Capítulo I

24 3 0
                                    


                    Eu nunca me sentira daquele jeito ao ver alguma pessoa, e para minha surpresa, foram logo duas. Eu vi neles dois um desejo, um desejo além de carnal. Não era amor, não era erotismo, eu via além disso. Nem a palavra amor pode resumir o que eu sentia por Branca e Antônio. ''O amor é perigoso, Genésio. Tenha cuidado'', disse minha mãe dois dias antes de se matar no riacho que cortava as nossas terras. Eu não entendi o que aquilo significava e como uma mulher poderia ser tão pessimista, mas eu mal sabia que eu estava prestes a viver o amor de uma forma tão intensa que eu esquecesse o real significado de amar e duvidasse do que era amor.

                   Quando eu me dei conta, Branca e Antônio vinham quase todos os dias para a fazenda, nos dias que meu pai não estava em casa. Ele a trazia na garupa de sua bicicleta vermelha. Quando eu ouvia o eco dos uivados de Antônio eu sabia que eles estavam chegando pela estrada que cortava o campo. Eu sempre os esperava debaixo da pinheira. Quando eu via as lebres correndo entre os arbustos eu sabia que eles haviam chegado e então eu ia ao encontro deles na porteira, a qual eles não sabiam abrir. Branca dizia, rindo, que era tecnologia extraterrestre. O final de tarde sempre era nosso. Éramos jovens e desocupados, vivendo da melhor maneira o tédio da cidade.

                   Eu vivia sozinho na imensidão daquelas terras, meu pai vivia viajando por conta dos negócios da fazenda, então eu mal o via e quando o via mal falava com ele. Amargurado, por algum motivo. Além dele, na casa, só havia a Fátima, que cuidava da casa, e Leila, a nova mulher do meu pai. Em menos de dois meses, depois morte da minha mãe, ela surgira na casa como uma intrusa. Ela era mulher bonita e inteligente, porém as únicas palavras que trocávamos eram diálogos básicos de duas pessoas vivendo no mesmo espaço, e também eu quase não estava dentro de casa. Na maioria das vezes eu estava do lado de fora, em alguma sombra ou pendurado em alguma árvore lendo ou escrevendo, ou estava também no riacho de onde minha mãe se afogou, onde sentava em uma das pedras que ficávamos, quando eu era criança. Eu costumava ficar lá por horas e sentir sua presença, era como um convite à morte, um convite ao desconhecido. Eu não acreditava e até hoje não acredito em algum Deus, porém era tentador a forma que as águas falavam comigo. Venha! Suma aos poucos no meu manto transparente como fez sua mãe, e a encontre do outro lado!

                   A beleza que eu via nas fotos dela, quando jovem, principalmente no casamento deles, parecia inacabável, única, comparando aos seus últimos dias de vida. Sua felicidade nem se quer existia mais. Até o Eu Te Amo que eu sussurrava para ela antes de dormir não era suficiente. Nos seus últimos meses de vida eu mal consigo contar quantas vezes eu a carreguei pelas escadas depois dela ter bebido quase todo o vinho e whisky da casa. Eu me culpo de ter a ajudado apenas assim, a levando para a cama e dando boa noite, eu deveria ter feito mais, mas sempre quando eu tentava a ajudar ou resistir às barbaridades que meu pai fazia com ela, ela sempre me repreendia. Ela estava cegamente e perdidamente apaixonada por quem a destruía e nem se quer pensou em mim quando desceu pelas escadas com seu vestido branco até às águas no dia que se suicidou. Eu a encontrei no hall minutos antes e a questionei para onde iria tão linda daquele jeito e ela me respondeu com um olhar ansioso:

—  Eu não sei.

                   Na manhã seguinte, os trabalhadores do meu pai a encontraram nas pedras, no final do riacho. Ouvi rumores que a encontraram sorrindo. Teria o amor a matado? Ou aquilo se chamaria, talvez, esperança? Eu não sei.

                   Eu via Fátima como uma segunda mãe, ela me conhecia desde que eu nasci, cuidou de mim recém nascido, já que minha mãe, depois de ter me dado a luz, entrou em profunda depressão e passou algumas semanas internadas num hospital psiquiátrico, e eu não a culpo por isso. Fátima realmente se importava comigo, não que a minha mãe se importasse, mas era de uma forma diferente. Ela, mesmo que sem tempo, possuía algum momento do dia para ouvir minhas poesias. Ela adorava e até chorava, às vezes. Eu me sentia um verdadeiro poeta! Ela era a única que se importava, aquilo significava muito para mim. Eu me distraia de todo aquele caos que era aquela casa com arte e, também, com o amor que eu sentia por Antônio e Branca.

AdágioOnde histórias criam vida. Descubra agora