Não consigo dormir de jeito nenhum. Amanhã saem as notas do ENEM e minha ansiedade está a mil. Ainda não tenho certeza do que quero fazer mas acho que vou colocar psicologia como minha primeira opção porque é a profissão do meu pai e eu tenho uma admiração imensa. Espero que essa admiração vire interesse pelo curso.
Olho pro lado e Cecília parece estar no décimo sono. A invejo. Sei que sua vida não é perfeita e ela se cobra muito. Mas sou egoísta o suficiente por querer ser tão inteligente e decidida como ela. Eu sequer sei se quero fazer faculdade, mas também não quero não fazer. Deu pra entender?- Amor? – Meu coração dá um pulinho ao ouvir aquilo. Ela não me chama pelo nome desde a última semana mas ainda não me acostumei. – Você tá se mexendo muito e puxando a coberta. – Ela diz manhosa mas percebe minha cara de... neurótica? – Tá tudo bem, gatinha?
- Não. – Solto um suspiro de alívio e fecho os olhos quando ela passa a mão pelo meu rosto fazendo carinho. – Mas não quero falar sobre, tá? – Ela assente com a cabeça.
Na verdade, eu quero falar mas quero falar com uma pessoa específica. Espero que ela esteja acordada.
- Vou beber uma água e ver se tem algo na cozinha. Quer alguma coisa? – Ela resmungo e volta a dormir. Dou um beijo em sua testa antes de ir em direção ao escritório do meu pai.
Ando nas pontas dos pés até que vejo, pela fresta da porta, que a luz está ligada. Bato na porta e meu pai faz um barulho que interpreto como "pode entrar, minha filha querida e problemática".
- Oi. – Ele diz quando me vê.
Fazemos esse tipo de reunião pelo menos uma vez por semana desde que tenho uns 10 anos e comecei a ter problemas pra dormir. São os meus momentos preferidos com meu pai. Ele deixa de ser somente o meu pai e age como um profissional. Sei que não é recomendável ter um psicólogo que é próximo de você mas, em minha defesa, eu também faço acompanhamento com uma doutora chamada Paula. Infelizmente, ela não atende às 3 da manhã.
Olho rapidamente a sala. A mesa com duas cadeiras está na minha frente, a poucos passos de distância. Mas gosto do sofá que fica encostado na parede à minha direita e tem espaço suficiente pra uma pessoa deitar e focar na minha parte preferida do local: o teto.
O teto tem um céu feito pela minha mãe, que é artista nas horas vagas. É simples mas, de alguma forma, me conforta. Poder sentir minha mãe e meu pai no mesmo lugar e me sentir segura é o que me conforta.- Oi. – Respondo e observo ele tirar os óculos. Vejo como seus olhos estão fundos. Sei que andou chorando pela morte da vovó. Vou direto para o sofá e deito mirando o céu desenhado. – Como você soube o que queria fazer?
- O que queria fazer?
- Da vida. – O corto. - O que queria fazer da vida.
- Eu nem sempre soube o que queria fazer da vida. – Não desvio os olhos mas o escuto suspirar. – Só comecei a faculdade de psicologia um pouquinho antes de te adotar. Sabia disso?
- Não. – Junto as sobrancelhas e olho pra ele pelo canto do olho, mas continuo deitada. – Eu lembro que você fazia faculdade mas sempre pensei que era pós ou alguma coisa assim.
- Eu comecei e tranquei muitos cursos até começar a cursar psicologia. E eu só soube que realmente gostava do curso no meio do caminho.
- Então por que começou a fazer se não gostava?
- Porque eu queria tentar. Fiz vestibular muitas vezes mas nunca tive nenhum curso como foco. Quando entrei na psicologia, demorei um tempinho até perceber que gostava e que queria aquilo pra minha vida. – Ele faz uma longa pausa e se levanta. – O que eu quero dizer é nem sempre o que vai nos fazer feliz é o nosso grande sonho desde criança. Tá tudo bem levar um tempinho pra decidir e descobrir no meio do processo. – Me sento com as pernas cruzadas para lhe dar espaço e ele senta na ponta oposta à minha. – Também tá tudo bem não querer fazer faculdade. Você sabe disso, não é? – Não respondo. – Sua mãe não fez faculdade mas é muito feliz lá na loja. Não é um trabalho considerado o sonho de consumo de alguém, mas sei que sua mãe não poderia sonhar com algo melhor.
Minha mãe é dona de uma loja de tintas e, mesmo sendo um trabalho simples e aparentemente tedioso, ela é apaixonada. Ela fala sobre as diferentes tonalidades de tintas e sobre as histórias de cada cliente como se fossem as coisas mais interessantes do mundo. Porque são pra ela.
- Acho que o mundo coloca muita pressão pra nós decidirmos o que queremos pro resto da vida. Além de nos limitar à poucas opções. Nem sempre faculdade é o caminho ideal pra todo mundo. Mas vamos ser realistas. O mundo não é cor de rosa, não é tudo tão fácil. Infelizmente, a gente tem que pensar no dinheiro também. Você tem muita sorte de que essa não é a sua principal preocupação e você não precisa ter pressa pra nada. – Ele me lembra. – Mas essa não é a sua realidade. Você tem o poder de decisão aqui. Você sabe que eu e sua mãe vamos te apoiar em qualquer escolha. Com faculdade ou sem faculdade. Aqui ou em qualquer lugar do mundo. Agora ou depois. Você pode fazer o que quiser da sua vida e eu espero muito que você descubra o que quer um dia. Mas pode ficar tranquila agora. – Meu pai olha para a porta e eu sigo seu olhar. Vejo o rostinho da minha mãe espremido pela porta e sorrio. – Pode fazer burrada, vender arte na praia, se inscrever no BBB, a gente vai estar aqui. Vamos fazer mutirão e camisas com seu nome. – Eu rio e eles me abraçam.
- Eu amo vocês. – Sinto uma lágrima escorrer pelo meu rosto. – E vou sentir saudades.
- Isso significa que você tomou alguma decisão? – Minha mãe limpa a lágrima no meu rosto.
- Talvez.
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Clichês de livros
RomanceAlém de ter que lidar com as complicações que envolvem ser uma aluna de terceiro ano do Ensino Médio, Thalita deve lidar com um namoro que já começou destinado a terminar e com os sentimentos que envolvem a sua melhor amiga, Cecília. A garota que se...