A Terra Do Pecado

Ganância

Desta vez o caminho não foi tão chato quanto das outras vezes. Um cavalo branco com cabelos longos arrastados pelo chão e um chifre no meio da cabeça seguia-nos e brincava com as nossas roupas, puxando, mordendo e cheirando.

Raposinhas divertiam-se em cima dos galhos das árvores milenares cobertas de folhas verdes e um panapaná de borboletas brancas girava em nosso redor numa dança sincronizada.

A todas Deus acariciou as asas entre as mãos, as aconchegou e transformou em luz. Atirou as pequenas bolas de fogo ardente para o céu e ali prenderam-se, iluminando o céu perto da lua cheia. —Eu transformo a noite em dia, a beleza na riqueza e a tristeza em amor. Cada pontinho neste céu é uma luz que se desprendeu da terra e cada vida neste mundo foi um pouco que se desprendeu de mim.

Parámos perto de um lago onde alguns animais de grande porte bebiam água tranquilamente. Mergulhei as mãos no líquido frio e passei no rosto refrescando a pele bronzeada.

Grandes peixes nadavam perto da beira sem medo em aproximarem-se. Passei a ponta dos dedos pelo corpo de um sentindo as escamas de textura diferente, rugosa. O animal soltou bolhinhas pela boca e afastou-se para junto do cardume.

—Não é errado ter ambições. Errado é pisar os outros para subir os muros da vida!- Deus segredou colhendo um ramo de flores violetas e deixando algumas nos meus fios negros.

Observei o meu reflexo nas águas do rio. Os olhos negros puxados, cabelos longos e lisos, lábios finos e traços fortes. Cada detalhe havia sido esculpido com amor exclusivamente para mim, desde a ponta do cabelo à unha do pé.

Deus analisava as minhas expressões demorando-se, por vezes, mais do que deveria no meu rosto. Aquele olhar orgulhoso nunca deixava de se notar. Ela amava cada uma das suas criações de uma forma tão genuína e pura.

Ao longe podíamos ver uma infinidade de mansões enormes e casas gigantescas maiores que a minha própria cidade natal que era considerada uma das mais populosas da Coreia.

Arregalei os olhos sem acreditar no que via. Ali parecia um outro mundo coberto de luxos e mais luxos. Todos os equipamentos eram de primeira geração, caros e impossíveis de meros mortais adquirirem. Mas estamos na terra do pecado afinal, onde as regras mundanas já não têm valor e em nada se adequam.

—Esta é a casa da ganância. Tudo que desejar será seu. Quer diamantes, ouro, jóias? Pode comprá-las no seu jatinho particular, ou melhor, comprar as minas de onde são extraídos!

Concluiu de braços abertos girando sob o solo da entrada do que parecia uma cidade metropolitana. Casas, casas e mais casas. Carros, carros e mais carros. Terras, terras e mais terras. Coleções de sapatos, roupas e brinquedos, acessórios, livros, obras de arte...

—Poderá ter tudo o que quiser sem mexer um dedo. Basta desejar e assim terá qualquer bem material.

Por mais tempo que a eternidade seja, não seria suficiente para usar cada carro estacionado na garagem, cada quarto presente na mansão, cada par de sapatos caros em fila perto da porta de entrada. Ler cada livro das inúmeras estantes das várias bibliotecas, nadar em cada piscina, comer em cada restaurante...

Deus suspirou limando as unhas postiças. Gargalhadas divertidas vinham de uma das várias montanhas russas pertencentes aos astronómicos parques de diversões espalhados pelo terreno. Um jovem ruivo gritava emocionado no topo do brinquedo com os braços estendidos para cima e os cabelos ao sabor do vento. Ele acenou para nós à medida em que o acento ia perdendo velocidade até parar no chão bem perto de nós.

—Olá!- o ruivo falou sorrindo quadrado e deixando um beijo subtil no dorso da mão direita de Deus. Ela desviou o olhar corada e retribuiu com um risinho tímido. —Sou Kim Taehyung. E você?

—Jeon Jungkook!- respondi rápido ao garoto dono daquela pequena fortuna.

Taehyung só piscou e nesse meio tempo uma banheira de tamanho considerável cheia de notas apareceu em nossa frente. O ruivo saltou para dentro e fechou-se no seu próprio mundinho, brincando e nadando no meio do poder do dinheiro. Ele teria tudo o que quisesse quando quisesse. Parecia uma aposta tentadora mas que graça teria?

Só via prédios e mais prédios. Objetos inutilizados e desperdiçados sem motivo. Não gostei daquele ambiente, a casa da ganância não me chamava a atenção.

—Não quero ficar aqui!- conclui decidido sem nem pensar duas vezes. Deus concordou como se também não visse graça na facilidade das coisas. Era preciso um pouco de drama, ação, obstáculos...

—Caminhemos até a próxima casa!- disse voltando a andar na direção que seguia-nos desde o início.

—Porque a maçã é um fruto proibido?- quis saber lembrando a história bíblica passada de geração em geração.

—Oi?

—A Eva comeu a maçã e condenou a humanidade...- relembrei.

Deus deu de ombros ajeitando os cachos sobre a cabeça. —A humanidade já estava condenada desde antes de existir.

—Como assim?

Ela riu negando como se a minha fala lhe parecesse absurda. —Serpentes não falam, Jungkook! A condenação de Eva não se relaciona em nada com uma simples trinca em uma maçã.- disse assobiando para os passarinhos que cantavam alegres em sua presença. —Eva sempre esteve condenada, quer comece quer não. Porque no final ela era minha criação, projetada à minha imagem. As cópias são versões inferiores do original. Se nem a primeira versão pode ser considerada perfeita, como a cópia da cópia seria?

—Você não é perfeita? Mas a perfeição é uma característica de Deus!

Com o olhar longe a mulher negou com a mão apoiada na cintura. —A perfeição não existe.- um rebanho de ovelhas passou por nós roçando o pelo fofo nas árvores numa tentativa falha em coçar as costas. —Somos pecadores.- piscou continuando a desfilar cantarolando e rodopiando.

O cheiro forte a enxofre incomodava-me e quanto mais nos aproximávamos da casa mais intenso ficava. De repente um calor infernal e o som de gritos horrendos de ajuda engoliram-nos por inteiro.