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  Era uma terça, o meu dia até estava a correr bem.
  É claro que não parava de pensar na Rafaella. No fim de semana, passei-o todo com o meu pai e isso fez-nos bem, à noite não ouvia nada e depois de 4 meses sem dormir direito,aqueles dois dias foram os primeiros.
  Estávamos a sair do ginásio, eu e a Júlia. Ela iria para minha casa pois os seus pais tinham uma reunião muito importante em casa deles e ela pediu-me para ficar comigo em vez de ficar com os avós dela. Eles são os únicos a quem ela não admitiu que era lésbica, porque são mais velhos e não são tão abertos como os pais são.
  -Obrigada novamente por me deixares ficar em tua casa.- disse ela
  -Não precisas de agradecer. Eu nunca passei pela tua situação mas deve ter sido difícil "sair do armário"- disse
  -Até que não foi muito difícil, os meus pais sempre tiveram interesse em me ouvir e apoiaram-me em todas as minhas decisões. Mas os meus avós são muito diferentes deles, eles nunca gostaram muito de mim, porque eu não era como as outras netas, que agiam como princesas à frente deles e depois eram quase como eu nas costas deles. Eu sempre fui eu mesma na frente e nas costas.
  -Ainda bem, nós gostamos de ti como tu és.- disse sorrindo e dando-lhe um abraço de lado.
  -Eu sei- disse rindo.- Sabes, eu tenho muita sorte em vos ter.
  Estávamos quase a chegar à paragem quando, a Júlia perguntou:
  -Aquela não é a Rafaella?! Será que ela está bem?
  Nesse momento, eu olho para a direção que ela estava a olhar e vejo a Rafella a cair de joelhos no chão e a chorar bastante. Comecei a correr na sua direção, mas quando cheguei a ela, já estava desacordada. Virei-me para trás e gritei:
  -Júlia, liga para o 112! Agora!
  Ajoelhei-me ao lado da Rafella, cheguei o seu corpo contra mim e levantei-lhe o rosto.
  -Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem.- disse fazendo-lhe carinho no rosto.
  Eu não sabia o que tinha acontecido, só que ela estava a chorar. Olhando para o seu corpo pequenino, reparei o quão frágil ela pode ser. Depois, olhei à volta para ver se encontrava as coisas dela, encontrando vi que ela estava com o meu casaco. Será que fui eu que causei isto? Tornei a olhar para ela e comecei a ajeitar o seu cabelo, tirando-o do rosto. Mexendo nele consegui saber que ele era realmente macio.
  -Peço imensas desculpas, se fui eu que causei isto.- disse com lágrimas nos olhos.
  -A ambulância está a caminho. Eles disseram que se ela acordar, é para tentá-la acalmar e não deixá-la que se levante logo.- disse a Júlia a ajoelhar-se e ficar à minha frente do outro lado da Rafaella.
  Fiquei a segurá-la até os paramédicos chegarem. Tivemos que mentir e dizer que eu era namorado dela e que a Júlia, a melhor amiga. Se não mentissemos, não conseguiriamos ir com ela na ambulância, mas eu não queria deixá-la sozinha. Não queria que quando acordasse não tivesse nenhum rosto familiar à sua frente.
  Chegando lá, começaram a fazer-lhe exames. Fiquei passado por não me terem deixado entrar com ela. E se ela acordasse a meio dos exames?? Não ia ter ninguém lá para ela se sentir segura. É que nem a Júlia deixaram entrar. Ela não a conhece mas os médicos podiam deixar entrar a suposta melhor amiga.
  Fiquei a andar de um lado para o outro, enquanto ela estava a acabar de fazê-los. A Júlia estava mais calma que eu, mas notava-se uma preocupação nela. Ela estava a escrever muito rápido para alguém. Não perguntei, porque estava demasiado ocupado a pensar se a Rafaella estava bem e a andar de um lado para o outro.
Dez minutos depois, colocaram-na num quarto e meteram-na a soro. O médico deixou-nos ficar com ela. O quarto não era muito grande, mas tinha espaço para a cama, onde ela estava, e para dois cadeirões: um ao lado da cama e outro à frente da mesma. Claro que logo que entrei, sentei-me no que está ao lado da cama.
  O médico informou-nos que se ela acordasse, chamassemos pela enfermeira.Também nos aconselhou a ligarmos ao seus pais, porque o seu cartão de cidadão estava ligado a um número antigo. Por isso peguei o telefone dela e segurei no dedo dela para o desbloquear.
  Quando desbloqueado, fui direto aos contactos e liguei para a mãe dela. Eu não sabia bem o que dizer mas a Júlia ajudou-me:
  -Primeiro dizes, boa tarde e perguntas se é a mãe da Rafaella. Depois explicas que és um amigo dela e que ela desmaiou no metro e que agora estava no hospital mais próximo. Fala com calma porque estarás a falar com uma mãe. Diz-lhe também que ela ainda não acordou e que estarás ao lado dela até eles chegarem.
  Assenti e disse tudo o que ela me aconselhou. A mãe dela até reagiu com calma, se calhar não era a primeira vez que ela desmaiava. Disse-me que chegava em 5 minutos e depois agradeceu-me. Quando desliguei a chamada, fiquei em dúvida se colocava o meu número ou insta em algum sítio por isso perguntei à Júlia:
  -Júlia, achas mal se eu colocar o número e/ou o insta em algum sítio do telemóvel?
  -Acho que estás numa ocasião boa para fazer isso. Podes avisar-lhe que colocaste para depois ela ligar-te ou mandar mensagem a dizer que estava em casa e melhor.- respondeu continuando a escrever para alguém muito depressa.
  -Ok, obrigada. Olha para quem é que estás a escrever tão rápido ? Tu normalmente escreves muito devagar.- disse  com curiosidade
  -Estou a contar o que aconteceu à Rafaella, à amiga dela, sabes? Aquela que eu conheci no insta?
  -Ah, sim, pois fazes bem em avisar. Mas é melhor dizeres para não vir a correr para aqui ou andar a dizer a todos os amigos dela, porque imagina que ela não queria que os amigos soubessem disso. Entendes?
  -Sim, eu fiz isso. Ela prometeu-me que não ia espalhar a notícia, só ia mencionar se alguém lhe perguntasse o que aconteceu com a Rafaella, mas só diria se fossem amigos próximos dela.
  Alguns minutos depois desta conversa encerrar,  ouvi um resmungo vindo da Rafaella e olhei para ela. Ela estava a abrir os olhos e perguntou o que tinha acontecido. Como o médico avisou, eu mandei a Júlia chamar pela enfermeira e esta obedeceu-me de imediato.
De seguida, perguntei-lhe se estava bem, mas ela cagou na pergunta e questionou:
  -Ivo? Os meus pais?
  Eu respondi-lhe que lhes tinha ligado à 5 minutos e que eles estavam a chegar, também lhe  avisei que peguei no telemóvel dela. Ela queria saber o que lhe tinha acontecido, mas eu achei melhor deixar o médico explicar-lhe.
  No momento que lhe disse, entrou a enfermeira com a Júlia e eu decidi segurar-lhe a mão para ela se sentir bem. Depois entrou o médico e  expulsou a Júlia, ele e a enfermeira começaram a sussurrar algo. Não sabia porquê que eles estavam a fazer isso, os meus pais diriam que isso era falta de educação se fosse eu a fazer. Olhei para a Rafaella e ela estava em pânico e a chorar, por isso segurei a sua mão mais forte.
  Ela entrou em pânico mas eu entendi, ela queria saber e ninguém lho dizia. Eu mantive-me quieto e a segurar-lhe. O médico mandou-a acalmar-se e saiu. A enfermeira aproximou-se dela e começou a amarrar-lhe os pulsos. "Mas que merda que ela estava a fazer ?A enfermeira está mesmo trenga, só pode"- pensei. A Rafaella não estava maluca nem queria magoar alguém para ser presa à cama daquele jeito.
  Não sei porquê mas não tive coragem de impedir a enfermeira e a única coisa que consegui fazer foi olhar para ela, enquanto estava em lágrimas e dizer-lhe para olhar para mim. Então, segurei o seu rosto e assegurei-lhe que tudo ia ficar bem e que tinha de confiar em mim.
  Depois, o médico voltou com um relaxante, mas não lhe deu porque estava mais calma. Também a desamarrou depois de ela fazer queixa e disse-nos que os seus pais tinham chegado e que eu podia ficar mais um pouco enquanto falava com eles.
Quando ele saiu, a Rafaella agradeceu-me mas não tinha o que fazer. Aproveitei a deixa e disse-lhe que coloquei o meu número e o insta para me ligar quando chegasse a casa. No final, mostrei-lhe um sorriso.
O que gostei foi que ela depois perguntou-me se ainda a queria conhecer mesmo depois de a ter visto sendo louca. É claro que queria.
  Fiquei a observá-la por um tempo e como tinha que ir embora em poucos segundos, disse-lhe:
  -És linda quando choras, sabias ? Agora tenho de ir para os teus pais entrarem, fica bem.
  Depois despedi-me dela com um beijo na testa.
Liguei para o meu pai me vir buscar e contei-lhe tudo o que aconteceu. Ele ficou impressionado e disse-me que se calhar aquilo foi um ataque de ansiedade. Também ficou feliz por ela ter ficado bem e por eu não a ter deixado sozinha até os pais chegarem.

  De seguida, eu e Júlia tivemos em chamada com o Nate a contar-lhe tudo o que aconteceu. Ele reagiu da mesma forma que o meu pai. Para nos distrairmos falamos sobre o casal sensação:
  -Como é que tu e a Joana vão?- pergunto
  -Bem, temos aquelas discussões normais. Mas não é sempre. Quando estou com vocês e ela está cá, ela não gosta muito. Não é ciúmes mas sim querer aproveitar o tempo que tem comigo.- respondeu
  -Pois, sabes? Acho melhor, quando ela estiver cá, tu avisas e nós não estamos juntos. Que tal?- sugere a Júlia.- Não viramos desconhecidos por não falarmos por uns dias.
  -Ya, eu pensava que iam ficar chateados se eu sugerisse isso.- respondeu o Nate
  -Achas mesmo??- pergunto incrédulo.- Nós somos teus melhores amigos, nós queremos que o teu relacionamento esteja bem, igualmente como tu.
  -Pois, podias ter nos dito isso mais cedo.-disse a Júlia.
  -Obrigada por compreenderem, quando ela estiver aqui, eu aviso-vos e assim sabem o que é para fazer.
  -Nate, mudando de  assunto. Acho que aqui a nossa colega está a falar muito com alguém- disse apontando para a Júlia.
  -Estou sim, tem algum problema?- disse ela
  -Não, mas podias nos dizer quem é.- respondeu o Nate
  -O quê??!! Foram vocês que me pediram para não falar nela, porque podia iludir-me.- disse ela
  -Foi o Nate que disse. Eu não disse nada.- disse levantando as mãos à altura do rosto.
  -Peço desculpa, então, por me ter preocupado contigo.- disse o Nate.
  -Tu?! Oh meu deus! O Nate tem coração. Chocada!
  -Por acaso tenho, se não vocês não teriam a melhor pessoa da vossa vida.-disse Nate ambicioso.- Agora, esquece o que eu disse e fala-nos dela.
  -Ok. Ela chama-se Teresa, mas prefere ser chamada de Tess.
  -Nome bonito- disse Nate
  -Gostei mais da alcunha- disse.
  -Eu ainda a estou a conhecer. Por enquanto somos amigas.
   -Por enquanto - destaca o Nate.
   -Pois, mas eu não sei se ela é, entendem? Eu estou a gostar imenso de a conhecer e ela também me disse que estava a gostar.
  -Pelo que conheceste dela, ela parece-te ser?- perguntei.
  -Parece, mas não tenho a certeza. Vou esperar ter mais uma afinidade maior para lhe perguntar.-respondeu
  -Não tem nenhuma indicação que seja na sua bio do insta, como tu tens?- perguntou o Nate
  -Infelizmente, não.- disse a Júlia.
  -Acho que devias falar com ela sobre isso, pelo menos de tu seres lésbica. Imagina que ela é homofóbica?- perguntei
  -Estás bem?? É impossível não ter reparado. Tenho a bandeira lgbtq+ na minha bio, a minha foto de perfil tem no fundo a mesma bandeira. Vocês andam idiotas.
  Minutos depois, terminamos a chamada porque já era tarde.

  No dia seguinte, depois do treino, recebo uma chamada inesperada:
  -Ivo?- disse do outro lado da linha. Demorou-me segundos para reconhecer mas descobri que era a Rafaella,
  Ela ligou-me e eu fiquei tão feliz, mas respondi-lhe com naturalidade:
  -Rafaella , ligaste.
  -Chama-me Rafa ahaha, claro que liguei. Achas que ia perder esta oportunidade ?- disse ela.
  Depois ela esteve a falar sobre os seus problemas psicológicos, não sabia muito bem o que responder, mas acabei por dizer-lhe "É uma situação muito difícil. Tens todo o direito de te sentires assim com o que te acontece. Estou aqui para o que precisares."
  Quando o assunto acabou, ela vira-se e disse:
  -Ah, é verdade. Pede desculpa à tua namorada por ter perdido a noite dela lá e agradece-lhe também
  -Namorada? - disse surpreendido. "Ela sabe mais do que eu" penso.
   -Sim , a rapariga que estava contigo no hospital.
   -Oh, a Júlia. Ela não é minha namorada, é a minha melhor amiga. Ela nem gosta de rapazes.
  O pior é que isto está sempre a acontecer. Mas não pensava que ela acharia que eu namorasse.
Consegui ouvir um sorriso de alívio do outro lado da linha.
  Falamos durante horas . Quando deu as 23:00, desligamos.
  Não consegui dormir, porque primeiro, não parava de pensar nela e dois, o meu pai voltou a beber. Eu pensava que as coisas estavam melhores, mas parece que não...

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