Cecília coloca a mão suavemente no meu joelho e eu paro de balançá-lo. Meu pai segura minha mão e a aperta forte.
- Ceci, obrigado por ficar aqui mas acho que já tá tarde e você deve tá bem cansada. – Meu pai diz. – Não quer ir pra sua casa e descansar? Você deveria ir com ela, filha.
- Não, Márcio. Tá tu...
- Cecília. – Corto ela. – Vai. Pelo menos, você pode pegar umas roupas pra a gente e trazer amanhã.
Ela me encara por um longo período e quase consigo ver as engrenagens rodando em seu cérebro tentando decidir o que fazer. Então pega o celular, disca o número de seu pai e levanta. Imediatamente, sinto sua falta. A falta do seu conforto. E sei que ela também tá abalada, afinal, também era muito próxima da minha avó. Não. Também é. Ela é próxima da minha avó. Agora. No presente.
A verdade é que queria ficar um pouco só com o meu pai. Sei que ele tá se fazendo de durão mas tudo isso o lembra da morte de seu pai. Ele odeia hospitais desde que é adolescente. Nunca conheci o meu avô, só sei meu pai sofreu muito quando um acidente lhe tirou a vida.- Ei! No que você tá pensando?
- Nada em específico. – Minto. – E você?
- No dia em que conheci sua avó. – Ele suspira. – Sabia que ela não gostava muito de mim?
Nego com a cabeça e viro meu corpo em direção a ele pra mostras que estou interessada na história.
- Ela dizia que eu iria roubar sua mãe dela e ela iria ficar sozinha pra sempre.
- E meu avô? Onde ele estava?
- Ah, você não sabe. – Ele se cala por um momento. – Sua avó nunca foi casada. Aparentemente, ela só teve um caso com o pai da sua mãe mas nunca revelou quem era o cara.
- Como assim? Eu pensei que mainha não falava sobre ele porque ele não tinha aceitado ela ou alguma coisa assim. – Ele balança a cabeça. – Minha vó criou ela sozinha? E depois viveu sempre sozinha naquela casa enorme?
- Na verdade, sua mãe tinha uma babá que era muito amiga da dona Lúcia. Ela foi como uma mãe, sabe? Morreu logo depois de você nascer.
- Elas sempre moraram juntas?
- Acho que sim. – Diz fitando o chão.
- Pai. – Ele olha pra mim. – Como era o nome dela?
Não escuto sua resposta, se é que havia uma, pois vejo minha mãe vindo em nossa direção. Nos levantamos, corremos até ela e os três se abraçam no meio do hospital.
- Ela tá bem, tá lúcida e fazendo piada com os médicos. Vai ficar tudo bem. – Nos soltamos do abraço e ela me encara. – Quer ver ela? Ela só fala sobre como não poderia morrer sem se despedir de você.
Aceno e, logo em seguida, estou sendo guiada por um corredor gigante e frio até uma sala com um desenho de sapo na porta. Era um desenho que eu havia feito aos 8 anos, acho.
- Ela implorou pra que colocássemos aí. Disse que seria a forma de identificar que o quarto era dela. – Informou a enfermeira que me acompanhou.
Giro a maçaneta e a vejo deitada na cama cheia de aparelhos em volta. Mas ela continua cheia de vida. Quando me vê, abre um sorriso que só ela tem.
- Minha filha, que saudade. Chega aqui pra dar um cheiro na vó.
Chego mais perto e beijo sua bochecha antes de sentar em uma cadeira que estava ao lado da cama.
- E aí? Como é que você se sente? – Pergunto.
- Pronta pra voltar pra casa e fazer um churrasco pra comemorar o fim do seu ensino médio. Como foi a viagem?
- Ah, foi legal.
- Não me convenceu. Não vai me dizer que você era a única careta que não se divertiu.
- Não, não. – Rio baixinho. – Não fui careta. Muito pelo contrário. Até fiquei bêbada.
- Não acredito! Cadê a Cecília pra te desmentir? – Respiro fundo demais. – O que foi? Brigaram?
- Na verdade, a gente tá bem. Ela saiu daqui nestante. Só tô preocupada com você, vó. Tá tudo bem? – Procuro sua mão nas cobertas e aperto forte quando encontro.
- Eu tô ótima. Mas já que você falou nisso, sua mãe não me parece nada bem. – Ela comenta. – As pontas do cabelo meio ressecadas, olheiras fundas, ela tá dormindo bem? – Não me seguro e começo a rir mas ela reclama. – O que foi?
- Mesmo assim você continua se importando mais com os outros do que com você mesma.
- É só que... – Seus olhos estão marejados e ela gagueja. – Preciso te contar um segredo, Thali.
Eu chego mais perto e nada no mundo poderia me preparar para o que estava por vir.
Minha avó nunca realmente "pariu" minha mãe. Ela encontrou minha mãe na porta de casa. Alguém deixou uma cesta com uma criança recém-nascida dentro e ela resolveu criar como se fosse sua. Porque é. A criança era dela. Pertencia a ela. Sempre pertenceu e o destino sabia disso.- Tinha... Tinha uma outra moça que morava comigo também. Ela nunca quis ter uma criança mas acabou concordando. O nosso acordo é que eu seria a mãe e ela ajudaria a criar, mas ela acabou sendo mãe também. Mesmo preferindo o título de babá.
- Vó... – Pergunto mesmo já sabendo a resposta. – Quem era essa moça?
- Ela... – Minha avó respira tão fundo que tenho a impressão de que todo o ar da sala se foi. – Ela se chamava Célia e... e nos vivemos uma história como aqueles clichês de livro que você tanto gosta. – Pela última vez em sua vida, ela me observa de cima a baixo e suspira. – Agora é a hora de você viver a sua.
Quase consigo escutá-la dizendo que minha história é a continuação da sua, mas sinto a força de sua mão se esvair.
A olho pela última vez e ela parece viva. E sei que ela sempre vai estar.
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Clichês de livros
RomanceAlém de ter que lidar com as complicações que envolvem ser uma aluna de terceiro ano do Ensino Médio, Thalita deve lidar com um namoro que já começou destinado a terminar e com os sentimentos que envolvem a sua melhor amiga, Cecília. A garota que se...