Capítulo 1

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De todas as estações do ano, dizem que o inverno é a mais perigosa. Sem tetos morrem de frio, as plantações congelam e se perdem, animais hibernam para guardar energia para passar os próximos três meses vivos. Ray, porém, é completamente apaixonada pela estação de cores frias. Por alguns anos pensou que fosse por ter nascido no inverno mais intenso de seu país, Canadá, mas após seus quinze anos encontrou outro motivo mais plausível para sua adoração a estação dos flocos de neve.

Foi com essa idade que o garoto descobriu o dom para fotografia e dedicou parte da sua vida para fotos e desenhos. No seu aniversário de dezoito, seus pais o presentearam com uma máquina fotográfica profissional após juntar economias por dois anos. De início seu pai pensou que seria uma perda de dinheiro e de tempo, já que Ray passou a se dedicar ainda mais a fotografia e decidiu estudar para esta faculdade, o que resultou o fim do sonho de ser médico.

Naquele mesmo ano, do outro lado da cidade, Aidan xingava mentalmente cada floco de neve que caia em seus cabelos. Detestava o inverno tanto quanto detestava beterraba, e ele detesta muito beterraba. Não era um dia agradável para o jovem adulto de vinte e dois anos, afinal é o dia em que é obrigado a conviver com sua família e por algum motivo nem um pouco divino, boa parte das receitas daquela família levam beterraba.

Desde a primeira vez que se deu conta que não era querido pelos pais, Aidan se recusava a ir para as confraternizações ridículas que seus pais, chamados assim com muita relutância pelo garoto, faziam anualmente. Esse ano foi ainda pior para o garoto de um metro e oitenta e dois, já que seria obrigado a cruzar a cidade para ir ao aniversário da filha de um sócio de seu pai, e provavelmente seria apresentado a garota e obrigado a sair com ela.

Na festa, feita de última hora com salgadinhos e docinhos encomendados de improviso e alguns balões velhos, não tinham muitos convidados além dos três amigos da antiga escola de Ray e sua vizinha, que também é sua melhor amiga. Emily foi a primeira e única pessoa que Ray confessou ter atração por meninos, mas por pedido dele para tentar enganar as pessoas, eles periodicamente fingem estar juntos. Hoje é um desses dias e Emily aproveita para usar o amigo como poltrona e ficar em seu colo o máximo de tempo possível.

— Às vezes eu me pergunto se essa coisa de vocês é real mesmo. – Diana é a única mulher entre os convidados da escola e sempre teve um ar meio misterioso, mas foi quem fez Ray fazer amizade com Alex e Gui, os outros dois convidados da festa.

— Por que você acha isso? – Ray pergunta tentando disfarçar a dor de suas pernas adormecidas graças a Emily.

— Vocês nunca se beijaram em público. – Dessa vez Gui se faz presente na conversa e Alex surge da cozinha concordando com a cabeça enquanto toma coca cola com vodka como se fosse água.

— Vocês conhecem o Ray, ele não é muito de demonstrar afeto em público. – Emily disse se ajeitando no colo do amigo, que fez uma careta de dor com a movimentação dela.

— Tem só nós cinco aqui e eu estou agradecendo bastante seus vizinhos festeiros que distraíram sua família. – Diana diz erguendo uma de suas sobrancelhas e se inclinando para frente, esperando que eles entendessem que ela esperava ver um beijo deles.

Emily notou rápido e olhou para Ray, tentando disfarçar o pânico que formava em seu peito. Ray demorou um pouco para perceber e quando isso ocorreu, seus sistemas respiratório e digestivo se confundiram e um pouco de saliva tentou escapar para seus pulmões, fazendo o garoto tossir feito louco. Os três amigos observaram, Gui com uma cara de surpresa e Diana com uma expressão satisfeita.

— Ray, se você não beijar a Mily você vai ter que me beijar. – Alex agora chupava uma halls de morango com um sorriso ladino no rosto.

— Eu não vou beijar ninguém!

— Ah não! Vamos, só um beijinho e a gente te deixa em paz sobre isso! – Alex quase grita parecendo desapontado por ter sido rejeitado.

— Vamos fazer assim: – Emily sai do colo do amigo e puxa Gui e Diana para se levantarem. – Todo mundo fica de pé e de olhos fechados, ai o Ray escolhe alguém para beijar sem a gente ver. – Um coral de "boa" corre pela sala pequena e em poucos segundos os quatro amigos de Ray então em uma fila com olhos fechados.

Quando pôde ver todos os amigos lado a lado, o garoto nota a altura de cada um, sendo Diana a mais baixa entre ele, sendo seguido por Gui e Emily que tem a mesma altura, e por último Alex, com seus quase dois metros e um sorriso esperançoso no rosto. Ray revira os olhos antes de se dirigir a um dos amigos e deixar um selinho em um deles e se afastar rapidamente, mas em milésimo de segundo, Ray sente sua cintura ser puxada de volta para perto da pessoa que deixara um selinho e sente sua boca ser envolvida em um beijo com gosto alcoólico misturado com bala de morango.

O grito de Diana é o primeiro a ser ouvido e logo em seguida Emily e Gui estão comemorando o beijo. Para a surpresa de Ray, o beijo de Alex é bom e o faz querer ficar ali por mais alguns minutos e é novamente surpreendido pelo aperto em sua cintura não deixando que se afastasse.

Com o seguir da noite, Emily se contentou em sentar-se no sofá e agora era Ray quem fazia um dos amigos de poltrona, tendo direitos a alguns beijos de Alex durante o resto da noite. Beijos que vinham acompanhados de perguntas e confissões de seus amigos.

— Agora só falta falar que só questionou o Raymond porque queria ter alguma chance com a Mily. – Alex foi o responsável pela segunda confissão da noite, essa que lhe custou um tapa forte no braço.

— Não precisava bater, a Emily também anda caidinha por você, Dina. – Dessa vez é Ray quem recebe o tapa, mas ver ambas as amigas completamente vermelhas, compensou a agressão.

— Meu deus, só tem eu de hétero nisso aqui? – Gui se levanta colocando as mãos na cintura parecendo completamente surpreso.

— Bem-vindo a ditadura gay, amigo. – Diana o puxou de volta para o sofá.

— Mas se você quiser eu te beijo para você descobrir se gosta de garotos também. – Alex se oferece enquanto abraça Ray por trás e encosta o queixo no ombro deste e por costume, ambos fazem carinha de bebê e recebem um dedo do meio em resposta.

A noite dos cinco se encaminha cheia de risadas, jogos de tabuleiro, jogos para beber – estes sempre pedido por Alex – até eles se aconchegarem em dois colchões no quarto de Ray e dormirem ali se abraçando para se livrarem do frio.

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