Capítulo 6

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Gavin quase interrompeu o beijo, mesmo antes de começar. O problema era que ele nunca deveria ter começado. Fora de alcance. Ele se recordou das próprias razões que havia ela-borado mentalmente para justificar os motivos de não se en¬volver sexualmente com Lauren. Contudo, os lábios entreabertos e convidativos o excitavam demais e ele preferiu calar a voz interior que o alertava. Com as palmas das mãos, ele adequou o rosto dela de maneira a conseguir aprofundar o beijo. Em resposta, Lauren gemeu e ergueu os braços para enlaçar o pescoço de Gavin. Seus corpos se aproximaram até o ponto em que os seios fartos e o abdômen proeminente se colaram ao peito amplo e poderoso.
Aquela era uma experiência inédita, Gavin tinha de admi¬tir. Alguém se interpunha literalmente entre eles, unindo-os. Por um instante, ele afrouxou o abraço, agindo de maneira protetora com o bebê da mesma forma como fazia com Lau¬ren. Também havia outra coisa: Gavin adorava passar as tar¬des com Lauren, mas não gostava que as noites sempre terminassem com um beijinho rápido na porta da cabana. Por outro lado, ele a conhecia apenas há alguns meses. Um pou¬co mais tempo do que conhecia Helena quando lhe propuse¬ra casamento. Será que estaria pensando em cair na mesma tolice? Será que estava se precipitando outra vez? Gavin não queria pensar dessa maneira. O problema era que não conse¬guia raciocinar direito enquanto beijava Lauren e a mantinha em seus braços.
Precisava parar com aquilo e se acalmar, até que tivesse certeza de que não estaria cometendo o mesmo erro outra vez. Ele lhe dissera que pretendia se casar novamente quando o tempo passasse e a mulher certa aparecesse. E se Lauren significava a mulher certa, então só restava aguar¬dar pelo tempo. E, até que todos os obstáculos fossem re¬movidos, o melhor seria que prosseguissem apenas como amigos. No mesmo instante em que Gavin chegou àquela conclusão, Lauren se libertou dos braços dele e recuou um passo.
— Oh, meu Deus! — ela exclamou e depois cobriu a boca com a palma de uma das mãos.
O olhar de horror que ela exibia arrefeceu o ânimo de Gavin, como se ele tivesse recebido um balde de água fria na cabeça.
— Desculpe-me, eu não queria fazer isso. Quero dizer... Eu queria, mas não deveria — ele murmurou confuso.
A resposta dela o surpreendeu.
— Acontece que eu correspondi ao seu beijo — ela con¬fessou.
— Está tudo bem.
— Não. Não está.
— Por favor, não quero que fique aborrecida comigo por causa de um beijo — ele pediu em tom de arrependimento.
— Eu... Eu não estou aborrecida por causa do beijo, Gavin.
Contudo, ele notou que ela estava pálida e as mãos trêmulas.
— Então por que está tão assustada?
— Porque eu me dei conta de que gosto muito de você.
— O mesmo acontece comigo, Lauren.
Ele imaginou que ela fosse sorrir, porém, Lauren sacudiu a cabeça e começou a dizer:
— O problema é que precisamos de tempo...
Ele a interrompeu:
— Eu sei disso, Lauren. Ambos temos que avaliar com calma a nossa situação. E também existem prioridades. — Ele concluiu com um olhar significativo na direção do ab-dômen proeminente. — Ainda não estamos preparados para um relacionamento sério, mas podemos continuar amigos.
A última palavra proferida ocasionou um gosto amargo na boca de Gavin, porém, se a melhor solução fosse pros¬seguir com aquele amor platônico, ele estava disposto a aceitar.
Para surpresa dele, Lauren meneou a cabeça.
— Eu acho que será melhor eu me mudar para outro lugar.
— Mudar? Por causa de um beijo? Até parece que dormi¬mos juntos ou coisa parecida!
— Parece que é isso que Holden está considerando.
— O que disse?
— Ele está alegando que eu fui infiel durante o casamento e pedindo que o divórcio seja fundamentado em adultério. E acho que Holden está considerando que você seja o meu amante.
— Isso é ridículo! Nós nunca fizemos nada! Bem, pelo menos nada como isso — Gavin acrescentou.
— Eu não entendo porque Holden está fazendo isso comi¬go. Eu nunca fui uma mulher infiel, e ele até está requerendo um teste de paternidade para o bebê.
— Mas que filho da... — Gavin se impediu de completar a frase, como também os demais adjetivos que pretendia di¬zer. — Eu já sei o que ele está fazendo, Lauren. Quer assus¬tá-la porque pretende receber algo em troca.
Lauren friccionou os braços como se estivesse sentindo frio.
— Acho que você tem razão. Ele afirmou que tem fotos que podem provar a minha infidelidade. Eu não posso ima-ginar que fotos seriam essas, mas tenho a impressão de que alguém nos fotografou juntos.
— Fazendo o quê? — ele argumentou quase gritando. — Dando uma caminhada? Sentados na cadeira de balanço da varanda e conversando? Nós não fizemos nada que pudesse comprometê-la!
— Nós nos beijamos antes — ela o lembrou. — Não com a intensidade de hoje... Mas em uma foto...
Gavin teve a impressão de que Lauren estava certa. E não gostava nem um pouco de saber que alguém havia invadido a sua privacidade e transformado o inocente relacionamento que mantinha com Lauren em algo sórdido. Ele precisava ter uma conversa com Holden Seville, mas no momento, tinha de tranquilizar Lauren. Detestava vê-la tão agitada. E isso não faria bem para o bebê.
— Não se preocupe. Vai dar tudo certo. Holden apenas está fazendo barulho.
— Eu sei. Entretanto, ainda acho que devo me mudar da cabana. Não é justo que você tenha que suportar isso.
— Deixe que eu decida o que é justo ou não para mim.
— Mas...
— Se Holden quer me arrastar nisso, problema dele. — Se fosse preciso, Gavin contrataria um advogado e processaria Holden por difamação. — Eu não sou culpado de nada e nem você.
— Isso não é completamente verdadeiro — Lauren mur¬murou. — Eu me sinto culpada por algo que aconteceu quan¬do você me beijou agora pouco.
Ele estreitou o olhar e sentiu o coração se acelerar com receio do que pudesse ouvir. Finalmente, Lauren esclareceu:
— Eu me sinto culpada por ter sentido algo que nunca senti com Holden. Nunca!
Gavin engoliu a saliva para umedecer a garganta resseca¬da pela emoção. De que maneira eles poderiam prosseguir como amigos depois daquela revelação?
— O que acabou de me dizer pode complicar nossa situação.
— Eu sei — ela admitiu.

Durante o jantar daquela noite, Lauren permanecia pensativa enquanto brincava com o garfo na porção quase intocada da carne assada com legumes que mantinha no prato.
— O assado não está bom? — Gavin perguntou no instan¬te em que a viu afastar o prato para um lado.
— Co... Como?
— Eu perguntei se o assado não está bom — ele repetiu.
— Oh, não! Está delicioso! Acontece que estou sem ape¬tite. Sinto muito.
— Você ligou para o advogado? — Era o que Gavin lhe sugerira no caminho para o consultório médico e Lauren ha¬via prometido que faria isso assim que retornassem para casa.
— Não. Eu não estava com disposição para tocar nesse assunto. Amanhã eu farei isso.
— Você precisa realmente falar com ele. É para isso que está pagando um advogado. Ele tem a obrigação de se preocupar com uma maneira de solucionar seus proble¬mas.
— Sei disso. Sinto muito.
— Você não tem que se desculpar a todo instante! — ele protestou com mais severidade do que pretendia. E, procurando moderar o volume da voz, prosseguiu: — Você está sempre dizendo que sente muito por coisas sem importância!
— Eu sin... — ela quase repetiu a palavra outra vez. En¬tão, com um suspiro, justificou: — Acho que se tornou um hábito inconsciente.
— Eu sei. — Ele limpou a garganta com um ruído antes de dizer o que achava do seu comportamento. — Tenho a impressão de que muitas pessoas na sua vida fizeram com que você se sentisse na obrigação de ser perfeita e polida o tempo inteiro. E quando você acredita que não se comportou da maneira certa, deve pedir desculpas. Bem, apenas para que saiba, não espero que você seja gentil o tempo inteiro. Você tem o direito de se sentir distraída, cansada, assustada, confusa, frustrada, irritada ou qualquer outra coisa de vez em quando. Essas emoções fazem parte de nossa experiência como seres humanos.
Lauren ficou calada por algum tempo. Então admitiu:
— Meus pais detestavam dramas.
— A vida é um drama — ele disse encolhendo um ombro. — Às vezes pode ser uma comédia. E, se houver sorte, um pouco de cada.
Lauren sorriu. Em seguida prosseguiu com sua história:
— Meus pais não permitiam que eu erguesse a voz em hipótese alguma. Eles consideravam que gritar significava perda de controle. Minha mãe é psicóloga.
Ele meneou a cabeça discordando daquela orientação.
— Na minha casa costumávamos realizar a festa do grito de vez em quando. Meus pais não permitiam que durasse muito tempo para não perturbar os vizinhos. Mas eles deixa¬vam que a gente desabafasse a raiva quando era necessário. Depois entravam na sala e pediam que a gente explicasse de maneira racional o que estava errado. Todos colaboravam para encontrar a solução. — A lembrança fez com que Gavin sorrisse sem perceber.
— Parece que seus pais agiam de maneira democrática.
— Nem tanto. No final, a palavra deles era a que sempre prevalecia. Mas, ao menos, escutavam o que a gente tinha dizer.
— Eu não podia falar sem que fosse perguntada e nunca deveria interromper a conversa dos adultos. Não era permiti¬do que eu discordasse dos meus pais e eles nunca levavam em conta a minha opinião em qualquer problema que se pas¬sasse em casa.
— Então a única coisa que aprendeu foi a se desculpar? Ela assentiu.
— E o que eles faziam quando você se rebelava ou agia de maneira inconveniente? Por acaso não lhe davam uns tapas?
Ela deu um riso de ironia.
— Não. Lembra-se de que eu lhe disse que meus pais de-testavam fazer drama?
— Então o que eles faziam?
— Apenas me ignoravam. Isso até pode não soar como uma punição, mas era. Principalmente porque eles já agiam normalmente como pais frios e distantes. Muitas vezes, eu chegava até a desejar que eles me dessem uma surra. Seria menos doloroso. Quando nos sentáva¬mos à mesa para o jantar ou quando nos cruzávamos no hall de entrada da casa, eles não falavam comigo e nem mesmo me olhavam nos olhos. Isso perdurava por dias. Houve uma ocasião que chegou quase a duas semanas de indiferença. Eu me sentia como se fosse invisível.
Gavin se ergueu da cadei¬ra que ocupava e aproximou-se de Lauren. Apanhou as mãos dela entre as dele e declarou:
— Você não era invisível. Seus pais é que eram cegos, como Holden também. Eu a enxergo muito bem.
— Obrigada, Gavin.
— Não quero que você me agradeça, Lauren. Está me ou-vindo? Não espero a sua gratidão. Não precisa ficar se des¬culpando o tempo todo e não precisa ser grata porque eu a trato da maneira como você deve ser tratada. A maneira que você merece ser tratada.
Ele moveu as mãos para o rosto dela e suavemente afogou-lhe o rosto entre as palmas imensas. Por um instante pensou em beijar-lhe os lábios da mesma maneira como ha¬via feito na cabana. Mas reprimiu o desejo pelo bem de am¬bos e recolheu as mãos. Depois começou a andar na direção da cadeira que antes ocupava.
— Ai!
Ao ouvir o gemido de Lauren, ele estacou e girou o corpo rapidamente. O fato de ver que ela estava sorrindo acalmou as batidas aceleradas do seu coração.
— O que aconteceu? Você está bem?
— É o bebê, venha ver.
Gavin se aproximou dela outra vez e Lauren apenhou-lhe a mão direita e posicionou-a sobre o canto esquerdo do abdômen avolumado. Ele detectou que algo pressionava a pal¬ma de sua mão.
— Você sentiu? — ela quis saber.
— Sim. — Ele concordou com um sorriso. — O que ela está fazendo?
— Pensando que está jogando futebol, eu acho — Lauren gracejou. — Ele ou ela anda muito ativo nos últimos dias.
— Você poderia perguntar ao médico qual é o sexo do bebê.
— E perder a surpresa? É o que você acha?
— Bem, eu não sou muito fã de surpresas.
Embora ele não tivesse dito, Lauren sabia que a aver¬são dele por surpresa havia sido adquirida por ocasião do divórcio.
— Eu também não gostava de surpresas, até o dia em que descobri que estava grávida. E essa foi a melhor das notícias inesperadas que já tive. Agora eu adoro surpresas.
— Bem, seja menino ou menina, trata-se sempre de um presente divino.
O toque de Gavin em seu abdômen e as palavras gentis que ele sempre usava, fizeram com que Lauren inconscien¬temente desejasse uma coisa que jamais seria possível: ela gostaria que Gavin fosse o pai do bebê, e não Holden.
— Você não me contou como foi a consulta de hoje — ele perguntou no instante em que tornou a se acomodar em sua cadeira.
— O dr. Fairfield disse que o bebê está se desenvolvendo de acordo com o esperado..
— E com você? Também está tudo bem?
— Mais ou menos.
— Mais ou menos? O que isso significa exatamente?
Ela apertou o guardanapo que estava próximo de sua mão direita, antes de admitir.
— A minha pressão sanguínea estava um pouco elevada quando a enfermeira a mediu. Provavelmente deve ser pelo estresse.
— Esse foi o diagnóstico do médico ou é seu? Ela suspirou.
— Na verdade é meu. Mas o doutor concordou que o es¬tresse pode ser o vilão da história.
— E o que ele sugeriu?
— Por enquanto, nada. Contudo, apenas por precaução, ele pediu para que eu o visitasse novamente na próxima semana.
— Eu a acompanharei nessa consulta — Gavin anunciou. E antes que ela protestasse, ele acrescentou: — Mas não pre¬tendo deixá-la na porta como nas outras vezes. Eu quero en¬trar no consultório com você e falar pessoalmente com o dr. Fairfield para saber o que ele pensa e o que pretende que você faça.
Lauren sentia-se muito preocupada e realmente aprecia-ria que alguém estivesse ao lado dela na próxima consulta. E, para ser honesta consigo mesma, Lauren tinha que admi¬tir que gostaria que esse alguém fosse Gavin. Mas preferiu dizer:
— Não há necessidade de você...
— Há, sim! Você não vai passar por isso sozinha! — E baixando o tom de voz até quase se tornar um sussurro, pe¬diu: — Eu quero estar lá com você. Por favor, Lauren, dei¬xe-me fazer isso.
Ela poderia ter argumentado. Talvez devesse. Porém esta¬va farta de se mostrar corajosa e fingir que não se sentia amedrontada. Ela sabia que era uma mulher forte, mas gos¬tava de se dar ao luxo de ter alguém em quem se apoiar de vez em quando.
— Certo — Lauren concordou. — Eu pretendia dizer "obrigada", porém fui instruída a não fazer isso — ela brincou.
Gavin sorriu.
— Quem disse que você não aprende rápido?
Ele esperava que tivesse de convencê-la por um longo tempo. Lauren costumava ser teimosa, às vezes. E o fato de ela ter cedido tão facilmente demonstrava o quanto precisa¬va de alguém ao seu lado. Apesar disso, um pouco mais tar¬de, ela insistiu que Gavin não precisava acompanhá-la até a cabana.
— Eu posso ir sozinha — ela afirmou no instante em que ele apanhara do cabide posto no hall o casaco dela e o dele.
— Mas...
— Por favor, Gavin. Vamos nos despedir aqui mesmo.
Ele suspirou contrariado, mas acabou concordando e per-mitindo que ela voltasse sozinha para a cabana. Depois de acender as luzes do terraço, acompanhou-a com o olhar até que ela cobrisse a curta distância com passos apressados e desajeitados. No caminho ela olhou várias vezes na direção do pomar, provavelmente para se assegurar de que não havia nenhum fotógrafo escondido por ali.
Gavin  não  poderia  culpá-la.  Inúmeras vezes ele se surpreendera fazendo a mesma coisa.









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