Seis meses se passaram ...
Luis era um marido atencioso e amoroso, assim como um fazendeiro justo e idealista.
Ao nos mudarmos para nossa lindíssima fazenda, dada de presente por meu pai,
alforriamos todos os nossos escravos e os transformamos em colonos, cujo trabalho era devidamente remunerado, levando-se em conta também suas horas de descanso e lazer.
Oferecemos a eles um ambiente digno para o trabalho e uma moradia, onde residiam com suas famílias.Alguns encontros pró-abolição passaram a ser realizados em nossa fazenda.
A Confederação Abolicionista, recém-criada por José do Patrocínio e André Rebouças, tinham ao Luis e a mim grandes aliados da causa, onde defendíamos uma abolição irrestrita e imediata, sem indenização para os senhores de escravo.
Meu marido era muito amado e respeitado por eles.
Minha mãe, por sua extrema bondade e organização, nos auxiliou nesse processo de restruturação de nossa fazenda.
Feliz com o resultado ela tentou implantar o mesmo sistema na fazenda de meu pai que,
com veemência, não aceitou. Como a grande maioria dos fazendeiros da região, ele era contra a abolição da escravatura . A ideia de alforriar seus serviçais e remunera-los por seus trabalhos o irritava ao extremo!
Afinal , os latifundiários além de possuírem grande número de escravos no plantio de café ainda se utilizavam das jovens escravas ao seu bel prazer. Mais tarde, tomei conhecimento que Rosa, nossa cozinheira, era uma delas.
Acredito que minha sóbria mãe sabia e via tudo, porém, calava-se.Por isso, eu sempre dizia : "Nunca vou aceitar uma traição! Sou muito diferente de minha mãe e de tantas outras esposas que são submetidas a isso!."
Contudo, um dia eu as entenderia... Afinal, a vida é assim mesmo... Às vezes nos prega algumas peças...Existem situações evitáveis e outras inevitáveis!
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Luis e eu optamos em não termos filhos, pelo menos por enquanto...
Depois de dois anos de casados, mantemos a tradição de irmos juntos à igreja todos os domingos e almoçarmos na fazenda de meus sogros.
De forma estranha, nesse domingo, dia 13 de outubro
de 1885, amanheci com o coração apertado, com um pressentimento de que algo não estava bem!
Como de costume, fiz a minha oração, levantei e me preparai para mais um dia em família.
Luis e eu tomamos o nosso café na sala de jantar, preparado por Bi, e descemos para o jardim, onde o cocheiro nos aguardava na carruagem.Tudo transcorria em paz, exceto por um pequeno detalhe: Rita, a cozinheira de confiança de minha sogra.
Ela estava com a família Pereira desde pequena e tinha a mesma idade de Luis. Sua mãe já trabalhava na fazenda quando ela nasceu. Luis e Rita foram criados juntos.
Moça prendada, cozinhava como ninguém, sabia ler , escrever e tinha boa noção de etiqueta.Porém, sempre me questionei por que Rita se vestia diferente das demais mulheres da cozinha. Suas vestes eram muito decotadas e justas. Mulata, com cabelos longos e pele bem cuidada se destacava e chamava a atenção, principalmente dos homens.
Até aquele fatídico domingo, o jeito de ser da escrava nunca havia me incomodado, era indiferente. Afinal, se a forma de ser da cozinheira não aborrecia minha sogra, não seria a mim que iria incomodar.
Mesmo tendo ouvido de meus colonos alguns comentários indiscretos sobre ela, para mim , a escrava era apenas a cozinheira da fazenda dos Pereiras.Após almoçarmos um delicioso peixe, fomos todos para a sala de estar tomar uma xícara de café, hábito comum da região.
Luis e eu permanecemos sentados à mesa, apreciando as lindas colinas, enquanto meu sogro
nos contava animado sobre a última e abençoada colheita de café da fazenda.
Minhas cunhadas, Roselita e Claudiane, serviam o café enquanto Rita retirava a mesa do almoço. De repente, Carlos, meu cunhado, entra na sala ofegante e alegre.
Meu sogro, vira-se para mim e pergunta:— Nana, você já soube da
novidade?
— Qual novidade, Sr. Pereira?
Com sorriso nos lábios ele me respondeu:— Carlos e Vinha irão se casar. Seu pai e eu já tratamos de tudo!
Fiquei um pouco assustada, afinal minha irmã era apenas uma menina . Sr.
Pereira percebendo minha surpresa explicou que eles se casariam somente
quando ela completasse dezoito anos.Pensando bem, vai ser bom para minha irmã. Carlos era um bom rapaz,
inteligente e muito trabalhador. Com certeza faria Vinha feliz!Durante o resto da tarde o assunto focou-se em casamentos.
Por descuido, Roselita deixa escapar um comentário que desencadearia na primeira decepção de minha vida.
Baixinho, ela fala com minha sogra: - Espero que pelo menos neste casamento, de Carlos com Vinha, Rita não tenha a atitude de sempre!Olhei rápido para elas . Ao perceberem ficaram vermelhas e encabuladas.
Acredito que Roselita arrependeu-se de tal comentário na frente de todos.
Com o olhar repreensor, que até então eu desconhecia em meu sogro, Sr. Pereira ordenou que ela se calasse e fosse para o seu quarto.Senti um clima estranho, pois em todos esses anos de convívio eu nunca havia presenciado uma discussão na família Pereira. O nervosismo de meu sogro me intrigou.
Notei também que Luis ficou muito incomodado com o comentário de sua irmã, levantando logo em seguida, pegando-me pela mão e se despedindo de todos com uma pressa incomum, mesmo porque costumávamos passar toda a tarde na casa de meus sogros e apenas havíamos acabado de almoçar.
Quando já estávamos saindo, Rita entra na sala para recolher as xícaras de café que havíamos tomado.
De forma irônica e sedutora ela olha para Luis , encara-o, sorri e retira-se a passos lentos.Seus quadris balançavam de um lado para o outro, com certeza tentando chamar a atenção.
Por mais que eu fosse sonhadora e considerasse o meu casamento perfeito, senti um aperto no peito e uma vontade enorme de chorar. Contudo, mantive minha postura e fingi não ter percebido nada.Luis e eu fomos para nossa fazenda e preferi não falar nada a respeito do ocorrido, pelo menos por enquanto...
Na semana seguinte, ao sentarmos à mesa para o café matinal, olhei dentro dos olhos dele e perguntei:
— Luis, por favor... Sem rodeios... Você e Rita foram ou são amantes?
Ele nunca soube mentir e sempre procuramos ser francos um com o outro, por
isso, preferiu dize-me a verdade:— Querida Nana, isso foi bem antes de te conhecer. Amo-te de todo o meu coração e pretendo viver contigo até o final de nossas vidas! A Rita não significa nada para mim.
Fomos criados juntos e ela desenvolveu um amor platônico por mim, amor esse que nunca correspondi. Não vou negar que ela foi a primeira mulher em minha vida e saciava meus prazeres de adolescente. Mas , era somente isso!No fundo, por mais que eu tentasse me convencer, percebi que Luis falava-me apenas meias verdades, omitindo algo muito importante!
Passados alguns dias, resolvi conversar com as pessoas que mais me amavam e compreendiam com o objetivo de me ajudarem a entender o que estava acontecendo.
Desde aquela triste tarde, na casa de meus sogros, não consigo dormir e me alimentar direito, afinal, até então, Luis era para mim o homem mais perfeito do mundo, completamente diferente dos outros senhores de fazenda que eu conhecia, inclusive meu pai, que mantinham
encontros secretos com suas escravas e colonas, para seu bel prazer, não levando em consideração o amor e dedicação de suas esposas.Contei o ocorrido para minha mãe e Bi que, depois de me ouvirem, aconselharam-me a seguir em frente e tentar esquecer o ocorrido.
Essa era quase sempre a atitude das esposas da época, sofrerem caladas!
Pois bem, eu não era como aquelas esposas, não consigo esquecer e fingir que nada aconteceu!
A fidelidade é ponto primordial em um casamento... E Luis sabia disso!
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Como Num Piscar de Olhos (Brasil)
RomansTrilogia de romance de época voltada para ficção cristã. Quando uma decisão torna-se mais importante que sua própria vida. O destino é traçado com um final surpreendente! Acompanhe nessa trilogia a trajetória de Nana, narrada em épocas e países dife...