Era rotineiro para Krian, e seu amigo Dego, ficar durante o intervalo das aulas dentro da sala de jogos com outros garotos. Especialmente quando não havia mais o que fazer na cafeteria da escola. Desafiado na mesa de pingue-pongue, Krian teve dificuldades em lidar com a velocidade da bola e a coordenação com a raquete. A gota d'água para sair do jogo foi quando, como se impulsionada por um ímã invisível, a bola atingiu seus óculos, os quais, por pouco, não caíram no chão. Desnorteado, no canto da sala, olhou para o lado e viu um garoto do último ano montando um tabuleiro de xadrez, ainda desacompanhado.
Krian não conseguiu notar ninguém se aproximando, até que o garoto percebeu o olhar dele e o convidou para jogar. Qualquer jogo de tabuleiro deixava Krian imediatamente mais competitivo. Especialmente o xadrez. Ainda que as habilidades não acompanhassem o desejo de vencer.
— Uma rainha pode ganhar o jogo. Você não deveria deixar a sua ser comida tão facilmente.
Krian deu um tapa no próprio rosto, perguntando-se como não vira o bispo indo na direção de sua rainha, deixando-o em cheque.
— Não entendo como o rei pode ser uma peça tão fraca. Ele não serve nem para proteger a si mesmo.
— É Krian, certo? Acredito que a função do rei não seja proteger a si mesmo, mas, sim, as demais peças. Veja meu tabuleiro, você não conseguiria comer minha rainha sem o meu rei comer sua peça também.
— Faz sentido. Como você se chama?
— Theus.
Antes que a conversa ou o jogo pudessem prosseguir, Dego apareceu atrás de Krian, ofegante e ansioso para contar as novidades. A mão pesada empurrou o corpo mole de Krian para a frente e derrubou algumas peças do tabuleiro. Os garotos fecharam o semblante para ele, mas isso não o conteve de falar:
— Krian, ficou sabendo o que aconteceu? Não acredito. — Krian mal teve tempo de negar com a cabeça. — Duas das nossas colegas estavam aos beijos com garotos do último ano. Cara, os três últimos anos vão ser essa loucura toda, como prometido. Vamos, finalmente, beijar algumas garotas!
Os olhos de Krian até criaram um certo brilho, mas Theus debochou da ideia com uma risada.
— Sério? Essa é a preocupação de vocês? Beijar garotas?
— Agora está rindo de nós porque nunca beijamos. Vai vendo — Dego murmurou, virando-se para Theus, semicerrando os olhos.
As sardas no rosto de Dego, junto a seu cabelo alaranjado e enrolado, fizeram Theus associá-lo a um palhaço enfurecido que vira na televisão outro dia. Ele precisou se segurar para não rir.
— Garotos do último ano sempre vão zombar dos menores — Krian alegou, tentando apaziguar a situação e levando uma das mãos ao ombro de Dego.
— Na verdade, nunca beijei também. Só não me preocupo com isso. Um dia vou encontrar uma rainha em quem vale a pena dar um beijo. Relaxem sobre isso e foquem em seus estudos.
Relaxar nesse quesito, contudo, não era algo que Dego estaria mini- mamente disposto a fazer. Se a primeira impressão é a que fica, Theus conseguiu se queimar com ele. A discussão só não se alongou por conta do sinal, anunciando o fim do intervalo.
Dego estava decidido a beijar alguém ainda naquele ano. Se tinha uma coisa que o deixava irritado, mais do que o fato de nunca ter beijado alguém, era alguém fazê-lo se sentir menor por isso. Como ele e Krian eram amigos de infância, Dego o arrastava sempre para as tentativas fracassadas de conquistar garotas. Certa vez, uma o enganara dizendo que o beijaria com a condição de ele comprar um refrigerante para ela. Tentando parecer cortês, o amigo comprara a bebida, mas, quando a entregara, ela simplesmente desviara os lábios e lhe dera um beijo no rosto. Sim, ela disse mil vezes sobre como ele era um ótimo amigo e um garoto gentil, mas isso não o satisfazia, só o deixava mais irritado.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Power Heart - Livro 1: O Recomeço da Alma [Degustação]
FantasíaUma série de criaturas de outras raças estão tentando migrar em busca de refúgio para o continente dos humanos, atravessando o oceano para fugir do desconhecido pela maior parte da população. Com finais sanguinários, os algozes do governo lutam para...