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Voltei a chorar todas as noites. Voltei a ter ataques de ansiedade. Voltei a deixar de sair com os meus amigos. Voltei ao meu eu antes dele...
Acabei por deixar cair a máscara, algo contra o qual lutei desde que me conheço por gente. Senti a necessidade de pedir ajuda. Quando finalmente ganhei coragem para contar aos meus pais o desaforo em que vivia, eles já o haviam percebido. Decidiram marcar-me consultas na psicóloga e esta encaminhou-me para um psiquiatra.
E foi nesse dia que o meu mundo desabou. Fui diagnosticada com depressão.
Se me perguntarem se sabia que algo estava errado, sabia. Mas nunca imaginei que seria depressão .
Há um tabu enorme quanto a esta doença nos dias de hoje. Se tens problemas de raiva, ansiedade ou depressão (o que infelizmente me informaram que tenho os 3) és doente. És diferente. Sem querer ou de propósito és deixado de lado e visto como coitadinho. Ou então gozado porque não se acreditam que estás assim , dizem que queres atenção.
Nunca cheguei a contar isto a ninguém com medo que pensassem isso mesmo.
Só eu e os meus pais sabemos disto.
Num sábado de manhã fui a minha consulta de rotina com a psicóloga. Comecei a ir todas as semanas mas com a medicação passei para de 15 em 15 dias.
-Bom dia boneca como estás hoje? - perguntou
Odeio quando me chama isso.
-Hm , não sei. Normal eu acho
-Quando foi a última vez que choraste ?
-Ontem à noite.
-E porquê ?
-Não sei. Eu já não sinto nada. Estou só a deixar os dias passar. É claro que tenho momentos felizes, mas não sou feliz.Acho inútil estar a vir aqui. Estou a desperdiçar o seu tempo e o dinheiro dos meus pais. É só quem eu sou. Uma rapariga diferente. Ingrata? Talvez, mas o que posso fazer? Não me lembro da última vez que aproveitei o momento sem pensar em nada! - disse-lhe já com as lágrimas nos olhos. Estava mesmo no meu limite e pela primeira vez, sabia disso.
Mas menti quando disse que não me lembrava de estar sem estes "macaquinhos" na cabeça (é isso que ela chama a estes meus pensamentos).
Foi na última terça feira de férias. É difícil de acreditar, eu sei. Não é como se um rapaz fosse resolver todos os meus problemas, mas a verdade é que eu faço isto a mim mesma. E a verdade é que quando estive com ele estava tão presa no seu sorriso que nem conseguia pensar direito no que dizer, quanto mais nos "macaquinhos".
Não senti borboletas nenhumas como dizem nos livros. O que senti foi que o meu cérebro estava de férias e que os músculos da minha cara estavam a controlar todo o meu corpo pois a única coisa que sabia fazer era sorrir.
-No que estás a pensar Rafa, diz-me,quero te ajudar mas assim não consigo...
Inventei uma desculpa sobre o stress da escola -o que não era totalmente mentira , isso estava na minha cabeça a maior parte do tempo- mas não naquele momento.

A consulta acabou da mesma forma que o meu fim de semana, rápida e dolorosamente.
Esta semana ainda não tinha testes. Por isso os meus pais aconselharam-me a relaxar no fim das aulas e dedicar-me mais no fim de semana.
Lembro-me de pensar em como tenho sorte em os ter. Apesar de serem um bocadinho controladores é rara a vez em que me dizem que não.
Fui às compras com as meninas na segunda depois das aulas. Eu e a Tess entramos em 3 livrarias diferentes e acabamos com o dinheiro por ali. A Beth não é muito de ler, então não gastou dinheiro nenhum como nós. Fomos a todas as lojas de roupa daquela avenida.
E deixem-me dizer-vos que o inglês tem sorte, que miúda.
-Podemos ir comerrrrrrr ? - implorou a Tess já cansada de ver a nossa modelo a fazer 17 looks e a desfilar pela loja.
-Deixem-me só...
Interrompi-a dizendo:
-Beth, acho que não trouxeste dinheiro para isso tudo ou estou enganada?
-Por acaso acho que estou a exagerar um bocadinho.
Demorou mais uns 15 minutos a escolher quais iria levar. Já na padaria decidi que estava na hora de lhes contar sobre o Ivo. Queria saber se elas achavam que deveria buscá-lo ou coisa assim.
-Meninas , tenho uma coisa para vos contar, mas têm de me prometer que não vão ser histéricas.
-Não prometo nada - disse a Beth muito depressa, rindo-se
-Pois, então...há um rapaz...
Fui interrompida pela Beth que me perguntou:
-Nós conhecemos?
-Bem não sei , se calhar.- Não era uma ideia completamente descabida, se eu o encontrei no metro, elas também já poderiam ter encontrado.
-OH MEU DEUS, eu sabia , ele também gosta de ti, descansa. - responderam em coro e com um sorriso
-Ah? Como assim ? Vocês se dão bem com ele? Mas eu nunca vos contei nada como é que vocês...? - disse completamente incrédula e sem entender nada.
-Oh vá lá, estava na cara. Toda a gente repara na vossa troca de olhares - disse a Tess enquanto piscava os seus olhos incrivelmente rápido
Fiquei a olhar para elas com cara de quem não fazia a mínima ideia do que estava a acontecer.
Até à Beth quebrar o silêncio com um :
-O Chris, certo? Achas que nós já não reparamos?
-O QUÊ ??? O CHRIS GOSTA DE MIM????
-Não era dele que estavas a falar ?
-Não... Eu ia contar-vos sobre um rapaz que conheci no metro. Ele é da nossa zona, por isso quando perguntaram se conheciam disse talvez . Mas calma que agora já não quero falar disso. Como assim o meu melhor amigo gosta de mim? Como assim vocês sabem disso e não me disseram. À quanto tempo ?
-Tipo... desde o ano passado, I guess -disse a Tess como se fosse a coisa mais natural do mundo.
-NÃO, NÃO, NÃO, NÃO E EU DISSE-LHE QUE ELE BEIJAVA BEM -lamentei-me colocando a cabeça sobre a mesa.
Quando me apercebi do que tinha dito levantei a cabeça subtilmente para ver se tinham ouvido. No momento em que os meus olhos pousaram nelas soltaram um estridente:
-COMO ASSIM VOCÊS SE BEIJARAM????
-Não teve importância nenhuma, ele disse-me isso! Foi nas férias, naquela noite em casa da Beth, no verdade ou consequência.
-Não devíamos ter bebido tanto, agora não nos lembramos daquilo vês Tess ?
-Ei , não atires as culpas para mim , que eu saiba a casa era tua assim como as bebidas!
-Ah, meninas? Podem parar de discutir sobre a vossa borracheira e prestar atenção à minha triste vida amorosa?
-Oh sim, pois é, fala lá do teu rapaz.
-Que rapaz , eu quero saber o que faço com o Chris. Eu não gosto dele dessa maneira...
-Acho que se começares a andar com alguém ele entende. - disse a Tess.
-Não lhe vou fazer isso, estás parva?? Imagina gostares de alguém e essa pessoa começar a andar com alguém. Ainda por cima depois de lhe dizeres que beija bem...
-Mas porquê que lhe disseste isso também? - perguntou-me a Beth
-Eu estava a gozar, ele disse que não significava nada então brinquei com o beijo.
Não me deram uma resposta... Acabei por pegar no telemóvel para ver as horas e já eram 19. Despedi-me delas e fui para o metro. Não o vi, mas também não lhe levava o casaco.
Contei à minha mãe sobre o Chris , ela já me dizia que ele gostava de mim desde o ano passado mas sempre achei que era ela a sonhar de mais.
-Mãe, o que é que eu faço? Eu não gosto dele dessa maneira...
-Tens a certeza de que não sentes? Tens de falar com ele, mas tens de ter a certeza do que queres. Não vais andar a dizer-lhe que não e depois chatear-me porque to disse para o fazer.
Sorri, ela deu-me as boas noites e fiquei deitada na minha cama a fazer planos para a tarde do dia seguinte. Ia procurar o Ivo. Explicar-lhe que o João e eu não éramos nada e tentar perceber se isto foi só uma coisa do momento, ou se quero mesmo conhecê-lo melhor. E, se a resposta às minhas perguntas for sim, falar com o Chris e dizer-lhe que apesar de ele ser um dos melhores rapazes do mundo, não o consigo ver da maneira que ele me vê. Sim, é mesmo isso.
Passei as aulas do dia seguinte completamente vidrada naquele sorriso que ansiava voltar a ver naquela tarde. Almocei a correr para ir para a paragem que ele entrava, mais cedo ou mais tarde ele iria aparecer lá. Desta vez levara não só o seu casaco como o livro que tencionava ler até ele chegar.
Passei uma tarde muito solitária. Fui à fisioterapia como sempre. Acabei "O morro dos ventos uivantes" e comecei um outro, desta vez do Stephen King.

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