Marcas de Fé: Despencar Vermelho

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Desacordada, a sensação de maciez contradizia o receio que percorria suas veias. Num pulo frenético, quase bestial, seu corpo se remexeu violentamente, enquanto a anestesia tinha seus efeitos expurgados, devolvendo os sentidos.

Milshia tateou o chão, procurando por seu cajado. Desesperadamente, seus dedos caçavam a defesa que lhe garantia confiança. Com dificuldade, alcançou sua amada arma. Lentamente, imagens borradas de quando despencava refletiam em sua mente, débil pelo ataque inesperado. Sentou-se, segurando os próprios joelhos, e assim permaneceu, com a visão turva. Colocou a mão em sua cabeça, notando a ausência dos óculos e do singular chapéu. Encarou o céu formado pelas copas das aaphanis, com o azul ofuscado pelo verde vivo. Calculou a distância, cogitando como poderia ter sobrevivido a uma queda tão brutal.

Estava desatenta quando alguém se aproximou dela, tocando seu ombro com dedos tão delicados. Movendo o rosto em direção ao desconhecido, estranhou a jovial presença atrás de si, segurando o chapéu e os óculos, como alguém que tinha encontrado um tesouro.

— Senhora... acredito que isso seja seu — disse a garota, incapaz de olhá-la nos olhos, estendendo os ornamentos em direção à dona. — Caiu um pouco distante do ponto de impacto, mas vi a rota e encontrei em meio aos arbustos.

— Obrigada, meu doce. — Milshia segurou os itens recuperados, com um sorriso cintilante. — Se me permite, o que uma garota tão jovem faz aqui no solo? Você viu o que aconteceu enquanto eu despencava?

— Venho coletar ervas para meus estudos. — Apontou a menina para uma cesta a alguns metros de distância. — Enquanto caía, supliquei às flores para lhe confortar.

Com simples gestos, a garota, também elfa, era capaz de manipular as plantas. Menina prodígio, pensara Milshia, identificando grande potencial mágico nela por controlar a flora ao redor, tão nova.

Levantando-se, a maga caminhou, encostando-se no tronco da árvore e ali permaneceu por um tempo, causando curiosidade em sua salvadora, que lhe interrogou.

— Preciso reabastecer meus poderes. Meus sentidos não estão no máximo potencial — justificou Milshia, cutucando pequenas lascas da árvore. — Aaphanis são conhecidas por absorver o aether presente no ambiente. Extrair pequena parcela dessa energia me auxiliará na recuperação.

Entusiasmada, a pequena loura sugeriu um chá que poderia ser feito com algumas das ervas coletadas. Todavia, a maga dispensou o apoio sem mais alegações. Acariciou os lisos cabelos claros da pequena, afirmando que ela era uma boa pessoa e que deveria continuar assim, pois havia aqueles que ousavam instaurar o caos pelo mundo.

— Já ouviu falar da Renascença de Nabolus? Minha queda é obra deles. Por favor, tenha cuidado, eles espreitam a cidade — comentou a maga, analisando o cenário.

— Aqueles mencionados nos livros? As sombras dos amargurados? Que se alimentam da destruição? — interrogou a menina, com olhos esbugalhados e mãos sobre a boca.

— Aqueles mencionados nos livros? As sombras dos amargurados? Que se alimentam da destruição? — interrogou a menina, com olhos esbugalhados e mãos sobre a boca

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Afirmando com a cabeça, a menina correu até a cesta, justificando que tinha que partir. Milshia a acalmou, porém, partiu em seguida. Como despedida, apenas levantou o braço.

Confusa, a loirinha ali ficou. Escutou um pisar na grama e, antes que pudesse falar algo, uma elfa loira, notavelmente semelhante a ela, a agarrou pelos braços, fitando o caminho pelo qual a moça que caíra seguira.

— Eu solicitei para que ficasse afastada...

***

Distante, Milshia subia a escada, apoiada no tronco. Segurava o cajado, com uma força raivosa. Ansiava em gritar. Remoía o fato de que a Renascença estava um passo à sua frente. Tinham lhe alcançado. Questionava quando se tornara tão frágil àquele ponto.

Ressentida por essas emoções negativas, sua espinha gelava. Jurara que os desbancaria. Espelhando-se na vocação de Vanara, zelaria pela harmonia entre os povos, dedicando parte de sua vida para erradicar os impuros. Assim que retornasse à cidade, enviaria um comunicado para Emphis sobre a chegada da Renascença.

Ofegante pelo desgaste causado pelo envenenamento de sua mente, cada degrau subido era uma sina, por mais que ela tentasse se convencer que não. Parou por um momento, recitando encantações lhe ensinadas nas primeiras primaveras junto ao Templo de Vanara, um truque para focar a mente. Ainda persistia a tocar a árvore.

Longo fora o trajeto. A noite já pairava no céu, cobrindo o sol e substituindo o azulado por feixes roxos e alaranjados. O crepúsculo trazia consigo a mensagem de perigo. Sabia dos costumes do inimigo em banquetear-se na mais fria escuridão. Inquieta, retornou para o quarto de sua hospedagem e presenciou guardas particulares do Templo interrogando os funcionários. Cansada, apenas solicitou papel e tinta, exigindo que a carta escrita fosse entregue para Emphis.

Questionada sobre o que faria, Milshia resmungou, batendo a mão no peito, declarando que pouco se submeteria a tamanha humilhação.

— Leve meu recado para ele. Apenas assim seremoscapazes de interromper o avanço da Renascença de Nabolus — ordenou ela, rumo à entrada.

Crônicas de Ríthia - Vol. 1 (Pergaminhos do Multiverso)Onde histórias criam vida. Descubra agora