A Terra Do Pecado

Preguiça

O som de roncos altos era predominante ainda que nada mais que árvores e pequenos animais silvestres fossem avistados por nós a longos quilómetros de distância.

Deus sorria maravilhando-se com a própria criação, os olhos brilhando em admiração a si mesma como se não acreditasse que havia efetivamente feito aquilo sozinha.

A mulher dançava e rodopiava com os pés descalços sobre a grama. Flores lindas floresciam por onde ela passava e até o céu parecia ficar mais azul sempre que as expressões faciais de Deus demonstravam felicidade genuína e amabilidade.

Lambi os lábios numa interrogação permanente em minha mente. —Porque pecadores não são castigados?- questionei começando a ver bem longe algumas aves estranhas voando sob as nuvens rosa de aspeto apetitoso como algodão doce.

—Todos somos pecadores. Não sobraria ninguém ao castigo divino.

—Até você?

Deus me encarou com um sorriso enorme nos lábios róseos como se estivesse esperando por aquela pergunta há séculos. —Claro!- falou acariciando o torço de uma águia que pousou em seu ombro.

Talvez a parte preferida de Deus na nossa caminhada tenha sido responder às minhas questões sobre si e o seu modo de trabalhar o mundo com as próprias mãos.

De forma briosa e envaidecida falava de si, mas não de modo imodesto ou arrogante, uma vez que nada do que havia dito era mentira ou um exagero de realidade.

Deus era um génio. Um génio que sozinha criou um mundo com regras perfeitas. Transformou a vida num jogo com regras subentendidas e rasteiras para no final nos dar uma eternidade de amor e vontades respondidas.

O quão belo é a criação de uma vida? Vê-la nascer, crescer, florescer e morrer? E se multiplicarmos isso por bilhões e bilhões de almas na imensidão da casa do pecado? Amadas eternamente pela imensidão do infinito pelo seu criador incondicionalmente.

—Das minhas lágrimas salgadas de solidão fiz as águas, os rios e os mares. Do sangue da ponta dos dedos machucados pelos espinhos de rosa primária que criei fiz a terra e dos cabelos longos que cortei fiz o céu!- falou parando em frente a uma escadaria quilométrica que se ligava ao arco-íris como um escorregador. —Aqui é a casa da preguiça, onde anjos cuidam dos sonhos dos seres. Massagens relaxantes e cobertores de seda não faltarão enquanto eu mandar neste reinado!- riu apontando para cima onde uma espécie de fábrica de travesseiros trabalhava a todo o vapor.

As aves estranhas que havia visto mais cedo eram na verdade anjos, se bem que um pouco diferentes do que imaginei, muito menos belos e muito mais exóticos. As asas eram grandes, marrons como de uma traça, abanavam como leques refrescando os preguiçosos de plantão que dormiam eternamente nas camas sedosas e travesseiros confortáveis.

Deus levou-me a escorregar no arco-íris e tudo o que vi no céu foram camas e mais camas construídas a partir de nuvens e tecidos finos mas ainda assim quentes, aconchegantes.

Sentei-me numa bola de algodão branco e gemi em satisfação. Era fofo, confortável ao extremo e fazia-me revirar os olhos em conforto.

—Este pecado é um dos mais populares, perdendo apenas para a luxúria.- disse a mulher lembrando-me da sua presença atrás de mim. —O paraíso para qualquer jovem sedentário!- ri percebendo a indireta mesmo que não fosse um completo preguiçoso em vida, já que praticava yoga algumas vezes por mês. Levantei o corpo mesmo que a contragosto dali para dirigir-me a um garoto que bocejava em uma nuvem próxima.

—Hey!- chamei recebendo a sua atenção de imediato. A sua cara estava amassada, o nariz de botão vermelhinho, os olhos inchados. Ele parecia um gatinho enrolado no lençol branco, os cabelos espalhados pelo travesseiro de forma despojada, linda. —Qual seu nome?

—Min Yoongi!- respondeu sem muito interesse gemendo ao receber as mãos do anjo de feições diferentes nos ombros relaxados em movimentos subtis e calculados.

—Eu sou Jeon Jungkook!- ele nem deu bola o que me fez pensar que o garoto era um pouco rude, embora talvez só estivesse cansado mesmo que dormisse pela eternidade. Afinal, dormir também cansa! —Como é viver nesta casa?

Yoongi bocejou mais uma vez tendo as mãos do ser espalhadas pelas suas pernas em apertos gostosos em locais específicos. Ele franziu as sobrancelhas em deleite e quando achei que fosse ser ignorado mais uma vez respondeu: —Eu amo este lugar com todas as minhas forças. Posso dormir o dia todo, sou alimentado sem sequer pedir e as massagens desses aí são um máximo!

O anjo continuou fazendo o seu trabalho como se não estivesse ouvindo a conversa ou então não estava mesmo, não sei, eles eram estranhos.

—Eu sinto-me cansado a todo o momento e assim será por toda a eternidade. O refresco do vento formado pelas asas dos anjos é simplesmente divinal. Não há melhor maneira de dormir que essa!

Umas mãos pequenas tocaram os meus ombros cuidadosamente e desceram até o meio das costas começando uma massagem delirante de tão gostosa. Um querubim trilhava o caminho com os dedos de ouro sob a minha pele de forma lenta e torturante. Revirei os olhos de prazer sentindo-me literalmente nas nuvens. As minhas mãos afoitas descontaram o prazer apertando os lençóis macios, enquanto eu contorcia-me como uma minhoca rebolando na lama perante os toques quentes e delicados.

Assim que os dedos gordinhos se afastaram senti um frio e a falta dos toques tão gostosos em mim.

Deus olhou para mim em expectativa. Eu gostei do lugar e facilmente viveria naquele sítio pela eternidade, mas não foi isso que disse à mulher de cabelos cacheados assim que se aproximou esperando uma resposta.

—Ah, não sei! Parece meio aborrecido dormir o dia todo. Quero ver a próxima casa!

Deus revirou os olhos sem deixar o sorriso no rosto morrer. Ela parecia sorrir muito o que é bom e embeleza ainda mais a sua face bonita e harmoniosa de traços fortes e ainda assim delicados.

Voltámos a seguir o caminho de terra batida. Os animais se aproximavam pedindo carinho mansos.