Capítulo 15

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   Não consigo dormir de jeito nenhum. Amanhã saem as notas do ENEM e minha ansiedade está a mil. Ainda não tenho certeza do que quero fazer mas acho que vou colocar psicologia como minha primeira opção porque é a profissão do meu pai e eu tenho uma admiração imensa. Espero que essa admiração vire interesse pelo curso.
   Olho pro lado e Cecília parece estar no décimo sono. A invejo. Sei que sua vida não é perfeita e ela se cobra muito. Mas sou egoísta o suficiente por querer ser tão inteligente e decidida como ela. Eu sequer sei se quero fazer faculdade, mas também não quero não fazer. Deu pra entender?

   - Amor? – Meu coração dá um pulinho ao ouvir aquilo. Ela não me chama pelo nome desde a última semana mas ainda não me acostumei. – Você tá se mexendo muito e puxando a coberta. – Ela diz manhosa mas percebe minha cara de... neurótica? – Tá tudo bem, gatinha?

   - Não. – Solto um suspiro de alívio e fecho os olhos quando ela passa a mão pelo meu rosto fazendo carinho. – Mas não quero falar sobre, tá? – Ela assente com a cabeça.

   Na verdade, eu quero falar mas quero falar com uma pessoa específica. Espero que ela esteja acordada.

   - Vou beber uma água e ver se tem algo na cozinha. Quer alguma coisa? – Ela resmungo e volta a dormir. Dou um beijo em sua testa antes de ir em direção ao escritório do meu pai.

   Ando nas pontas dos pés até que vejo, pela fresta da porta, que a luz está ligada. Bato na porta e meu pai faz um barulho que interpreto como "pode entrar, minha filha querida e problemática".

   - Oi. – Ele diz quando me vê.

   Fazemos esse tipo de reunião pelo menos uma vez por semana desde que tenho uns 10 anos e comecei a ter problemas pra dormir. São os meus momentos preferidos com meu pai. Ele deixa de ser somente o meu pai e age como um profissional. Sei que não é recomendável ter um psicólogo que é próximo de você mas, em minha defesa, eu também faço acompanhamento com uma doutora chamada Paula. Infelizmente, ela não atende às 3 da manhã.
   Olho rapidamente a sala. A mesa com duas cadeiras está na minha frente, a poucos passos de distância. Mas gosto do sofá que fica encostado na parede à minha direita e tem espaço suficiente pra uma pessoa deitar e focar na minha parte preferida do local: o teto.
   O teto tem um céu feito pela minha mãe, que é artista nas horas vagas. É simples mas, de alguma forma, me conforta. Poder sentir minha mãe e meu pai no mesmo lugar e me sentir segura é o que me conforta.

   - Oi. – Respondo e observo ele tirar os óculos. Vejo como seus olhos estão fundos. Sei que andou chorando pela morte da vovó. Vou direto para o sofá e deito mirando o céu desenhado. – Como você soube o que queria fazer?

   - O que queria fazer?

   - Da vida. – O corto. - O que queria fazer da vida.

   - Eu nem sempre soube o que queria fazer da vida. – Não desvio os olhos mas o escuto suspirar. – Só comecei a faculdade de psicologia um pouquinho antes de te adotar. Sabia disso?

   - Não. – Junto as sobrancelhas e olho pra ele pelo canto do olho, mas continuo deitada. – Eu lembro que você fazia faculdade mas sempre pensei que era pós ou alguma coisa assim.

   - Eu comecei e tranquei muitos cursos até começar a cursar psicologia. E eu só soube que realmente gostava do curso no meio do caminho.

   - Então por que começou a fazer se não gostava?

   - Porque eu queria tentar. Fiz vestibular muitas vezes mas nunca tive nenhum curso como foco. Quando entrei na psicologia, demorei um tempinho até perceber que gostava e que queria aquilo pra minha vida. – Ele faz uma longa pausa e se levanta. – O que eu quero dizer é nem sempre o que vai nos fazer feliz é o nosso grande sonho desde criança. Tá tudo bem levar um tempinho pra decidir e descobrir no meio do processo. – Me sento com as pernas cruzadas para lhe dar espaço e ele senta na ponta oposta à minha. – Também tá tudo bem não querer fazer faculdade. Você sabe disso, não é? – Não respondo. – Sua mãe não fez faculdade mas é muito feliz lá na loja. Não é um trabalho considerado o sonho de consumo de alguém, mas sei que sua mãe não poderia sonhar com algo melhor.

   Minha mãe é dona de uma loja de tintas e, mesmo sendo um trabalho simples e aparentemente tedioso, ela é apaixonada. Ela fala sobre as diferentes tonalidades de tintas e sobre as histórias de cada cliente como se fossem as coisas mais interessantes do mundo. Porque são pra ela.

   - Acho que o mundo coloca muita pressão pra nós decidirmos o que queremos pro resto da vida. Além de nos limitar à poucas opções. Nem sempre faculdade é o caminho ideal pra todo mundo. Mas vamos ser realistas. O mundo não é cor de rosa, não é tudo tão fácil. Infelizmente, a gente tem que pensar no dinheiro também. Você tem muita sorte de que essa não é a sua principal preocupação e você não precisa ter pressa pra nada. – Ele me lembra. – Mas essa não é a sua realidade. Você tem o poder de decisão aqui. Você sabe que eu e sua mãe vamos te apoiar em qualquer escolha. Com faculdade ou sem faculdade. Aqui ou em qualquer lugar do mundo. Agora ou depois. Você pode fazer o que quiser da sua vida e eu espero muito que você descubra o que quer um dia. Mas pode ficar tranquila agora. – Meu pai olha para a porta e eu sigo seu olhar. Vejo o rostinho da minha mãe espremido pela porta e sorrio. – Pode fazer burrada, vender arte na praia, se inscrever no BBB, a gente vai estar aqui. Vamos fazer mutirão e camisas com seu nome. – Eu rio e eles me abraçam.

   - Eu amo vocês. – Sinto uma lágrima escorrer pelo meu rosto. – E vou sentir saudades.

   - Isso significa que você tomou alguma decisão? – Minha mãe limpa a lágrima no meu rosto.

   - Talvez.

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⏰ Última atualização: May 27, 2021 ⏰

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