas vagarosamente, degrau por degrau, até mais uma vez encontrar o caminho de terra batida até a última casa da terra do pecado. —Esta é a última casa, Jeon. Depois disso, você terá de tomar uma decisão...

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