Numa manhã dessas, na hora do café, meu pai estava apressado, ele estava voltando para outra viagem, colocando seu chapéu quando Leila questionou.
— Quanto tempo você vai demorar? Eu achava que você iria ficar mais dois dias.
— A viagem é curta. Eu e o Genésio voltaremos daqui a três dias.
— Como? — perguntei, com um aperto no peito.
— Quero que você aprenda como ser um homem de negócios e também quero passar um tempo com meu filho. Não posso? — disse ele com um sorriso cínico. — Fátima já arrumou suas malas. Vá colocar o que resta, seus livros, cadernos, canetas. Essas coisas... — abriu a porta — Sairemos às oito. Seja breve. Te espero lá fora.
Eu olhei para Fátima com um olhar de desespero e ela me olhou como que quisesse dizer: Me perdoe, mas eu tive que fazer.
Havia uma garoa naquela manhã, eu estava com frio, vesti a jaqueta que Filipe me dera, para eu não me molhar na chuva naquele dia, ela era bonita e eu não pensava em devolver, ele entenderia. Enquanto eu estava encolhido no banco da frente, olhando para as gotas de água escorrerem no vidro, ele me perguntou, como se nada tivesse acontecido nos últimos dias:
— Faz um tempo que não saímos assim, não é? — disse ele olhando para mim.
— É. Faz. Para o onde vamos, exatamente? — perguntei.
— Para um balneário em Santa Cássia. Um dos maiores dos reis do gados me espera lá para fazermos negócios. Ah, e seu tio também estará, com sua prima Edite, e... Seja gentil. — disse ele, revisando o olhar na estrada e em mim.
Eu e Edite havíamos discutido um ano e meio atrás após ela ler meus poemas sem permissão, não que eu não quisesse compartilha-los, ou os escondesse, mas ela ultrapassara a linha de minha privacidade. Eu sabia que ela era apaixonada por mim, isso me afastou dela, nesse tempo eu temia o amor, hoje eu temo não amar. O mundo dá voltas, e muitos não estão preparados para lidar, acho que minha mãe foi um caso.
O resort se chamava Riviera, era um lugar lindo, pelo menos iria compensar estar com o Diabo, porém no paraíso. O lugar se perdia entre as palmeiras, no horizonte, piscinas e pessoas aproveitando o sol como se não houvesse amanhã. Era um local ótimo para eu escrever e ler, havia lugares que eu podia ficar só e em pleno silêncio, porém Edite não largava do meu pé em nenhum momento que estive lá. Eu estava nos claustros quando ela chegou e inesperadamente lamentou:
— Sinto muito pela sua mãe.
— Já se faz um ano, Edite. — respondi.
— Eu sei, mas foi só agora que eu pude falar com você. — disse ela chegando perto e sentando ao meu lado. — O que você está lendo?
— A Morte Em Veneza.
— Sobre o que é? — indagou ela.
— Um homem que vai à um balneário se apaixona por um menino e morre. — respondi ela, direto.
— Não quero que você morra após se apaixonar por mim. Você sabe que a vida imita a arte. — disse ela num tom sarcástico.
Eu ri. Ela me fizera rir pela primeira vez em dias.
— Você sempre tem o livro perfeito para as ocasiões, não é? É intencional? — perguntou ela, como alguém que não tinha assunto, porém queria continuar a conversa mesmo assim.
— Às vezes sim. Quem sabe. — respondi.
Aqueles três dias que fiquei no balneário, eu conheci uma Edite que eu nunca conhecera antes, ela tinha se tornado minha companheira. Eu estava na piscina, ela estava junto, eu estava caminhando, ela gritava no horizonte para eu esperar por ela. Ela tinha mudado desde a última vez que eu a vi, se tornara uma mulher, uma linda mulher, seus cabelos eram ruivos, tão longo que ela podia dar uma volta pelo seu pescoço fino e que ainda sobraria cabelo. Ela era pálida, possuía uma lividez que nem o sol daquele balneário a deu cor, mas quando eu me pegava, toda a noite, antes de dormir, pensando nela, e eu me punia. Eu não deveria estar pensando em outra pessoa a não ser Antônio e Branca. Eu deveria ter passado esse período pensando neles, mas eu passava tanto tempo com Edite que eu mal lembrava da minha vida em Santa Rosa.
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Adágio
RomansaA novela retrata os sentimentos do jovem Genésio em meio ao caos do ambiente que vive e ao da sua mente. Sempre no seu limite, ele tenta amar, porém quando esse amor não é suficiente se torna perigoso, levando-o à infelicidade, seu próprio desdém e...