Capítulo 4

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   - Essa viagem vai durar quantos dias? – Minha mãe pergunta quando eu a informo sobre a viagem para Morro de São Paulo.

   - São cinco dias. A gente vai na quinta e volta na segun... – Alguém bate na porta. – Deixa que eu abro.

Enquanto minha mãe vai se juntar ao meu pai na cozinha, eu levanto do sofá e vou abrir a porta para Mateus. Ele insistiu em conhecer os meus pais mesmo sem completarmos sequer uma semana de namoro. Vejo que ele trouxe outro buquê de flores. O que esse menino tem com flores? É dono de uma floricultura? Meu pai vai amar porque ele é apaixonado pelo cheiro de flores mas minha mãe tem alergia, então elas vão acabar no lixo.

   - Oi, Mateus! Pode entrar. – Eu o abraço e dou espaço para ele passar. - Você está bem? Está nervoso? – Eu pergunto quando percebo a cara apreensiva dele.

   - Não. – Ele nega muito exageradamente para ser verdade. – Tudo bem, talvez. Um pouco.

   Eu pego sua mão e o guio até a cozinha, onde minha mãe já está sentada na mesa e meu pai está do lado do forno esperando a lasanha ficar pronta.

   - Então esse é o famoso Mateus! – Minha mãe diz, porém a primeira vez que meus pais ouviram falar sobre Mateus foi hoje 40 minutos atrás quando avisei que ele estava vindo. Eles sempre apostaram que eu e Cecília acabaríamos namorando.

   Minha mãe o abraça e o convida para se sentar à mesa.

   - Bem-vindo, Mateus! – Meu pai grita do outro lado da cozinha.

   - Obrigado, senhor Márcio.

   - Nada de "senhor" aqui, garoto! – "Senhor" Márcio avisa. - Nos chame de Cristina e Márcio.

   - Você é novato, não é, Mateus? Está gostando da cidade? – Minha mãe começa o interrogatório.

   - Sou. Cheguei aqui em Ribeirão Franco no início do ano. Estou gostando da cidade. Claro que sinto falta da minha mãe e dos meus amigos, mas acho que estou me adaptando bem.

   - Qual é o nome do seu pai? Onde ele trabalha? Essa cidade é um ovo, então vai que eu conheça ele!

   - João Ferreira. Ele e minha madrasta abriram uma floricultura na ali na Rua Miguel XVIII.

   Nesse momento, pedi desculpa mentalmente por ter rido antes por ter achado que eles teriam uma floricultura. E eles realmente têm uma floricultura. Nada contra floricultura e quem trabalha nelas. O meu problema é com flores. Eu não gosto de receber flores. Mas nada contra o comércio, tá?

   - Falar em madrasta... Além de você, seu pai e sua madrasta, tem mais alguém que mora com vocês? – Dona Cristina continua o interrogatório e eu já estou ficando sem paciência quando percebo que a lasanha do meu pai ficou pronta.

   - O Pietro, filho da minha madrasta, também mora com a gente. Ele até namora com a sua sobrinha Laís. - Mateus responde e o queixo da minha mãe cai quando ela se vira para mim.

   Enquanto isso, meu pai se aproxima da mesa e posiciona a lasanha no centro. Um silêncio paira no ar e ele o quebra quando se vira pra mim com uma cara de decepção e pergunta:

   - Laís é... Laís é... – Ele diminui o tom de voz e chega mais perto. – ...Hétero?

*****

   Essa provavelmente foi a noite mais chata da minha vida inteira. Meus pais são muito engraçados e sempre conseguem deixar o ambiente leve e divertido, mas dessa vez, não houve salvação. Nenhum assunto surgia e quando surgia acabava rapidamente. As últimas horas foram cheias de risadas falsas e sorrisos amarelos.
   Estamos todos na sala. Eu estou meio deitada no peito de Mateus, que entrelaçou seus dedos nos meus e está fazendo carinho no meu cabelo com a mão livre. Meus pais estão no outro sofá, em frente ao nosso, sentados juntinhos, fofocando sobre alguma coisa. A TV está ligada no BBB e esse jantar só não tá mais chato que a festa deles.
   A coisa mais interessante da noite foi quando Cecília, que tem uma cópia da chave, veio comer um pedaço da lasanha porque, segundo ela, dava para sentir o cheiro do outro lado da rua.

   - Thalita, essa casa ainda é sua. Vem colocar comida para a visita. – Ela diz se referindo a si mesma. – Seu carrapato pode vir também. – Agora ela está se referindo ao meu adorável namorado.

   Mateus se levanta antes de mim e percebo que eu não era a única que estava achando a noite insuportável. Vamos todos para a cozinha e consigo convencer Cecília a comer a lasanha aqui, e ela aproveita para esquentar o macarrão que sobrou do almoço. Enquanto esperamos o micro-ondas, ela pergunta:

   - Como está sendo a noite? Gostou dos seus sogros, Mateus?

   - Eu gostei deles, mas não sei se eles gostaram muito de mim. – Ele faz uma cara triste que mais parece uma careta.

   - O problema não é você. Eles só gostam mais de mim, e vamos concordar que ninguém chega aos meus pés. – A comida fica pronta.

   - Será que é porque eu sou homem?

   - Nem vem com esse papo, Mateus. – Digo sem nenhuma paciência.

   Ficamos todos em silêncio até o celular de Mateus começar a tocar.

   - É o Pietro. Já volto. – Ele diz e sai da cozinha.

   Olho para Cecília e ela está com uma cara engraçada.

   - O que foi?

   - Nada. – Continuo encarando-a e levanto uma sobrancelha. – É só que o clima estava meio tenso, né? Vocês mal conversavam, ou sequer se olhavam direito.

   - Impressão sua. – Eu digo e caminho até o seu lado.

   - Não! – Ela grita quando eu tento beliscar um pouco da lasanha. – Você sabe o quanto eu amo lasanha com macarrão.

   - Para de ser egoísta, garota. – Pego o garfo de sua mão e ponho na minha boca.

   - Eu te odeio.

   - Odeia nada.

   - Odeio sim. Mas, se você me der um beijo, talvez te odeie um pouquinho menos. – Ela faz um biquinho e eu beijo sua bochecha. – Mesmo com esse beijinho mixuruca, a gente tem mais química que você e aquele carrapato.

   - Para de chamar ele de carrapato. – Reclamo mas mesmo assim dou risada. – Você e eu temos mais química porque a gente se conhece a mais tempo.

   - Tá. Se você acha. – Ela diz de boca cheia. – Me ajuda aqui.

   O macarrão está caindo de sua boca e ela está toda lambuzada. Resolvo pegar um guardanapo e entregar a ela.

   - Não tem sequer um guardanapo nessa casa. – Digo quando percebo que o pacote de guardanapos está vazio.

   - Então passa a língua aqui para limpar. – Ela propõe brincando.

   - Muito engraçada. – Eu reviro os olhos.

   Molho a ponta do dedo e passo no canto da sua boca para limpá-la. Chego mais perto e nossos olhos acabam se encontrando.
   Minha mão escorrega para sua nuca e eu começo a acariciá-la involuntariamente. Sinto seus pelos arrepiarem e vejo um sorriso se formar em sua boca quando chego ainda mais perto. Ela posiciona as mãos em volta da minha cintura e se levanta da cadeira que estava sentada.
   Consigo sentir seu hálito e sua respiração lenta.
   Se não fosse pelo barulho de algo quebrando, nossos lábios provavelmente encostariam completamente.
   Nos separamos com um pulo.

   - Pietro...é... o Pietro está saindo da casa da Laís e eles vão passar aqui para me dar uma carona. – Ele abaixa para pegar o celular, que estava aos pedaços no chão, e não faz contato visual nem por um minuto. – Já vou, tá? – Fala apressado e se retira mais apressado ainda.

   - Vai trás dele, Thalita! – Cecília sacode o meu ombro e me faz acordar para a vida. Decido seguir a sua ordem.

   - Mateus! – O alcanço. – Mateus. Isso realmente não é o que você pensa. A gente... – Ele se vira, olha nos meus olhos e eu começo a gaguejar. – A gente só estava fazendo uma brincadeira. Juro.

   - A gente conversa amanhã, tá? Relaxa. – Ele abre a porta e eu escuto seus passos, mas não vejo a luz de nenhum carro.

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