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Karila POV

Minha companheira de momentos como estes era Normani, quando os dias se mostravam difíceis ela conseguiu me compreender de uma maneira diferente, trazia uma garrafa de meu vinho e às vezes não precisava de diálogo algum, bastava que estivesse ali, talvez fosse seu absoluto respeito por meus momentos de devaneios, ou por nosso afastamento através de tantos anos.

E aqui estou eu, aceitando um convite de uma estrangeira, literal desconhecida.

Tento buscar em mim alguma justificativa plausível, creio que ouvir suas insanidades nesse momentos sejam menos preocupantes do que ouvir a voz da minha própria consciência e solidão, mesmo que a segunda alternativa seja em algum ponto menos estressante e mais fácil de lidar. Caminhei em direção a minha adega particular e busquei o vinho que estava em temperatura mais adequada, capturei duas taças e relutei diante das portas do terraço.

Sinceramente eu já fui melhor do que isso, sem dúvidas...

Olhei à minha volta e capturei o primeiro lenço que me pertencia sobre minha cama, talvez eu não queira que ela me observe com seus olhos averiguadores enquanto bebo algo alcoólico, podia tirar o hijab e meu lenço sem desejar, devo me prevenir.

Movi caminhando pelo terraço.

— Quer ajuda? – Seu corpo se aproximou e eu apenas lhe cedi a garrafa de vinho, liderando nosso caminhar até a mesinha, colocando as taças sobre e acendendo a lâmpada marroquina diante de nós, ela se acomodou entre as almofadas assim que me viu fazê-lo, me olhando perdidamente compenetrada.

Estendi o lenço a ela notando sua confusão visível.

— Da última vez que algo seu desse tipo me surgiu, queria me matar. – Sua fala me fez inclinar os lábios em um traço de sorriso.

— Não que isso tenha mudado muito, os conceitos de gratidão só foram atualizados. – Soltei o lenço assim que a vi estender a mão, evitando o toque. Ela o olhou com compenetração, ainda soando confusa sobre o que devia fazer naquele momento.

— Quero beber vinho. – Dei de ombros como se não fosse óbvio a constatação que devia chegar.

Sua confusão ainda parecia persistente, não parecia correlacionar os fatos.

— É para cobrir seus olhos. - Informei notando que ela olhou para o vinho e a taça como se ponderasse que a união de ambas as coisas soasse impossível. Tenho anos de experiência nessa união, lenço e vinho, não tem como dar errado.

— Pode confiar em mim, não é como se eu fosse sair em praça pública para definir suas características físicas a todos, alteza. – Sua fala me faria revirar os olhos em algum outro momento, porém nessa altura do dia estou tão cansada que não farei sequer esforço para fazê-la mudar de ideia sobre nada, era aquilo e ponto final.

— Não se pede confiança, ela vem quando convém, não acredite que eu vá confiar em você só porque me pede que eu confie, só preciso de vinho. – Falei.

Ela não demorou em assentir, tirou os óculos da face e os deixou sobre a mesinha, seus olhos agora livres das lentes pareciam ainda mais claros, ela me encarou, por minutos demais em silêncio para que eu não me incomodasse com o ato, a feição de obstinação como se quisesse mesmo ver o que havia por trás de todos os centímetros de lenço que cobria minha face.

Ninguém nunca pareceu obstinado com minha identidade dessa maneira.

Não que tantas pessoas não quisessem saber quem sou, mas essa obstinação específica não existia, parecia aos outros uma curiosidade a ser levada, nada além. A ela me deixava um traço de incômodo que o fizesse de maneira tão profundamente obstinada.

Karila AistarabawOnde histórias criam vida. Descubra agora