Marcas de Fé: Resquícios de Inquietação

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Ofegante, Milshia acordou. A testa suada respingava na coberta e o coração disparado demonstrava aversão às recordações do passado. Procurou seus óculos numa banqueta próxima à cama, semelhante a um toco de árvore. Afastou a manta feita de seda e caminhou até a janela. Contemplando a cidade com raios calorosos, o sol acompanhava parte da jubilosa população que se deslocava rumo aos serviços.

Uma mescla de idosos e jovens formava um aglomerado de pessoas bem-humoradas. Galanthnaes, construída por um povo adorador da natureza, esbanjava beleza por suas edificações desenvolvidas atrás das árvores aaphanis. Uma sociedade consolidada, invejada por muitos. Eles nutriam carinho pelo mundo, cultivando o amor no simples cuidar do ambiente, promovendo uma simbiose com a magia impregnada no arredor, intensificando seus dons mágicos, benção que julgavam ser proveniente da natureza viva.

Milshia consolou-se com a vista, apaziguando as agitações internas. Trocou-se, vestindo o traje, não esquecendo seu admirável chapéu e o impetuoso cajado que já lhe acompanhara em diversos confrontos, fiel amigo e defensor.

Lembrou-se do encontro que teria com o Sacerdote Emphis. A maioria dos que ali viviam tinha uma característica em comum com a maga: as orelhas pontudas, em virtude do sangue élfico que percorriam suas veias. Como um porto para os elfos da região, a cidade também acolhia demais raças que almejavam paz e novos recomeços em meio à natureza.

Cruzando as pontes que interligavam as árvores após sair da pousada, ela avistou rostos familiares, gratificando-se por notar que sua ausência no decorrer daqueles últimos anos não lhe conferira um exílio voluntário, pois havia sido bem recepcionada por muitos. Circulou a cidade, alcançando uma construção com janelas altas e finas. Sobre a porta, um sino dourado esperava o momento que exerceria sua função e anunciaria o início de ritos. Conhecido como Templo de Vanara, lá os elfos revigoravam os espíritos e confessavam seus receios.

Dois guardas que portavam lanças em suas mãos a recepcionaram e sinalizaram para que ela aguardasse enquanto um deles comunicava, no interior do templo, sobre a aguardada chegada. Após instantes, foi convocada por um senhor careca de barba branca que vestia um robe todo detalhado com inscrições rúnicas.

— Minha jovem, alegro-me por tê-la como visita nesta humilde manhã — disse ele, de braços abertos.

Após um longo abraço, o perfume de carvalho do sacerdote fixou-se na roupa dela. Milshia agradeceu pela oportunidade do encontro, a jornada pelo mundo não lhe conferia a chance para pausas.

— Os ventos são incertos, no entanto, sempre nos trazem de volta para onde pertencemos, senhor Emphis — comentou ela, citando os ensinamentos do ancião.

— Recorda-se das aulas, minha cara. Pois bem, adentre! Teremos uma longa discussão. — Abriu espaço para que ela prosseguisse.

Ajeitaram-se em um banco próximo do altar, no qual era possível observar a estátua de Vanara, um líder espiritual que dedicara sua vida para a criação de laços de paz e harmonia entre elfos e outras espécies nos primórdios dos tempos. Época em que as trevas vagavam, seduzindo inocentes para a fatídica armadilha do pecado, consumindo a esperança. Era denominada pela história como Primeiro Ciclo.

Nostálgica era a sensação abaixo de sua pele. Como os de uma criança, seus sentimentos gritavam por se conceder o presente de frequentar novamente o Templo. Após anos de viagem, pouco imaginara que a saudade se manifestaria tão intensamente. Via-se perambulando pelos corredores do templo, agitada, enquanto os tutores lhe seguiam para repreender a indelicadeza de uma pequena malcriada. "Tempos de ouro", ela pensou.

Chamas brancas bruxuleavam dos castiçais e tochas iluminavam o Templo, dádiva concebida pelo próprio Vanara, que ensinara os devotos como invocá-las. O fogo lhe acolhia enquanto apreciava-o.

Crônicas de Ríthia - Vol. 1 (Pergaminhos do Multiverso)Onde histórias criam vida. Descubra agora