Suguru estava triste. Seu pai e sua mãe tinham brigado de novo, e, quando fugiu correndo de casa, teve um vislumbre da cozinha bagunçada, da mãe chorando e das marcas que rodeavam o corpo dela. Às vezes, o garotinho sentia ódio das pessoas e achava que talvez fosse melhor se aquela parte ruim da humanidade sumisse: a parte que era constituída por homens como seu pai e pelos adultos desrespeitosos que tivera o desprazer de conhecer, adultos que espalhavam seu veneno em crianças como ele e criavam mini monstros iguais os que sempre afugentava na escola com o pequeno canivete que fora obrigado a roubar do pai para se defender. Nenhuma criança de dez anos deveria ter tais experiências e Suguru tinha consciência disso, ainda que fosse apenas um sentimento abstrato que ele não podia definir ou explicar em palavras.
Apesar de tudo isso, tinha um humano que o fazia esquecer todas essas sensações ruins e angustiantes, um humano que era o seu favorito no mundo e que fazia sua esperança florescer e brilhar junto com olhos azuis cristalinos e pacíficos, olhos que sorriam naquele momento, a lua que os ostentava vindo em sua direção, como se o mundo ao redor não passasse de um borrão e eles estivessem protegidos dentro de uma bolha segura ao invés de estarem numa praça barulhenta ao fim da tarde.
— Oi, Sugu! — Cumprimentou a lua sorridente, parando na sua frente e o impedindo de continuar se balançando no balanço.
— Oi, Satoru — devolveu o garotinho sem muita animação, embora sentisse as bochechas corarem sob o olhar atento do amigo.
— Cê tá triste, né? — Observou Satoru sabiamente, se aproximando ainda mais, travando o olhar em Suguru. — Pois eu aprendi uma coisa que vai te deixar feliz — anunciou vitorioso, erguendo o braço superior esquerdo como se fosse o super-homem.
— Duvido — desafiou, porque aquela era uma rotina diária entre eles; Satoru aparecendo com alguma proposta maluca e Suguru cético demais até que o amigo provasse seu ponto.
— Tá bom, vou mostrar, cê vai ver só — fez um sinal de "prepare-se" com a mão e pigarreou antes de abandonar a postura para se voltar novamente ao outro, que esperava com ansiedade. — É uma música que me fez lembrar da gente — acrescentou a informação como se fosse muito importante, voltando a se preparar para seu grande show em seguida, pigarreando mais uma vez antes de começar a cantar:
"Como pode um peixe vivo
Viver fora da água fria?
Como pode um peixe vivo
Viver fora da água fria?
Como poderei viver
Como poderei viver
Sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia?"
Satoru terminou sua breve apresentação e tomou fôlego, olhando para Suguru com expectativa.
— Eu gostei, mas não entendi porque essa música te lembra a gente — comentou o garoto, sem coragem para dizer que não tinha ficado feliz por causa daquilo.
— Não é óbvio? — Satoru cruzou os braços, indignado com a lerdeza do amigo. — Eu sou o peixe que não pode viver fora da água fria, e a água fria é a sua companhia!
Suguru sentiu o impacto das palavras e arregalou os olhos, surpreso. Os olhinhos encheram de lágrimas e ele olhou para Satoru ressentido pelo amigo jogar tão sujo a ponto de fazê-lo chorar de emoção, principalmente quando viu que era observado por um olhar vitorioso.
— Te odeio — resmungou, saindo do balanço para dar um soquinho de mentira no braço de Satoru.
— Mentira, cê me ama — refutou sem dó, rindo. — Eu sou a água fria do teu peixe igual cê é a água fria do meu, e nós vamos ser amigos para sempre.
Suguru apenas concordou sorrindo, definitivamente se sentindo mais feliz e decidindo que, enquanto sua lua — ou seu peixe — brilhasse para ele, ainda haveria esperança no mundo, mesmo que este fosse povoado por vários homens maus como seu pai.
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50 tons de SatoSugu!
Fiksi PenggemarSe 50 tons de cinza é ruim, vamos fazer 50 tons de Azul e Preto e tornar isso bom. [Conjunto de drabbles/double drabbles/minicontos de até 500 palavras inspirado em Mille Feuille, de Ayzu Saki]