Capítulo 12

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   Cecília coloca a mão suavemente no meu joelho e eu paro de balançá-lo. Meu pai segura minha mão e a aperta forte.

   - Ceci, obrigado por ficar aqui mas acho que já tá tarde e você deve tá bem cansada. – Meu pai diz. – Não quer ir pra sua casa e descansar? Você deveria ir com ela, filha.

  - Não, Márcio. Tá tu...

   - Cecília. – Corto ela. – Vai. Pelo menos, você pode pegar umas roupas pra a gente e trazer amanhã.

   Ela me encara por um longo período e quase consigo ver as engrenagens rodando em seu cérebro tentando decidir o que fazer. Então pega o celular, disca o número de seu pai e levanta. Imediatamente, sinto sua falta. A falta do seu conforto. E sei que ela também tá abalada, afinal, também era muito próxima da minha avó. Não. Também é. Ela é próxima da minha avó. Agora. No presente.
   A verdade é que queria ficar um pouco só com o meu pai. Sei que ele tá se fazendo de durão mas tudo isso o lembra da morte de seu pai. Ele odeia hospitais desde que é adolescente. Nunca conheci o meu avô, só sei meu pai sofreu muito quando um acidente lhe tirou a vida.

   - Ei! No que você tá pensando?

   - Nada em específico. – Minto. – E você?

   - No dia em que conheci sua avó. – Ele suspira. – Sabia que ela não gostava muito de mim?

   Nego com a cabeça e viro meu corpo em direção a ele pra mostras que estou interessada na história.

   - Ela dizia que eu iria roubar sua mãe dela e ela iria ficar sozinha pra sempre.

   - E meu avô? Onde ele estava?

   - Ah, você não sabe. – Ele se cala por um momento. – Sua avó nunca foi casada. Aparentemente, ela só teve um caso com o pai da sua mãe mas nunca revelou quem era o cara.

   - Como assim? Eu pensei que mainha não falava sobre ele porque ele não tinha aceitado ela ou alguma coisa assim. – Ele balança a cabeça. – Minha vó criou ela sozinha? E depois viveu sempre sozinha naquela casa enorme?

   - Na verdade, sua mãe tinha uma babá que era muito amiga da dona Lúcia. Ela foi como uma mãe, sabe? Morreu logo depois de você nascer.

   - Elas sempre moraram juntas?

   - Acho que sim. – Diz fitando o chão.

   - Pai. – Ele olha pra mim. – Como era o nome dela?

   Não escuto sua resposta, se é que havia uma, pois vejo minha mãe vindo em nossa direção. Nos levantamos, corremos até ela e os três se abraçam no meio do hospital.

   - Ela tá bem, tá lúcida e fazendo piada com os médicos. Vai ficar tudo bem. – Nos soltamos do abraço e ela me encara. – Quer ver ela? Ela só fala sobre como não poderia morrer sem se despedir de você.

   Aceno e, logo em seguida, estou sendo guiada por um corredor gigante e frio até uma sala com um desenho de sapo na porta. Era um desenho que eu havia feito aos 8 anos, acho.

   - Ela implorou pra que colocássemos aí. Disse que seria a forma de identificar que o quarto era dela. – Informou a enfermeira que me acompanhou.

   Giro a maçaneta e a vejo deitada na cama cheia de aparelhos em volta. Mas ela continua cheia de vida. Quando me vê, abre um sorriso que só ela tem.

   - Minha filha, que saudade. Chega aqui pra dar um cheiro na vó.

   Chego mais perto e beijo sua bochecha antes de sentar em uma cadeira que estava ao lado da cama.

   - E aí? Como é que você se sente? – Pergunto.

   - Pronta pra voltar pra casa e fazer um churrasco pra comemorar o fim do seu ensino médio. Como foi a viagem?

   - Ah, foi legal.

   - Não me convenceu. Não vai me dizer que você era a única careta que não se divertiu.

   - Não, não. – Rio baixinho. – Não fui careta. Muito pelo contrário. Até fiquei bêbada.

   - Não acredito! Cadê a Cecília pra te desmentir? – Respiro fundo demais. – O que foi? Brigaram?

   - Na verdade, a gente tá bem. Ela saiu daqui nestante. Só tô preocupada com você, vó. Tá tudo bem? – Procuro sua mão nas cobertas e aperto forte quando encontro.

   - Eu tô ótima. Mas já que você falou nisso, sua mãe não me parece nada bem. – Ela comenta. – As pontas do cabelo meio ressecadas, olheiras fundas, ela tá dormindo bem? – Não me seguro e começo a rir mas ela reclama. – O que foi?

   - Mesmo assim você continua se importando mais com os outros do que com você mesma.

   - É só que... – Seus olhos estão marejados e ela gagueja. – Preciso te contar um segredo, Thali.

   Eu chego mais perto e nada no mundo poderia me preparar para o que estava por vir.
   Minha avó nunca realmente "pariu" minha mãe. Ela encontrou minha mãe na porta de casa. Alguém deixou uma cesta com uma criança recém-nascida dentro e ela resolveu criar como se fosse sua. Porque é. A criança era dela. Pertencia a ela. Sempre pertenceu e o destino sabia disso.

   - Tinha... Tinha uma outra moça que morava comigo também. Ela nunca quis ter uma criança mas acabou concordando. O nosso acordo é que eu seria a mãe e ela ajudaria a criar, mas ela acabou sendo mãe também. Mesmo preferindo o título de babá.

   - Vó... – Pergunto mesmo já sabendo a resposta. – Quem era essa moça?

   - Ela... – Minha avó respira tão fundo que tenho a impressão de que todo o ar da sala se foi. – Ela se chamava Célia e... e nos vivemos uma história como aqueles clichês de livro que você tanto gosta. – Pela última vez em sua vida, ela me observa de cima a baixo e suspira. – Agora é a hora de você viver a sua.

   Quase consigo escutá-la dizendo que minha história é a continuação da sua, mas sinto a força de sua mão se esvair.
   A olho pela última vez e ela parece viva. E sei que ela sempre vai estar.

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