Eu fui internado num hospital psiquiátrico após outra tentativa falhada de suicídio, dias mais tarde. Eu havia ido morar com meu tio, pai de Edite. Passei semanas tentando digerir tudo aquilo que acontecera. Eu não conseguia dormir e nem comer. Eu fui diagnosticado com transtorno de personalidade limítrofe, algo que eu não entendia, mas de modo algum, resisti à internação. Eu estava completamente em choque desde aquele dia. Descobrimos, também, que Edite estava grávida, e que a pílula que Leila havia dado a ela, no dia posterior que transamos, não era a pílula certa. Aquilo fora proposital, meu pai, Leila e meu tio estavam dispostos a nos prender um ao outro, mas aquilo ultrapassou o limite ético e moral. Meu tio e Leila se desculparam, e se comprometeram para o aborto de Edite, mas ela não quis fazer.
Edite me visitara várias vezes no hospital Luz Divina, numa tentativa de fazer tudo aquilo pesar menos, como se pudesse. Ela sempre me trazia flores e telas para eu pintar, e eu pintei, quadros perturbadores. Eu fora abusado sexualmente por um dos funcionários de lá, mas eu ainda estava em choque para poder reagir ou fazer algo em respeito, e, quando eu saí preferi tentar seguir em frente.
Meu pai estava foragido desde a noite que matara Branca e Antônio. A notícia chocou toda a cidade, o estado e o país, em algumas regiões. Todos ficaram sabendo do nosso caso após Edite dar depoimentos, já que eu não podia, pois era tratado como paciente psiquiátrico e meu depoimento não valia de muita coisa, mas eles tentaram, porém fracassaram, eu não conseguia falar nada, ainda estava em choque. Eu não tive estruturas físicas e mentais para comparecer ao velório e enterro de Branca e Antônio. Eu era culpado de tudo aquilo, culpado por ter incluído eles no inferno que se tornara a minha vida, por amar.
Edite me dissera, em uma de suas visitas, que seu pai havia comprado uma casa na capital, longe de tudo isso, para morarmos após minha recuperação. E assim aconteceu. No final daquele ano de 1986, recebi alta do Luz Divina e meu psiquiatra me indicara diversos remédios que eu acreditava serem muitos para algum ser humano tomar em menos de vinte e quatro horas, mas eu estava doente e não sabia se devia acreditar em algo que eu pensava e fiz o que me fora prescrito.
Edite deu a luz em novembro, quatro dias depois de eu ter saído do hospital. Edite era muito nova para ser mãe, assim como eu era para ser pai, tínhamos apenas dezessete anos, aquilo era demais. Porém, no que era preciso, nossos parentes sempre nos ajudavam, principalmente minha tia, mãe de Edite, que sempre se doava para cuidar de Júlio. Era um menino lindo, possuía cabelos claros como eu e olhos escuros como os de Edite. Eu me sentia fraco perante tudo aquilo, me sentia um fardo e não achava que eu conseguiria lidar.
Em fevereiro de 1987, nos mudamos para a capital depois que eu completei dezoito, em janeiro. O meu tio, em primeiro momento, nos ajudava com dinheiro, porém logo eu conseguira o trabalho na gazeta que me fora oferecido anos atrás. Eu ganhava bem, em menos de um ano eu fui elevado de cargos, de redator para redator-chefe, e depois, para diretor da gazeta, depois que o homem, que me havia proporcionado o trabalho e o mesmo que eu conversara anos atrás, morrera de câncer de fígado. Ele apenas confiava em mim para continuar seu legado, e aquilo era uma honra.
Quatro anos mais tarde, aos vinte e dois anos, Edite se tornara professora de música numa escola de artes renomada para meninas. Casamos no mesmo ano, em uma cerimonia pequena. Tínhamos uma vida boa, conseguíamos pagar as contas e aproveitar o que sobrara. Dois anos depois, Edite ficara grávida de Lauro, nosso segundo filho, que nasceu com problemas cardiovasculares, porém se curou, após uma grande estadia no hospital.
Depois de todos esses anos, eu ainda era assombrado pelos gritos de Antônio e o sorriso de Branca antes de morrerem. Eu e Edite tivemos que amadurecer em seis anos o que não amadureceríamos em vinte. Eu era infeliz, eu estava presente como homem de família apenas por estar, por acreditar que aquilo era meu dever, mas eu estava vazio por dentro. Eu tinha poucos momentos de euforia, eu vivia na melancolia, e não culpo Edite por isso, muito menos meus dois meninos, eu era infeliz desde muito novo, e nada podia mudar isso. Edite era muito carinhosa comigo, nós não perdemos o afeto durante os anos, aquilo era raro. Eu a desejava da mesma maneira que eu desejei no inverno de 1986, como um adolescente perdidamente apaixonado.
Hoje, muitos amigos e conhecidos desejam a vida que tenho, até admitem a inveja, mas eles com certeza não desejariam meu sofrimento e infelicidade. Agora, de frente à arma que comprei há uma semana atrás, e ao meu fim, me deparo com minha vida ameaçada por um gatilho que eu mesmo puxarei. Hoje eu não morrerei, pois eu já estou morto há muito tempo. Você estava certa, mãe, o amor é perigoso.
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Adágio
RomanceA novela retrata os sentimentos do jovem Genésio em meio ao caos do ambiente que vive e ao da sua mente. Sempre no seu limite, ele tenta amar, porém quando esse amor não é suficiente se torna perigoso, levando-o à infelicidade, seu próprio desdém e...