Capítulo 22

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Atlanta, Estados Unidos - 5 de março de 2008

     Eram apenas 2:43 da manhã quando senti a primeira, não sabia que era tão doloroso até sentir. Não consigo descrever a sensação, finjo que é apenas uma dor de barriga comum porque não sinto que estou pronta para falar disso. Não estou pronta para sentir isso. Quando estudei um pouco sobre embriologia na turma de biologia do primeiro ano não imaginei que experimentaria o desenvolvimento de um bebê tão cedo. Sempre me perguntava se era realmente aquilo tudo que as grávidas viviam dizendo. "Dói, mas vale a pena". Admito que elas não estavam tão erradas quanto eu pensava. Realmente dói. Era só isso mesmo.

     A próxima foi às 3:17 e parece ter vindo um pouco mais forte. Não forte demais, mas o suficiente para me fazer apertar os olhos tentando me distrair. Sinto como se fosse uma criança lamentando pela dor de barriga, mas no meu caso, a dor de barriga não é por excesso de doces. Quando me recomponho, tento não pensar mais nisso. Podem ser só as contrações que todo mundo possui. Tipo, é normal sentir de vez em quando, né? Não sei dizer, mas isso me reconforta por alguns minutos.

     A terceira vem às 3:36. Por que eu estou olhando a hora? Não faço ideia, mas não consigo mais dormir. Penso em coisas aleatórias para tentar esquecer a situação - se é que isso seja possível. Observo a janela atentamente, a pouca luminosidade que entra me faz suspirar e relaxar novamente. A luz da lua passando pelo vidro me deixa tranquila e um pouco sonolenta, sinto que posso dormir de novo. Por um segundo me questiono se aquela claridade vem mesmo da lua, parece muito com a do poste parado em frente à casa. Ainda assim prefiro acreditar que é uma luz natural. Faz algum tempo que não vejo a lua, quando saio da minha casa é para ir ao hospital ou à alguma clínica e normalmente é de dia. De vez em quando Isaac me leva à casa dele só para eu sair um pouco, mas evitamos ao máximo fazer isso desde que minha forma começou a se alterar drasticamente. A barriga atraía olhares não só para mim, mas também para o filho de Michael Daugherty. Chegamos a escutar comentários como "Será que ele a engravidou?" ou "Coitado, parecia ser tão boa influência..." e também "Mas... ela?".

     Na quarta eu não consigo ficar simplesmente deitada, me levanto de vez e solto um murmúrio baixo, não quero chamar atenção, mas ainda assim Helen e Isaac se levantam prontamente dos seus respectivos sacos de dormir. São 4:50, pensei que elas não voltariam, mas pelo visto seus intervalos são bem irregulares. Estou sentada olhando para os meus pés e com a mãe no abdômen por puro reflexo. Dependendo da posição que estou, eu não consigo olhar meus próprios pés, o bebê não parece ser grande. Ele é... normal? Não sei qual seria a definição de normal, só acho que ele tem a altura e o peso que deveria ter para nascer bem. De qualquer forma, isso não me interessa muito. Isso não é meu, outra família feliz vai gostar de tê-lo consigo. Isso me deixa feliz. Sou uma barriga de aluguel, posso fingir que sou só isso. O que me deixa frustrada é que não quero ter contato com casais inférteis que ficam passando a mão em mim dizendo "Nosso filho logo vai nascer". Pode até ser ridículo de minha parte, mas não gosto desse contato. Apesar de que isso nem é ridículo, eu tenho total direito de me sentir desconfortável. Como ser humano. Como mulher, ou melhor, como uma menina. É o que eu sou, uma menina. Só uma menina. Eles vão ter bastante tempo para tocar a criança quando ela sair para o mundo real. Correto. Isso aí.  

     "Você está bem?" Helen pergunta e anda até mim cambaleando, imagino que seja um pouco difícil caminhar sendo que cinco segundos atrás ela estava inconsciente. 

      "Sim, foi só um susto. Boa noite, voltem a dormir" tento me deitar, mas ela me impede e me encara, seu cabelo loiro está bagunçado e quase todo jogado para frente. Ela o ajeita e senta-se ao meu lado, com certeza nota minha aflição porque não consigo manter minha respiração num ritmo regular, mas ela sabe como agir nessas ocasiões. Sempre sabe. Parece mágica ou sei lá o quê.

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