Capítulo Vinte

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Me sento, parado. 

As neves derreteram. As árvores têm folhas novas, e o campo lá fora da caverna está vazio. 

Completamente vazio. 

Em minhas mãos está um dos triângulos de couro que Ji envolvia em torno de Joo para mantê-la de ficar muito suja quando se aliviava. Na minha mente estão todas as minhas memórias dela – como ela cheirava depois que Ji limpava a poeira e sujeira fora de seu rosto, o jeito que ela rolava fora das peles para tentar chegar onde queria ir e como ela se sentia segura deitada em meus braços. 

Eu deveria estar caçando e coletando alimentos, mas não posso fazer nada além de sentar no chão e assistir por algum sinal de minha filha. 

Não há nenhum. 

— Jun? 

Eu olho para cima em direção a caverna até meu companheiro. Ele chamou por mim antes, mas eu não me mexi para voltar para dentro. Ele se aproxima e estende a mão para mim. Nossos dedos enrolam juntos, e eu me movo de joelhos, olhando para fora sobre o campo vazio de novo. 

Vazio. 

Completamente vazio. 

— Joo? — eu viro meus olhos para Ji e vejo a cor de âmbar escuro que tinha vivido nos olhos da nossa filha, assim como os olhos do homem que a levou embora. 

Ji faz sons suaves e corre os dedos em meu cabelo. Está ficando muito longo novamente, e eu me pergunto se ele vai me fazer ficar parado tempo suficiente para cortá-lo mais curto. Eu acaricio minha cabeça contra seu estômago com os olhos fechados, apenas sentindo o perfume de sua pele por um tempo. 

Quando abro meus olhos novamente, eu me concentro em três linhas pequenas que embelezam a pele de Ji ao longo de seu abdômen. São marcas que sobraram de quando ele tinha Joo dentro dele. Eu estendo a mão com um único dedo e corro por elas lentamente, uma por vez. Quando eu olho para ele de novo, as bochechas de Ji estão molhadas. 

Eu não tentei colocar outro bebê em Ji desde que Joo desapareceu do campo na minha frente. Eu também não comi ou dormi muito. Ji tentou me arrastar até o lago uma vez, mas eu me recusei a entrar na água, e eu não queria tentar pegar algum peixe. Eu só ficava sentado sobre as rochas e esperava ele estar pronto para voltar para a caverna. 

Enquanto eu continuo a olhar para Ji, os sentimentos de tristeza e medo que tomaram conta de mim desde que Joo desapareceu parecem torcer dentro de mim até que sejam substituídos com vergonha. Na minha própria dor, eu não tenho sido um bom companheiro para Ji. 

Meu nariz corre sobre cada uma das pequenas linhas quando pensamentos de seu estômago cheio enchem minha cabeça. É primavera, e eu deveria estar caçando para cuidar do meu companheiro. Eu deveria estar recolhendo madeira e reabastecendo o buraco acima da caverna. Eu deveria estar fazendo uma armadilha para animais de grande porte para que eu possa substituir o couro e as peles que se tornaram gastas com a idade. 

Olhando para cima em Ji, eu posso ver a sua tristeza por Joo mas também sua preocupação por mim – por nós. Eu deveria estar provendo Ji. Eu deveria estar protegendo-o. Eu devia estar tentando dar-lhe um outro bebê para ajudar a aliviar a dor de perder o nosso primeiro. 

Joo se foi, mas Ji é jovem e forte. Vou colocar um outro bebê dentro dele, e eu vou ter a certeza que quando eu fizer isso, haja bastante comida e outros suprimentos para manter Ji saudável, enquanto ele carrega outra criança. 

Eu me levanto e pego Ji em meus braços. Ele solta um pouco de grito de surpresa, o que me faz sorrir. Me lembro de quando ele fez isso antes e esperei para ver se ele faria o som não. 

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