Décimo primeiro capítulo: A felicidade vive aqui.

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A decoração foi feita de orquídeas roxas, e tudo ao redor transmitia uma sensação de paz

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A decoração foi feita de orquídeas roxas, e tudo ao redor transmitia uma sensação de paz. A igreja foi iluminada dos portões ao altar com pequenas lâmpadas em série. Raya entrou. Seu vestido tinha pedrarias brilhantes. Era um vestido ombro a ombro, com uma faixa branca na cintura que se emaranhava em um laço nas costas e marcava as curvas da moça, o vestido descia bufante como o de uma princesa, e os cachos estavam presos em um coque alto. Ao chegar no altar, o padre iniciou a cerimônia de matrimônio.
—Raoni Silva, tu aceitas Raya açu como sua legítima mulher?
—Aceito!
—Raya açu, tu aceitas Raoni Silva como teu legítimo marido?
—Aceito!
—Pode beijar a noiva.
Raoni tomou Raya nos braços dando-lhe um selinho demorado. Ao sair da igreja a carregou no colo até que estivessem em suas camas. Era dezembro, e o clima úmido e levemente frio dessa época do ano deixava tudo mais aconchegante.
—Sabe amor, estou ansiosa. —Falou a mulher.
—Ansiosa por qual razão, meu amor?
—Janeiro logo chega, e com ele, o resultado. —Raoni se aproximou, tomou seu rosto nas mãos.
Raya havia prestado vestibular no mês anterior para estudar psicologia.
—Princesa, deixe isso para lá um pouco, vamos curtir nossa lua de mel, meu amor, eu acredito em você. Confio que mão tem outro resultado para dar. Essa vaga é sua, meu amor.
—Certo. —Ela disse, com um sorriso no rosto.
Passar no vestibular em Belém do Pará é um evento fantástico. Minutos antes do listão, todos se reúnem, família, vizinhos e amigos, um misto de emoções toma conta do teu corpo, pensando no que fazer se for ou não aprovada. Teu coração falta sair pela boca, e a essa altura do campeonato, tua família já prepara os ovos para quebrar na tua cabeça, teus primos seguram o trigo, e teus amigos o coloral, ou seja: tudo que estiver na cozinha vai parar na tua cabeça se teu nome estiver naquele listão. Ele é liberado. Automaticamente ligam o rádio e escutam atentos à chamada do listão, chega no teu curso, e se teu nome começa com a, te prepara para faltar o ar. Teu nome é chamado. Os fogos já começam a tomar conta da cidade inteira, teus pais choram de orgulho. Tu sais gritando, em desespero, para o mundo ouvir: EU FUI APROVADA NA FEDERAL! Os ovos todos são quebrados em ti. O choro, a ansiedade, as horas e as abdicações são finalmente recompensadas com o abraço dos teus pais, emocionados. Te põem no porta-malas aberto de algum carro, tocando pinduca "Alô alô alô papai, alô mamãe, põe a vitrola para tocar, podem soltar foguetes que eu passei no vestibular." É o hino de janeiro em Belém do Pará, a cidade inteira ouve, onde estiver calouro, tem pinduca, ovos e trigo, onde o carro com calouros no porta malas vai passando, recebe palmas, deixa sorrisos, corações inspirados e o desejo "um dia sou eu!", parabenizações de todos que te veem coberta de ovo e com a plaquinha de papelão escrita tua faculdade, teu curso, e "burra". Arrisca-se dizer que essa é a maior das emoções da vida de um paraense.
Raya infelizmente não viveu isso. Não tinha os pais por perto, sua família era Raoni. E ele se esforçou como pode para fazê-la não se sentir tão sozinha. O dia chegou, ele a serviu, de manhã cedinho, com uma bandeja repleta de pão, queijo, e suco de laranja. Raya levantou-se, tomou um bom banho e sentou-se na sala. Raoni ligou o computador. Raya não falara uma só palavra. Estática, balançando as pernas, esperando o resultado tão almejado. Foi um ano difícil, conciliar os estudos, o trabalho e o casamento não teriam sido possíveis se Raoni não fosse tão responsável e a amasse a ponto de mandá-la estudar mesmo quando só queria tê-la nos braços.
—VOCÊ PASSOU MEU AMOR, VOCÊ CONSEGUIU PRINCESA, EU SABIA!!!! —Raoni carregou a garota no colo, tirou um ovo que guardava no bolso e estourou em sua cabeça, dando-lhe um beijo demorado. Saiu rua a fora com Raya nos braços, que ria e chorava de alegria.
—A MINHA PRINCESA PASSOU! ELA É ACADÊMICA DA FEDERAL!
Tocava pinduca na rua inteira, e os outros calouros vinham cumprimentá-la. Raoni abriu uma cerveja, e dividiu com a caloura, que permanecia incrédula. A chuva caiu, e todos brincavam e pulavam na rua, felizes, realizados, e um pouquinho bêbados, o beijo com gosto de cerveja não exprimia só felicidade, mas um alívio inacreditável. Ao anoitecer, entraram em casa novamente, se depararam com um urutau cantando tristemente cima da cama. Raoni estremeceu.
—Ele está machucado. —Raya falou.
—Não, não toque nele, Raya. —Raoni bradou. —Ele só aparece para prenunciar. Ele me avisou sobre Inaiê, eu ignorei, me avisou sobre Tupã estar voltando, e está machucado porque desta vez, algo muito pior há de acontecer.
—O que faremos sem poderes, sem nada? — Raya desesperou-se. Chorando nos braços de Raoni até adormecer. Raoni então levantou-se da cama, ainda tonto devido o álcool ingerido, e foi até o velho urutau, tomando o animal, que agonizava de dor, nas mãos, preocupado.
—O que aconteceu, meu velho? —Perguntou, com a voz embargada.
—Os filhotes estão à salvo, os homens, com a memória, apagada, a floresta reestabelecida, e eu, no fim da minha jornada, filho. Quando renunciou teus poderes, não te contei que eram meu alimento, e que me perderias junto. Entenda filho, estou te devolvendo a habilidade de ser gavião após tua morte. Minha morte me matará em espírito, mas não em corpo. Me deixe livre até que a natureza me mate, foi um prazer te acompanhar, te ver crescer, e te auxiliar em todas as tuas lutas e descobertas nesta vida, tenho um anúncio para te fazer, teu herdeiro cresce no ventre de Raya, seja para esse rapaz, o que Tupã não te foi por egoísmo. —Raoni soluçava enquanto ouvia a voz grave e embargada da ave, que definhava em seus braços.
—Não de deixa, velho, eu não sei o que farei.
—Não está sozinho filho, está pronto. Te prepara para tua próxima batalha, ela se aproxima, e te adianto que será a batalha mais difícil da tua vida! Eu te amo, guarde meu canto no peito, e use teu último resquício de poder.

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